Em documento enviado ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e aos Mecanismos de Proteção de Direitos Humanos nesta quarta-feira, 14, um coletivo de organizações e movimentos sociais denunciaram a situação de desrespeito aos direitos humanos no 4º Distrito de Porto Alegre.
A denúncia feita pela Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil (AMDH), o Centro de Direitos Econômicos e Sociais (CDES), o Fórum Popular do Quarto Distrito (4D) foi encaminhada também ao prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e à Defensoria Pública do RS.
No documento, os movimentos apresentam evidências de diversas violações aos direitos humanos de duas mil famílias em estado de vulnerabilidade que ocupam as áreas do Quarto Distrito da capital.
Flexibilização e empreendimentos imobiliários
A região passou a concentrar empreendimentos de lazer e gastronomia graças a uma iniciativa do próprio poder público que criou um pacote de condições favoráveis para a especulação imobiliária.
Em outubro do ano passado, um mês depois da sanção da Lei Complementar 960/2022 que institui o Programa +4D de Regeneração Urbana do 4° Distrito, a prefeitura de Porto Alegre comemorou a aprovação do primeiro projeto arquitetônico dentro de um regime especial de flexibilização dos parâmetros urbanísticos e concessão de benefícios para investidores.
Localizado na rua Sete de Abril, no bairro Floresta, onde funcionava o antigo Moinho Germani, o empreendimento de R$ 150 milhões consiste de uma torre de 117 metros de altura conectada por um terraço. O empreendimento oferece uma plataforma de espaços e serviços, como atividade residencial, apart-hotel, hospital dia, supermercado, coworking, lojas e garagem comercial.
“Criamos as condições para flexibilização de regras e concessão de benefícios. Teremos um prédio inovador, com arquitetura arrojada, onde cerca de 150 mil pessoas devem circular por mês”, destacou Melo em um encontro festivo no Paço Municipal com representantes da incorporadora Bewiki, dona do empreendimento, no final de outubro.
Assentamentos e ocupações
O cenário dos empreendimentos de luxo, estabelecimentos de alta gastronomia e festas noturnas que passaram a tomar conta do Quarto Distrito contrastam com a realidade de miséria e abandono em que vivem milhares de famílias nessas comunidades.
Identificadas como Casa de Passagem, as comunidades também são conhecidas como Carandiru, Vilas Tio Zeca, Areia, Voluntários, Cobal, Beco X, Zumbi dos Palmares, Liberdade, Mário Quintana, Beira do Rio, Ocupação da Frederico Mentz, 330, Vilas Dona Teodora, Santo Antônio, Campos Verdes, Trensurb/Fazendinha e Santo André.
“Essas regiões são predominantemente compostas por assentamentos e ou ocupações irregulares em terrenos públicos ou privados, não utilizados ou subutilizados, e que há décadas atendem, mesmo que precariamente, à necessidade de moradia de milhares de famílias”, destaca a denúncia feita pelos movimentos sociais e de defesa dos direitos humanos às Nações Unidas.
A carta destaca que, nos últimos anos, não houve intenção em promover amplamente, de maneira suficiente, políticas públicas de moradia e de interesse social, voltada para essas comunidades mais pobres e ocupações do 4D.
Entre as principais denúncias expostas pelas organizações e movimentos sociais signatários da carta estão a falta de políticas públicas habitacionais para essas comunidades mais pobres e vulneráveis e a precarização intencional do território para fins imobiliários.
O documento também denuncia que houve flexibilização de regramentos urbanísticos em benefício de empreendimentos privados sem a previsão de contrapartidas sociais e ambientais.
As famílias que sobrevivem de atividades informais na região também estão sob constante ameaça de despejo e reassentamento, alertam as organizações.
Gentrificação no 4º Distrito
Na primeira semana de março, a Conferência da Revisão do Plano Diretor de Porto Alegre autorizou 53 projetos especiais a serem implantados na área habitacional entre 2010 e 2019.
Dentre os projetos definidos sem participação popular está o Plano +4D, que atinge diretamente os moradores da região. “Os projetos especiais ferem princípios do planejamento urbano que são garantidos pela Constituição, como a gestão democrática e a justa distribuição dos ônus e benefícios do processo de urbanização. Assim, violam direitos, promovem a concentração da renda urbana e agravam as desigualdades sociais”, critica Karla Moroso, arquiteta e diretora executiva do Centro de Direitos Econômicos e Sociais.
Para as entidades, a área do 4º Distrito “sofreu uma precarização intencional, visando baixar o valor do metro quadrado, para que o setor imobiliário venha a adquirir, tomando conta do 4D, realizando uma higienização com programas que mobilizem grandes valores”.
Recentemente, o Executivo Municipal aprovou junto à Câmara de Vereadores o Programa+4D de Regeneração Urbana da região (Lei Complementar 960/2022), que prevê a flexibilização de regramentos urbanísticos, incentivos urbanísticos e tributários para empreendimentos, investimentos públicos em obras nas principais avenidas e vias.
“Essa ação ocorreu sem prever quaisquer contrapartidas que possibilitassem investimentos no interesse social e ambiental (Função Social da Cidade) a favor das famílias que ocupam os assentamentos irregulares do 4D, garantindo a elas alternativas de permanência no território”, denuncia o coletivo.
Nova Ponte do Guaíba
Ainda segundo informações da denúncia, a construção da “nova Ponte do Guaíba”, de responsabilidade do governo federal vai avançar sobre as casas dos moradores das Vilas Tio Zeca, Areia, Voluntários e Coobal.
Até agora, centenas de famílias dessas vilas permanecem no território, aguardando as soluções que serão oferecidas pelo Ministério dos Transportes e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
O informe enviado à ONU denuncia que a construção da nova Ponte do Guaíba “está gerando impactos graves e irreversíveis para a vida dos moradores e moradoras”. Além disso, a obra é realizada “sem estudos prévios de impacto ambiental e social adequados, e sem a realização de consulta e participação das comunidades afetadas”.
As organizações que assinam o documento são:
Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil (AMDH)
Centro de Direitos Econômicos e Sociais (CDES)
Fórum Popular do Quarto Distrito
Acesso: Cidadania e Direitos Humanos
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)
Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM)
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)
Movimento de Trabalhadores por Direitos (MTD)
Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam)
Conselho Regional pela Moradia Popular (CRMP/RS)
Frente Nacional de Luta pela Moradia (FNL)
Federação Gaúcha das Associações de Moradores e Entidades Comunitárias (Fegamec)
Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto Alegre
Comitê Popular de Luta do Bairro Farrapos
Rede Emancipa
Rede Jubileu Sul
Campanha Despejo Zero – Núcleo Rio Grande do Sul
Edição: Extra Classe