A nova presidente da Fundação Nacional das Artes (Funarte), Maria Marighella, acredita que o campo artístico deve ser organizar no âmbito trabalhista e previdenciário. “Somos classe trabalhadora e precisamos de marcos legais que orientem nosso trabalho, que é distinto. Não dá para os nossos mestres, mais velhos, trabalharem como quem faz um trabalho sentado”, explica.
“E quando a gente perde a memória? Isso precisa ser formulado. Precisamos disputar uma agenda própria, tanto na agenda previdenciária, quanto trabalhista. Precisamos nos organizar enquanto classe trabalhadora”, sintetizou a presidente no evento de abertura do 29º Porto Alegre em Cena, que ocorreu na quinta-feira (16).
Maria Marighella, artista de teatro e primeira mulher nordestina a ocupar o cargo, foi recebida com muitos aplausos e gritos ovacionados ao entrar no palco do Teatro do Centro Histórico da Santa Casa. Toda vez que mencionava o “re-criado” Ministério da Culltura (MinC), a plateia – formada por artistas, grupos de teatro, coletivos e gestores do campo da cultura – também ovacionava. Marighella lembrou que o Ministério da Cultura foi criado em 1986, logo após a “ditadura civil-militar-empresarial”, como disse. E agora, em 2023, ele estava sendo recriado após um “tempo de brutalidades”. Para ela, o MinC é um símbolo importante da democracia, e da defesa dos direitos do povo brasileiro.
A Fundação Nacional das Artes tem como diretrizes promover e incentivar a produção e a difusão das artes visuais, cênicas e da música no Brasil, incluindo a proposição e coordenação de políticas públicas voltadas para os artistas. Nos últimos anos, contudo, a Funarte foi perdendo sua função propositiva. No relatório elaborado pelos servidores da Cultura e entregue ao governo de transição, a associação de funcionários do órgão relatou que a Fundação passou a executar projetos oriundos de outras instâncias, principalmente emendas parlamentares, relegando o eixo estratégico ao segundo plano.
“65% do investimento de todo recurso de toda cultura no Brasil passa pela Funarte”, explica Marighella ao mensurar a importância do órgão, que tem cinco décadas de história. Vereadora licenciada de Salvador, Marighella lembrou que os artistas não são apenas beneficiários, mas que devem ser parte políticas de incentivo. “Em todo beco, viela, periferia, centro tem cultura. O que, muitas vezes, não tem são políticas públicas que façam essas potências alimentaram a vida das pessoas como um valor.”
Cultura como política de estado
A presidente falou da importância do Plano Nacional das Artes (PNA), proposta recomendada pelos próprios servidores no relatório de transição. O desejo é que o Plano funcione como um documento que baliza o fomento à cultura, para que se torne uma política de Estado, e que não seja refém da transitoriedade dos investimentos de cada governo. “O Brasil precisa de uma política que estruture as políticas culturais. Precisamos que as artes funcionem com um sistema.”
Ela lembrou do dia 24 de janeiro, quando Margareth Menezes e toda a nova equipe do Ministério entrou no Prédio em Brasília. Neste dia, na publicação do Diário Oficial, foi estabelecida a atribuição mais importante do MinC: a construção de uma política nacional das artes.
“Pela primeira vez na história, em uma publicação de atribuição ministerial, nós garantimos a construção do nosso PNA. Isso que aparece como tão abstrato agora é uma atribuição primeira para o MinC.” Marighella disse que no momento está trabalhando em rever as experiências anteriores, como as gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira. “Estamos organizando para colocá-las em definitivo na vida do país, como uma política de estado.”
Quando o microfone ficou aberto para plateia, diretores e diretoras de teatro falaram sobre as dificuldades que enfrentam para acessar recursos. “A lei Rouanet não chega até nós”, desabafou um deles. “Vários teatros foram fechados, apagados, desativados. A gente não consegue fixar o ator na profissão de atuar”, disse outro.
A dificuldade de sobrevivência e a problemática dos direitos patrimoniais e autorais das obras financiadas por leis de incentivo também foram questões citadas. Outro diretor da cidade também pediu pela agilidade na aprovação do Marco Regulatório, projeto de Lei com autoria de Áurea Carolina (PSOL), Benedita da Silva (PT) e Túlio Gadelha (Rede), que agora transita na câmara, depois de já ter sido aprovado pela Comissão de Cultura. aprovação do Marco.
Ao lado de Rui Moreira, bailarino e coreógrafo, que assumirá o Centro de Artes Cênicas da Funarte, Marighella provocou o termo ‘artes cênicas’ e reforçou a necessidade de haver centros de teatro, dança e circo, uma demanda antiga dos profissionais das três áreas, que possuem históricos e necessidades diversas. “Nunca antes tivemos uma pessoa da dança à frente das artes cênicas. Faremos a desmontagem do Ceacen (Centro de Artes Cênicas, da Funarte) pelas mãos do artista Rui Moreira. Com respeito à obra já existente, para construir uma nova peça.”
Poa Em Cena vive momento de renovação
O 29º Porto Alegre em Cena, um dos principais festivais de artes cênicas do país, chega a 2023 com uma proposta de curadoria coletiva, cumprindo uma diretriz da lei municipal que criou o festival e que nunca havia sido incorporada em sua totalidade. Como mostrou o Nonada Jornalismo, a realização do festival estava há muitos anos sob a coordenação do mesmo grupo de pessoas.
Em 2020, a associação fundada por um funcionário contratado como CC pela então secretaria municipal de Cultura foi selecionada para realizar o festival. A entidade privada estava registrada em cartório no mesmo endereço físico de um edifício público histórico da cidade, mesmo sem qualquer contrato de cessão. Após a denúncia da reportagem, o departamento jurídico da prefeitura determinou o cancelamento da seleção e a realização de um novo edital.
A edição atual do Poa Em Cena traz como eixo curatorial a proposta de pensar a cidade. “Um Porto provocação. Lugar de quem chega, de quem sai. De quem fica e do que fica. O palco da troca, do trânsito, das novidades e das memórias compartilhadas. O cenário de conquistas e dramas sociais: guerras, escravidão, pestes, e outros povos, outras línguas, outras modas. Para o bem e para o mal, um Porto. Nosso festival vai colocar em cena o que fomos e somos, e o que podemos ser. Abertos para balanço, atentos ao que vem”, diz o texto da diretoria artística, assinado pelos curadores Adriane Azevedo, Adriane Mottola, Airton Tomazzoni, Antônio Grassi, Juliano Barros, Renato Mendonça, Ricardo Barberena e Thiago Pirajira. As atividades vão até o dia 26 de março (Confira a programação).
No evento de abertura, Maria Marighella também falou da relação afetiva com o Poa em Cena. Ela fez o público rir quando contou que mais jovem, ainda atriz iniciante na Bahia, ela tentava, ano após ano, ser aprovada para se apresentar no festival, conhecido nacionalmente e internacionalmente no campo das artes da cena.
A presidente sinalizou a importância dos festivais, para todas as artes. “Os festivais continuam sendo um modo como nos nos conectamos, reconhecemos e identificamos. São momentos em que, cada um de um lugar, nos entendemos como um todo, uma gente”. Para ela, são lugares formadores de encontro, intercâmbio entre trabalhadores de diferentes partes do país. “Festival é uma forma de se organizar enquanto classe”, pontuou.
Edição: Nonada Jornalismo Cultural