A Polícia Civil tenta identificar os autores e possíveis mandantes de um atentado contra a advogada feminista Laura Cardoso, que teve o carro da família explodido no último domingo (19), em Pelotas. De acordo com a delegada responsável pelo caso, as autoridades trabalham com a hipótese de que o crime não foi aleatório e o carro da advogada foi escolhido para ser atacado em razão de sua atuação profissional em casos que envolvem vítimas de violência doméstica, de violência obstétrica, entre outras questões de gênero.
O incidente ocorreu por volta das 20h30 de domingo. O carro da advogada estava estacionado em frente ao prédio em que sua família reside. Em conversa com o Sul21 nesta quarta (22), Laura contou que a rua é bem movimentada e que, naquela noite, vários outros carros também estavam estacionados na via.
Dois indivíduos em uma moto se aproximaram do carro, um deles, que estava na garupa, desceu e quebrou o vidro do banco do passageiro com uma marreta de construção civil, colocou um galão de 5 litros de gasolina dentro do veículo e ateou fogo. “Quando eu ouvi o estouro, o vizinho da frente foi até a sacada, viu o fogo e percebeu o que estava acontecendo. Imediatamente, ele desceu com um extintor e conteve as chamas, mas já tinha derretido quase todo o interior do carro”, conta Laura.
Logo após a explosão, os homens fugiram da cena do crime, deixando a marreta. Posteriormente, foram encontrados vestígios do galão. Esses e outros materiais encontrados no local foram encaminhados ao Instituto Geral de Perícias (IGP) para perícia.
O caso tem como agravante o fato de Laura estar grávida, prestes a dar à luz seu segundo filho.
“Eu fiquei bastante chocada. Durante um bom tempo, eu fiquei pensando sobre a situação, querendo acreditar que havia sido um fato aleatório. Mas depois, reunindo todas as provas, as câmeras de segurança, percebemos que se tratava de uma ameaça, uma vingança ou um atentado explícito pelo trabalho que eu desenvolvo”, diz a advogada.
Angélica Giovanella Marques, titular da 1ª Delegacia de Polícia de Pelotas, diz que a Polícia Civil está trabalhando com a hipótese de que se trata de uma ação premeditada. “Nós acreditamos que está diretamente relacionado ao exercício da profissão dela. Ela trabalha com causas muito sensíveis, a gente sabe o quanto isso pode causar revolta em alguém”.
A delegada diz que as diligências estão em andamento e que já foram analisadas imagens próximas do local, mas pontua que elas não são nítidas e não permitem a identificação dos suspeitos. Contudo, afirma que a Polícia já teve acesso a gravações de câmeras de prédios do entorno que possuem imagens mais nítidas. A Polícia Civil também está aguardando que a advogada encaminhe a lista dos últimos processos em que atuou, de violência doméstica e violência obstétrica, entre outros casos, para tentar identificar possíveis autores do ataque.
No momento, a polícia trabalha com a hipótese de que o crime tenha um mandante, mas não descarta a possibilidade de um dos indivíduos da moto ser o responsável por planejar o ataque.
A investigação está tratando o caso como incêndio doloso, uma vez que Laura ou seus familiares não estavam próximos do carro. Contudo, a delegada pontua que não se trata de um crime de vandalismo aleatório. “Tinha vários veículos na frente do prédio e o veículo dela foi escolhido. Não é um episódio de vandalismo, foi bem direcionado”, diz a delegada.
Ataque à advocacia
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB/RS), Leonardo Lamachia divulgou na segunda-feira (20) uma manifestação sobre o atentando. Ele se deslocou até Pelotas após tomar conhecimento do atentado e organizou um ato de apoio a Laura Cardoso para, segundo ele, dizer à sociedade gaúcha que “qualquer pessoa que desrespeitar uma advogada ou um advogado no Rio Grande do Sul, ou tentar intimidar a advocacia, terá que enfrentar a força institucional da OAB”.
“Quem atenta contra um advogado ou uma advogada, atenta contra o estado de direito, atenta contra a OAB e nós não vamos aceitar isso”, complementou Lamachia.
Laura também avalia que o atentado esteja ligado ao seu exercício profissional e seja um ataque à advocacia. “É algo gravíssimo contra o exercício da profissão. Já é grave contra qualquer mulher, uma mulher grávida, no exercício da profissão, que trabalha com o direito das mulheres, então é muito mais grave, diz.
Três dias após o episódio, ela pondera que ficou aterrorizada em um primeiro momento, mas que já se sente fortalecida em razão de todo o apoio que recebeu de colegas, de movimentos profissionais e de outras entidades.
“Eu sei que eu trabalho com um tema bastante delicado, que gera indignação por vivermos em uma sociedade misógina, patriarcal e machista, defender os direitos das mulheres, das crianças e adolescentes também, não é tarefa fácil, principalmente quanto tu se propõe a um pensar jurídico feminista, com perspectiva de gênero.”
Laura ainda afirma que o episódio, apesar de sua violência e de se tratar de uma ameaça, terá efeito reverso, porque a fortalece e a faz crer que o seu trabalho está sendo bem feito na defesa dos direitos das mulheres. “Vou seguir fazendo o meu trabalho de maneira combativa e defendendo as pautas de gênero”.
Edição: Sul 21