O que se perde quando perdemos a capacidade de suportar o tempo de não saber?
A busca pela resposta final, o apagamento de qualquer dúvida, a necessidade de ter a certeza sobre todas as coisas, a perfeição, a completude, o Um, o todo. Parece o desejo de muitos de nós, mas se pensarmos bem, todas essas são coisas aprisionantes. Se soubéssemos quão libertador é o não saber talvez não seríamos atropelados pela pressa em concluir.
O poema de Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, chamado Lisbon Revisited traz um potente fragmento que nos lembra o quanto o não saber é libertador. “Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer”, e segue: “Não me tragam estéticas! Não me falem em moral! Tirem-me daqui a metafísica! Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas [...] das ciências, das artes, da civilização moderna! Que mal fiz eu aos deuses todos? Se têm a verdade, guardem-na [...]”.
A obsessiva busca pela verdade. A ideia que existe “a verdade”, única, a correta versão dos fatos, aquela que colocará um ponto final em qualquer interrogação. Como diz Lacan, a verdade é sempre um semi-dizer, a verdade é não-toda, ela escapa, tem sempre algo que não alcançamos na busca por um saber total. E não é justamente neste ponto de angústia que se inscreve a liberdade do sujeito?
É sempre bom lembrar do sujeito freudiano. Para Freud, somos divididos entre consciente e inconsciente. Do inconsciente temos algumas notícias, algum saber que escapa por sonhos, atos falhos (aquela palavra que depois de dita eu percebi que não era bem o que eu ia falar, mas que revela algo diferente) e os chistes (o dito espirituoso, aquele humor fino que o próprio pai da psicanálise diz que “numa brincadeira pode até se dizer a verdade”). Na análise transitamos por essas pistas, é dos pequenos fragmentos que temos notícias de algo desconhecido que nos habita.
O próprio enigma dos sintomas. Cada um tem os seus. Toda pessoa precisa lidar com o próprio mal-estar que atravessa a sua existência. O motivo da insônia de João não é o mesmo da de José. Há uma construção subjetiva, individual de cada um. Eis a psicanálise e sua função de interrogação. Fale sobre sua insônia, onde será que está o nó que te faz perder o sono? É um convite para pensar mais sobre isso. Não existe uma resposta pronta, vamos precisar construir juntos. É justamente através de uma postura castrada do/a psicanalista, que pouco ou nada sabe sobre o outro, que é possível emergir um novo saber a partir do que se escuta. Os sujeitos em sofrimento buscam respostas e na análise, muitas vezes, encontram mais perguntas. Interrogações que trazem novas possibilidades de ser e existir. O que vai no contrafluxo de tudo que se espera numa sociedade que não tem mais tempo para o ócio.
Hoje temos pressa, procuramos respostas, diagnósticos, remédios que fechem as questões. Estou triste, preciso de um antidepressivo. Sim, talvez precise. Mas ele sozinho resolverá o que te entristece? Talvez seja a partir dessa tristeza que você consiga saber mais sobre quem é e o que deseja. Não está feliz com o trabalho? É o relacionamento? É a forma com que você tem cuidado da sua saúde? O que tem tirado a sua paz? A pressa antecipa a conclusão.
Lacan também falou sobre o fenômeno do tempo e sua construção a partir de três momentos: o momento de ver, de compreender e de concluir. Parece que temos concluído sem nem ver, imaginem então se dar ao trabalho de compreender. Estamos hiperacelerados, destemporalizados, buscando respostas rápidas para nossas questões. Precisamos construir um saber para ontem. Não temos mais tempo a perder. Mas o que perdemos por viver com o pé no acelerador? Por antecipar conclusões, por fechar questões dizendo que minha tristeza é devido ao diagnóstico – muitas vezes via Google – de depressão? O que se perde quando perdemos a capacidade de suportar o tempo de não saber?
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko