O que antes era visto como pixação e vandalismo, os grafites passaram a ser valorizados pelo que realmente são, arte de rua, seja como forma de contestação, homenagem, celebração, que colorem muros, fachadas de prédios mundo afora. Entre os dias 15 de maio e 31 de julho, essa arte ganhara as ruas da cidade de Moscou (Rússia), na IV Artmosphere Biennale, que reunirá 48 artistas. A bienal deste ano terá como tema "Comunidade: Parceria – Coletividade – Utopia". Com 34 anos, o artista gaúcho, Amaro Abreu, é o único brasileiro a participar do evento.
Radicado em São Paulo, Amaro é autor de cinco exposições individuais compostas por obras em aquarela e nanquim. Realizou pinturas nos escombros do muro de Berlim, na cidade francesa de Nanterre, onde aconteceram as manifestações estudantis em maio de 1968. Assim como uma temporada no México, onde conheceu o grafiteiro Duek Glez, com quem assinou uma obra classificada entre as melhores do mundo, em 2016, pela agência norte-americana I Support Street Art.
Sua obra, El Sonido Gris, foi selecionada como uma das melhores ilustrações da América Latina e publicada no livro Colores Latinos, produzido pela Facultad de Diseño y Comunicación de Palermo (Buenos Aires, Argentina).
Em 2016, publicou o livro Habitat (Editora Libretos), com desenhos e escritos sobre a sua trajetória artística. E em 2018 realizou uma residência artística com o Conexus Project, viajando pelo Egito, Líbano, Síria e Índia. Nessa ocasião, participou da Bienal do Cairo e pintou no campo de refugiados palestinos Nahr al-Bared.
Atualmente Amaro está fazendo a pintura da fachada da Agência Livre para Cidadania e Educação (Casa Alice) e participa do projeto Expressões da Periferia, na Ilha do Pavão.
Em entrevista ao Brasil de Fato RS, Amaro fala de sua trajetória e da importância da arte de rua. “Quando comecei, mesmo que estivesse fazendo um trabalho colorido, isso era visto como pixação ou vandalismo. Hoje, é visto como um artista importante na sociedade. Acho que falta um pouco de autonomia de pensamento nas pessoas, elas só aceitam quando é aceito pela sociedade em geral.”
Abaixo a entrevista
Brasil de Fato RS - Como nasceu a tua paixão pela arte urbana, o grafite e outros tipos de arte?
Amaro Abreu - Desde muito novo gostei muito de arte e quando fiquei mais velho comecei a ver muitos grafites pela cidade. Me mudei do bairro Belém Novo, no Extremo Sul de Porto Alegre para o Centro. Nessa época comecei a estudar no colégio Julio de Castilhos (Julinho) e passei a ter acesso ao espaço urbano, com muitas intervenções de rua, que estavam começando a acontecer na Capital. Também conheci muita gente que pintava na rua. Dai em diante não parei mais. Fui me profissionalizando para fazer da minha paixão uma carreira artística.
BdFRS - Quais são os principais elementos da tua obra, o que te inspira?
Amaro - Na minha experiência em Belém Novo era uma adolescência bem natural, em lugar com água própria para banho, muitas árvores, pedras e paisagens. Sem prédios e pouquíssimo asfalto. Quando vou para o Centro, um lugar mais urbano, cria um grande contraste em mim. Meu trabalho autoral foi para um lado de criar a atmosfera de um planeta desconhecido, com uma biodiversidade de plantas, paisagens e seres que foram para um lado de se conectar mais com a natureza
BdFRS - Ao andar pelas ruas de Porto Alegre, vemos grandes murais de personalidades. No Rio de Janeiro temos o trabalho Negro Muro. Tem os trabalhos do Kobra. Tu já realizou trabalhos em diversos países. Nesse sentido qual a importância da arte ganhar as ruas?
Amaro - Tem projetos de graffiti muito relevantes acontecendo. O projeto Negro Muro, inclusive conheço o Cazé que é o artista que pinta. Esse movimento de arte urbana está muito em alta e muda muitos ambientes esquecidos pelo Poder Público. Existe também o Meeting of Favela, que acontece na Vila Operária, uma favela em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.
Participei dois anos desse evento e lá pintam toda a comunidade, gerando economia criativa para os moradores locais e fazendo o local diminuir a violência. Estive pintando no campo de refugiados palestinos Nahr al-Bared, na fronteira da Síria com o Líbano. Foi outra experiência incrível de ressocialização de um lugar bastante conflituoso. Acho muito interessante a arte nesses contextos.
BdFRS - Como os grandes murais contribuem para a democratização da arte, como elas podem transformar os espaços urbanos?
Amaro - A empena cega, que são as laterais de prédio, são, muitas vezes, algo bem agressivo na cidade. Temos uma sensação de bem estar quando estamos na natureza, mas no meio do concreto e do asfalto, temos sentimentos como ansiedade, depressão ou stress. A arte é um respiro no meio da cidade, porque a arte causa uma sensação boa e traz qualidade de vida. Além disso, é muito democrático. Apesar de ter mais nos centros, quando está na rua é para qualquer pessoa, seja ela de qualquer classe social.
BdFRS - Nesses 15 anos de trajetória, quais as principais mudanças da arte de rua? O graffiti e a arte de rua deixou de ser uma arte ‘marginal'?
Amaro - Acho que a principal mudança é que esse tipo de arte começou a entrar na mídia. Isso foi um fenômeno internacional, que começou a mobilizar artista em tudo que é canto do mundo. Grandes empresas, grandes marcas e pessoas da alta sociedade começaram a ver isso como o novo movimento artístico contemporâneo. Isso foi a principal causou para uma aceitação para o público das grandes massas.
Quando comecei, mesmo que estivesse fazendo um trabalho colorido, isso era visto como pixação ou vandalismo. Hoje, é visto como um artista importante na sociedade. Acho que falta um pouco de autonomia de pensamento nas pessoas, elas só aceitam quando é aceito pela sociedade em geral. Tem uma fotografa norte-americana, chamada Martha Cooper, que registrou o inicio do graffiti em Nova York no final da década de 1970, quando era muito marginalizado e cheio de preconceitos. Ela também foi uma personalidade fundamental para esse fenômeno de arte urbana espalhada pelo mundo.
BdFRS - Vimos no último período uma censura a arte em suas diversas formas, a tua obra já sofreu algum ataque, cerceamento?
Amaro - Houve uma polêmica bem forte no Instituto Goethe de Porto Alegre. Eu e o Rafael pixo bomb, de São Paulo, fizemos uma exposição no Goethe e uma das atividades da exposição era uma pintura no muro externo no Instituto. O Rafael fez uma cabeça de Jesus Cristo em uma bandeja, em uma provocação onde os próprios cristão violentos matariam Cristo se ele voltasse. O Felipe Diehl, do Partido Liberal, fez um vídeo sensacionalista dizendo que o Goethe pregava a morte aos cristãos. Isso deu uma repercussão nacional e começamos a receber ameaças de diversos estados.
O MBL descobriu e começaram aterrorizar todo mundo. Uma vez até ligaram para o Goethe e disseram: "estão preparados para o que vai acontecer hoje?". Não fizeram nada, mas o terrorismo foi muito intenso. Fiquei em casa por vários dias, por precaução. No desenrolar da história, alguém pixou em cima contra o desenho. Depois alguém a favor pixou por cima e por fim o Goethe apagou tudo e fez uma peça de teatro em protesto aos acontecimentos.
BdFRS - Tu és o único brasileiro entre os 48 selecionados para esta edição da bienal de Moscou, que significado isso traz, como recebestes a notícia?
Amaro - A notícia, com certeza, foi recebida muito bem. Soube no dia do meu aniversário que ia participar da Bienal de Moscou. Pra mim é uma grande satisfação saber que fui o único artista brasileiro selecionado. Um, porque isso está sendo uma grande divulgação do meu trabalho, outra porque vou ser o único representando o nosso país.
Está chegando a todo momento pessoas nos meus perfis de redes sociais dizendo que ficaram sabendo disso. Para mim como artista é super bom ver o trabalho se disseminando e entrando em diversos imaginários de diversas pessoas. Além disso tudo, ter a oportunidade através da arte de conhecer um país histórico como a Rússia, é motivo de muito prazer. Além ter essa experiência em Moscou, ainda vou poder deixar lá uma obra de arte permanente.
BdFRS - O que é arte de rua para ti?
Amaro - Arte de rua para mim é poder se expressar da forma mais livre possível. Hoje em dia, pela necessidade dos artistas viverem de arte, pagar todas as contas com isso, é preciso fazer diversos trabalhos bem comerciais. Trabalhos que muitas vezes não têm nada haver com seus gostos ou ideologias.
No entanto, a arte de rua começou de forma bem selvagem, onde os artistas não pensavam de forma comercial, apenas de forma artística. Com o passar dos anos, com a influência da mídia nesse movimento, isso mudou bastante, no entanto a essência da arte urbana é ser transgressora e livre.
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Edição: Katia Marko