Precisamos derrotar a subserviência política, o racismo ambiental e o negacionismo científico
Nesta semana ainda que permaneçam vivos o escândalo do contrabando de joias e a desmoralização dos militares envolvidos como mulas, no transporte, ou como garotos do uber flash golpista, na tentativa de retirada fraudulenta das joias retidas, não vamos falar sobre eles. Estamos com isso capitulando diante de algo a que vimos nos acostumando desde o desmascaramento do golpe de 2016. Os golpistas que vestem Prada simplesmente se defendem pela publicização de seus mais novos e maiores escândalos.
Por isso, dá certo nojo saber, nesta semana, da monumental destruição de medicamentos, seus insumos e vacinas sem uso, por conta da irresponsabilidade do governo anterior, tende a ficar impune. E não foi pouca coisa. Sem contar a transformação em lixo, de 39 milhões de doses de vacinas contra a covid, o “descarte” (incluindo vacinas de diversos tipos - contra sarampo e rubéola, pentavalente, hepatites e tríplice viral -, além de medicamentos contra câncer, hepatite C e outras doenças, testes e medicamentos destinados a pessoas que vivem com HIV e insumos) está avaliado em R$ 214,2 milhões. E ainda teríamos que contabilizar outros R$ 38 milhões em insumos vencidos que aguardam na fila da incineração.
Vamos então a algo mais fácil de entender, e que talvez nos ajude.
Vamos de aquecimento global. Afinal, ele já superou os limites que exigem verdadeira revolução de costumes. Negacionistas e golpistas também serão afetados e sabem disso, de modo que talvez acordem.
Os dados recentes informam não apenas que todas cidades litorâneas estão ameaçadas por alta do nível do mar decorrente do degelo das calotas polares como garante que a seca, no interior dos continentes, provocará o surgimento de enormes desertos. Assim, as lutas pela água doce tendem a se tornar - nesta geração - o maior drama da humanidade.
Essencialmente, o que se passa é que as bacias de água doce estão minguando, e nisso são dilapidadas por mecanismos de compartilhamento desigual. Como regra, os países/populações/grupos sociais mais bem servidos da condição de acesso à água, alheios ao drama dos demais, adotam práticas de desperdício que já limitam as possibilidades de sobrevivência de grande parte das populações que, literalmente, precisam se contentar com as sobras.
Como exemplo, considere-se o desaparecimento de rios, fontes e nascentes do Cerrado brasileiro. Ali, onde avança modelo de agronegócio impulsionado pela derrubada da cobertura natural e pela extração e exportação (na forma de grãos e carne) das águas superficiais e do subsolo, os rios estão secando. Pois bem, isto trará resultados que estudos do Dr. Altair Sales Barbosa revelam de forma eloquente. Em menos de 25 anos, e nessa ordem cronológica, os aquíferos Urucuia, Bambuí e Guarani avançarão para o esgotamento. Com isso, a vazão dos rios a eles associados passará a oscilar, tendendo a desaparecer nas estações secas. Significa que devemos esperar a generalização continental, daquilo que hoje percebemos através do desaparecimento de olhos dágua e pequenos riachos, nos grandes rios que sustentam a economia de todos os países.
Os afluentes da margem direita do Amazonas, que nascem no Cerrado, deixarão de existir. Com isso, a floresta perderá sua condição atual, interrompendo o fluxo de humidade que hoje transfere para o Centro Sul. Os principais afluentes do rio São Francisco também desaparecerão. A Caatinga se estenderá para o Norte, e teremos vasta área desértica, incluindo partes substantivas da Bahia e Minas Gerais. Algo semelhante ocorrerá nas Bacias Hidrográficas do Paraná e do Paraguai, onde ressurgirão os grandes desertos que ali ocorriam há milhões de anos.
Como estes processos já estão em andamento, e relacionam-se a modelos predatórios de exploração territorial, há que os enfrentar a partir de suas causas. E para não perder tempo, basta destacar: precisamos derrotar a associação criminosa entre subserviência política, racismo ambiental e negacionismo científico, que impedem a soberania dos povos deste país. E para isso, precisamos aproveitar a breve oportunidade histórica que nos oferece o presidente Lula. Cabe a nós estimular este governo a dar condições para que iniciativas populares se fortaleçam e avancem a ponto de contribuir para esta virada.
E não faltam exemplos. O que vier a ocorrer na 20ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico, nesta sexta-feira, dia 17 de março de 2023, há de ser simbólico neste sentido.
Esperamos ver ali, através de manifestações do conjunto de ministros do governo Lula, anúncios de potencialização das contribuições da reforma agrária, da agroecologia e das organizações sociais deste país, como trilhas para enfrentamento da parte que nos cabe deste drama universal.
Sobre as joias roubadas, os elogios a torturadores e as ameaças à democracia, esperamos nada menos do que aplicação da lei, sem anistia e sem lero lero.
Como sugestão de programa para pessoas que residem em Porto Alegre, além de participação na Festa da Colheita, sugerimos para o dia 18, às 10h, a conferência livre “A agroecologia em defesa da vida” (na Feira Rômulo Telles, na praça André Foster, bairro Petrópolis), e no mesmo dia, a partir das 18h, no Armazém do Campo, lançamento da publicação Pesquisa Agrotóxicos e violações de direitos humanos no Brasil - Denúncias, fiscalização e acesso à justiça.
Sugestão de leitura: Nota técnica Por uma reforma tributária a favor da saúde.
Sugestão de música: Vozes da Seca
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko