A 20ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico iniciou na manhã desta sexta-feira (17), no assentamento Filhos de Sepé, em Viamão (RS), com a tradicional mística que acompanha o movimento desde a sua criação. Logo após, veio o momento de estudo, com a mesa Direito Humano e a Alimentação, com a participação da culinarista e especialista em alimentação saudável Bela Gil, o presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do RS (Consea RS), Juliano Sá, e a nutricionista Bruna Crioula.
O presidente do Consea RS, Juliano Sá, destacou que o direito humano à alimentação adequada está sendo violado. "A luta do combate à fome faz parte da história da humanidade, contudo o senso comum sempre tratou a fome como um fenômeno natural, como um tabu, algo que não poderia se falar". Ele também lembrou da contribuição do pernambucano Josué de Castro, que dá nome à escola do MST no assentamento. Entre os anos 1930 e 1940, através do seu trabalho da Geografia da Fome, Josué destacou que a fome era um problema social, político e econômico. "Josué de Castro sintetiza que a fome é uma expressão biológica dos males sociológicos." De acordo com Sá, graças a luta de Josué de Castro e tantos outros foi possível a inclusão, em 1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito humano à alimentação adequada.
Sá lembrou das conquistas no Brasil, como a Ação Cidadania, o trabalho do Betinho, a criação do Consea e a luta contra a fome. "Só em 2003, quando Lula assumiu a presidência pela primeira vez, dentro da estratégia do Fome Zero que se conseguiu combinar políticas públicas. Em 2014 o Brasil saiu do mapa da fome, mas tínhamos muito o que fazer para acabar com a fome, nós não mexemos no sistema agro alimentar, na concentração de renda, na reforma agrária e outras estruturas estratégicas."
Ele destacou que com o golpe de 2016, começaram os retrocessos, como a PEC dos gastos públicos, o bolsonarismo e a sua agenda genocida, a pandemia e o fim do Consea e das políticas relacionadas ao combate da insegurança alimentar. "Isso resultou em mais de 65 milhões de pessoas que não têm nada o que comer e que convive diariamente com a fome." Apesar disso, destacou, a luta dos movimentos sociais valeu a pena graças a solidariedade do MST.
"Enquanto o agronegócio ficou lucrando e exportando soja, agricultores a agricultoras familiares distribuíram solidariedade com a comida, mobilizando as nossas redes, as cozinhas comunitárias e solidárias e as hortas comunitárias. Essa solidariedade foi o grito contra essa violência, essa luta fez com que conseguíssemos mais uma vez eleger Lula, a volta do Consea e a retomada de políticas públicas. Esperançamos, esperançamos com o MST, vamos juntos, juntas e juntes em frente para combater a fome novamente."
"A humanidade está morrendo pela boca"
Pela primeira vez na Festa da Colheita, Bela Gil falou de sua paixão pelo MST e seu trabalho na democratização da alimentação, principalmente a alimentação saudável. "Temos que pensar sempre de onde vem a nossa comida. As pessoas esquecem de onde a comida está vindo e vocês sabem muito bem que a comida vem da terra. Não tem como pensar em democratizar a alimentação saudável, sem veneno, agroecológica, sem pensar na reforma agrária, sem pensar na distribuição da terra. A gente vive em um dos países com maior concentração de terra. Esse problema precisa ser sanado. Tenho muita esperança que nesse governo a gente consiga resolver isso."
Conforme destacou Bela, a humanidade está morrendo pela boca, ou pela falta de alimento ou pelo consumo de alimentos de má qualidade. "A gente precisa resolver a distribuição. Em um país onde 157 mil pessoas morrem por ano por problemas relacionados diretamente ao consumo de alimentos ultraprocessados, precisamos urgentemente revisitar a nossa alimentação, precisamos de políticas que fomentem o acesso à alimentação de qualidade, e com certeza a reforma agrária."
Bela também lembrou que o país saiu de um desgoverno que deixou mais de 30 milhões de pessoas passando fome "é necessário ver a forma como a gente produz, distribui, consome os alimentos. Com isso a gente consegue construir propostas para que se consiga colocar comida saudável de verdade nas panelas".
Ela também apontou que o Brasil, infelizmente, vem perdendo na produção. "O consumo de arroz e feijão que é a base de uma alimentação saudável. Em um país onde as pessoas estão comendo mal, não tem comida, é um ato não só político, como um ato de solidariedade, de generosidade estar aqui e ver esse movimento, essa colheita do maior produtor de arroz orgânico da América Latina. É bom saber que vocês não perderam a esperança de acreditar em uma agricultura livre, sem veneno, livre de agrotóxico, livre de transgênico. É aqui que a gente precisa produzir comida, comida para vida, não para a morte. A gente sabe que o agro não é pop, ele representa outra coisa."
Bruna Crioula destacou a volta do Consea Porto Alegre
A nutricionista Bruna Crioula ressaltou a volta do Consea Nacional, através do banquetaço nacional. Ela destacou que em Porto Alegre, ele foi realizado no dia 27 fevereiro, onde 850 marmitas foram distribuídas. Também falou da importância do trabalho das cozinhas solidárias e do trabalho do MST, principalmente durante a pandemia. Conforme reforçou, a solidariedade foi um pilar importante. Ela também lembrou das toneladas de alimentos distribuídas pelo MST.
"Que essa façanha sirva de exemplo para a sociedade, para a sociedade que a gente quer construir, e não essas representações escravocratas que trazem nossos irmãos nordestinos, argentinos e de tantos outros espaços para um trabalho análogo à escravidão. Sabemos que no MST a solidariedade é pauta." Bruna celebrou cada um e cada uma que colou comida no prato de seu irmão, do seu amigo.
"Agora é estar de braço erguido, fortalecendo as políticas públicas, não estando longe das cozinhas comunitárias e fazendo com que essa comida de verdade que é produzida pelo MST possa alcançar muitas escolas, muitos asilos, muitos hospitais, muitos espaços institucionais, que possam fazer parte desse sistema alimentar que a gente deseja, sem o agrotóxico, sem transgênicos e sem trabalho análogo à escravidão."
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Edição: Katia Marko