Rio Grande do Sul

Direito quilombola

TRF4 determina a continuidade da titulação de terras de Morro Alto, no Litoral Norte do RS

Processo tramita há mais de duas décadas no  Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Representantes das mais de 200 famílias e advogado celebram a decisão em frente ao Tribunal - Foto: Ubirajara Toledo

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), determinou, nesta terça-feira (11), a continuidade da titulação de terras de Morro Alto, localizado entre os municípios de Osório e Maquiné, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. O processo para garantir a titulação de terras quilombolas tramita há mais de 20 anos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). 

Além do prosseguimento da ação, o TRF4  também manteve a sentença que determinou que o Incra interrompa imediatamente o processo licitatório para a elaboração de novo laudo antropológico

Na decisão desta terça-feira, a Terceira Turma do TRF4 manteve a sentença que determinou que Incra “interrompa, imediatamente, o processo licitatório para a realização de Relatório Antropológico de caracterização histórica, econômica, sócio-cultural e ambiental, destinado a fornecer subsídios técnicos para a identificação e delimitação do território da Comunidade Remanescente de Quilombo de Morro Alto”. 

Aos 102 anos, seu Manoel Chico não conteve a emoção quando ouviu a decisão. Liderança histórica da Comunidade Quilombola do Morro Alto, ele luta para ver a terra de seus antepassados nas mãos do seu povo. Uma luta de uma vida inteira. Seu Manoel é descendente direto dos ex-escravos que receberam a terra de herança da fazendeira Rosa Osório Marques, em 1888. 

A decisão é decorrente de uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em oposição ao pedido do Incra para que fosse realizado novo laudo antropológico. O TRF4 também determinou que o Incra “dê continuidade ao processo administrativo n.º 54220.001201/2004-09". 

Segundo os desembargadores, ao determinar a realização novo estudo antropológico, o Incra descumpriu com seu dever de fundamentação e motivação das decisões que emite e, ainda, feriu diversos princípios constitucionais e administrativos. Dentre eles o princípio do devido processo legal e da duração razoável do processo, o que demanda a interrupção de novo processo licitatório em andamento e a continuidade imediata do processo de titulação do quilombo de Morro Alto. 

Decisão histórica

O advogado Emiliano Maldonado, que atua no processo como advogado da comunidade quilombola, pontua que a decisão é considerada histórica. Segundo ele, aprovar a licitação para a realização de um novo laudo significaria voltar para o início do processo. “Perderíamos mais de 20 anos de trabalhos técnicos feitos por equipes multidisciplinares e por pesquisadores reconhecidos internacionalmente, colocando em xeque o próprio trabalho das áreas técnicas do Incra ao longo de todos esses anos”, afirma. 

Maldonado destaca que o poder judiciário reconheceu que o Incra deve concluir o processo de titulação de Morro Alto e que as medidas que haviam sido tomadas na gestão anterior não possuem respaldo legal e técnico, motivo pelo qual foram anuladas. “Além disso, garante que se dê continuidade à titulação do território quilombola para a Associação Comunitária Rosa Osório Marquês”, diz.


Manoel Chico 102 anos, é descendente direto dos ex-escravos que receberam a terra de herança da fazendeira Rosa Osório Marques / Foto: Ubirajara Toledo

Sobre a comunidade 

A área discutida na ação tem 4.630 hectares e está localizada entre os municípios de Osório e Maquiné, no Litoral Norte do RS. No local, residem  mais de 200 famílias quilombolas.

A comunidade negra de Morro Alto se reconhece como herdeira do território em que reside evocando a descendência compartilhada entre seus membros, como descendentes e constituídos herdeiros pelo testamento de Rosa Osório Marques datado de 1888.

Conforme explica o advogado, são direitos adquiridos em pleno século XIX por um conjunto de 24 ex-escravos, que figuram como herdeiros das terras recebidas por meio de doação registrada no inventário de Rosa Osório Marquês.

"Desde aquele período esses negros livres consagram a memória e a ancestralidade africana atlântica de origem Banto (Congo e Angola) e do Capão da Negrada, no RS. Ou seja, estamos falando de uma comunidade que possui direito sobre essas terras há mais de 135 anos e até o presente momento permanece sofrendo violações ao seu território ancestral", contextualiza Maldonado.

*Com informações da Tempórea Comunicação Estratégica


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Edição: Marcelo Ferreira