No Dia Mundial da Água, celebrado nesta quarta-feira (22), manifestantes realizaram um ato em frente à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O principal objetivo foi enfatizar a luta contra a privatização do saneamento no estado. A ação pontuou a desestatização da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) e a privatização do Departamento Municipal de Água e Esgotos de Porto Alegre (DMAE).
Além da questão da privatização das empresas públicas, o ato também destacou a questão da sustentabilidade, segurança hídrica e a manutenção da vida com qualidade para todos. “A crise hídrica é um problema seríssimo da humanidade. E nós aqui, no RS, em especial a região metropolitana, sofremos muito, tanto aqui na cidade, no meio urbano, como o caso do Morro da Cruz com falta de água cotidiana e também no assentamento Belo Monte onde moro. A falta de água é permanente e a nossa produção diminui muito. A gente tem que pensar com antecedência essa crise para poder ter uma solução”, afirmou o integrante do Movimento dos Trabalhadores Desempregados, Mauro Cruz.
:: No Dia Mundial da Água, MAB e parceiros exaltam luta contra privatização do recurso ::
Alexania Rossato, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), enfatizou que a luta em defesa da água é muito importante para o movimento, tanto que está presente no lema do mesmo, "água e energia não são mercadorias". Para ela é preciso levar cada vez mais esse debate para a sociedade. “Sabemos que quem sofre mais são os pobres, os moradores das periferias. Eles vêm com esse discurso que vão levar o saneamento, mas na verdade vai piorar o serviço e vai aumentar o preço da tarifa mensal”, ressaltou, pontuando que a entidade está com atividades no país inteiro, lembrando também do assassinato da militante Dilma Ferreira, no Pará, há quatros anos.
Privatização da água
Ao falar sobre o lançamento do Fórum Popular em Defesa da Água, o diretor do Sindiágua Cleverson Vinícius Giordani salientou que o Dia Mundial da Água é para comemorar a importância do recurso. “Infelizmente no RS esse dia para nós é um dia de resistência, um dia de luta.”
Em entrevista recente, o ex-relator especial da ONU para Água e Saneamento, Léo Heller, afirmou que privatização de água e saneamento traz "sérios riscos de violação de direitos". No caso das empresas públicas gaúchas, esse risco, mesmo amplamente divulgado, não foi suficiente para barrar a venda da Corsan, que aguarda a assinatura de contrato. Em dezembro de 2022, o Grupo Aegea venceu o leilão por R$ 4,151 bilhões. É a primeira privatização de uma companhia estadual de saneamento no Brasil. Um estudo semelhante solicitado pelo Sintec/RS atestou que a Corsan valeria R$ 7,26 bilhões, cifra 75% maior do que o lance único dado no leilão de privatização.
Em fevereiro deste ano dirigentes e delegados sindicais do Sindiágua-RS foram até a Assembleia Legislativa do RS (ALRS) entregar um documento com mais de 80 páginas, pedindo a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o processo de venda da Corsan. Até o momento a CPI tem 14 assinaturas, das 19 necessárias.
Em sua intervenção, Vinicius lembrou os dois anos de mobilização para que a privatização fosse evitada. “Em 18 de março de 2020 o senhor Eduardo Leite rasgou a sua célebre frase usada durante a campanha do primeiro mandato em que dizia que no governo dele a Corsan e o Banrisul permaneceriam públicos. O governador participou ativamente da mudança do marco regulatório que sabidamente traria problemas para a Corsan.”
Ao comentar sobre os riscos da privatização, Alexania fez um paralelo entre a Corsan e o caso envolvendo a barragem da Lomba do Sabão, que é de propriedade do DMAE. De acordo com ela, mobilizações como a realizada nesta quarta, são necessárias para também garantir a não privatização, a não entrega ao Grupo Aegea, como deseja o governo estadual. “A barragem na Lomba do Sabão a gente também coloca nesse roll porque se privatizar o DMAE a gente não sabe como será depois. Já é difícil como empresa municipal, imagina com uma empresa privada tu fazer a negociação do direito das famílias e da manutenção da barragem, que está abandonada pelo município”, expôs.
Alexania apontou que sairá novamente o laudo da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que avalia os riscos das barragens e que provavelmente apontará a barragem da Lomba do Sabão como uma das noves barragens do estado que correm risco e preocupação à Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema). “Não podemos deixar que nenhuma Mariana, nenhuma Brumadinho aconteçam no nosso estado”, finalizou.
"Nas periferias dia sim, dia não, não tem água"
Para Katiucia Gonçalves, integrante da Coletiva Feminista Outras Amélias: Mulheres de Resistência e Luta, e residente da Cascatinha, a privatização é um atraso. “Estamos aqui para reafirmar que água não é mercadoria e que a nossa saúde não tem preço. Porque ter uma água de qualidade, saneamento básico, isso é saúde. A gente veio denunciar aqui que nas periferias dia sim, dia não, não tem água. Hoje eu já tenho um aviso no meu whats que eu vou chegar em casa e não vai ter água. Estão nos sucateando, querem nos matar pelo cansaço.”
Presente no ato, o deputado estadual Miguel Rossetto (PT) falou do lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Revitalização das Bacias Hidrográficas, Conservação dos Recursos Hídricos e Enfrentamento às Estiagens, lançada nesta quarta.
:: Lideranças sindicais pedem ao governo Lula a revisão do Marco Legal do Saneamento ::
“Água é vida, água é condição de vida. E a melhor forma de gerenciar, de garantir esse direito à população e cuidar dessas águas são empresas estatais públicas bem administradas e com controle social. A Corsan deve continuar assim cada vez sendo melhor administrada. A experiência mundial de privatização atesta que ela é um desastre”, apontou o parlamentar. Rossetto comentou que cidades e regiões que fizeram a privatização nas décadas de 1980, hoje voltam a ser empresas públicas e estatais. “Defender uma Corsan pública, bem administrada, defender um DMAE aqui em Porto Alegre bem administrado é estratégico para a qualidade de vida”, concluiu.
O trabalhador do DMAE e dirigente do Simpa Edson Zomar destacou que a finalidade do serviço público é prestar o serviço em si a todo cidadão. “Em uma sociedade tão desigual como a nossa, uma empresa pública torna acessível a garantia à cidadania a todos. Água privatizada, saneamento privatizado se tornam mercadoria, portando dá acesso a quem tem como pagar, quem não tem fica excluído.”
Ainda segundo Zomar, a privatização não funciona porque a água e o saneamento fazem parte de uma estrutura única, não há concorrência. “Se torna um monopólio privado. Toda empresa privada tem motivação de ser o lucro em si. Onde houve privatização, como em Paris, Buenos Aires e outras cidades, não funcionou por esse motivo”, apontou. Ele destacou ainda que normalmente as privatizações são financiadas pelo dinheiro público.
“O debate que a tente faz hoje é que o BNDES pare de financiar a privatização, pare de financiar a outorga. É um debate que não é feito com a sociedade, é um debate que não é feito com o usuário, com os servidores e nem tem aspecto técnico. No caso do DMAE, por exemplo, é uma completa inconsistência técnica, é quase um Frankenstein no caso de atender, provavelmente a Aegea.”
:: Dia Mundial da água: mudanças climáticas deixam atingidos entre lama tóxica e fortes estiagens ::
As entidades parceiras que participam do Fórum Popular são o Sindiágua/RS, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Sindicato dos Municipários (Simpa), Ascorsan, Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), Levante da Juventude, Setorial Ecossocialista – PSOL, Coletivo de Teatro Panapaná, SerAção, CUT, CSP/Conlutas, SINDPPD, SindsepeRS, Coletiva Feminista Outras Amélias - Mulheres de Resistência e Luta, MST, Pastoral da Ecologia, Movimento Laudato Si/RS, PSTU, Movimento Roessler para Defesa Ambiental e Preserva Zona Sul.
Lançamento da Frente Parlamentar
No fim da manhã desta quarta-feira (22), em solenidade no Salão Júlio de Castilhos, foi instalada a Frente Parlamentar em Defesa da Revitalização das Bacias Hidrográficas, Conservação dos Recursos Hídricos e Enfrentamento às Estiagens, iniciativa do deputado Miguel Rossetto (PT). De acordo com o parlamentar o objetivo é promover o debate sobre o uso, o manejo sustentável e a proteção das águas no RS, garantir o acesso à água para a população e a produção agropecuária e industrial, além de proteger os mananciais do estado.
"Água é vida, água não é mercadoria, água é um bem público maior de todo o povo gaúcho", destacou o parlamentar, convidando a todos para participar da construção do plano de trabalho da Frente Parlamentar que deve ocorrer em reunião no dia 17 de abril. Ele espera que a partir da instalação da Frente Parlamentar, o Parlamento gaúcho assuma por inteiro a sua responsabilidade diante desse bem comum.
Também se pronunciaram na cerimônia o presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Heverton Lacerda, e a presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos, Viviane Feijó. Eles manifestaram apoio ao trabalho da Frente Parlamentar e destacaram a importância do debate do tema, especialmente nas questões que envolvem o acesso e o uso da água.
A subsecretária de Gestão Ambiental da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura, Taiana Andrade Raminoff, colocou-se à disposição para contribuir e construir políticas públicas permanentes para garantir segurança hídrica para o RS. Ela também citou algumas das ações que a pasta desenvolve nesse tema.
Participaram também as deputadas Stela Farias (PT) e Bruna Rodrigues (PCdoB) e os deputados Jeferson Fernandes (PT) e Matheus Gomes (PSOL), além de ambientalistas, vereadores, secretários municipais de Meio Ambiente e de representantes das secretarias estaduais de Meio Ambiente e Infraestrutura e de Logística e Transportes, da Corsan, da Fepam, do Sindiágua/RS e do Ibama, entre outras entidades.
* Com informações da Agência de Noticias da Assembleia Legislativa
:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato RS no seu Whatsapp ::
Edição: Katia Marko