A violência contra mulher é um problema público e deve ser enfrentada pelo conjunto da sociedade
“A sororidade ainda é poderosa”
bell hooks
O dia 8 de Março, Dia Internacional das Mulheres, é uma data para visibilizar as lutas das mulheres do mundo por direitos e reconhecimento. Também denunciar as injustiças e violências que mulheres, em sua diversidade, sofrem no espaço público e privado.
Vivemos um novo cenário político nacional no Brasil e em alguns estados do país. Neste novo contexto temos expectativas em relação a representação das mulheres no governo. O ano iniciou com o anúncio de ministras mulheres que representam a diversidade brasileira e respondem a agenda de gênero, raça e etnia. As expectativas são enormes, mas também os desafios.
Neste sentido seria importante problematizar a representação das mulheres e pensar os desafios que consistem em exercer cargo de representação por um determinado tempo, mas também como oportunidade para que possamos fazer a diferença. Pensando nisso propomos refletir sobre alguns pontos: 1) a oportunidade de mudar a forma patriarcal e sexista de governar; 2) escutar a voz de outras mulheres em sua diversidade, que estejam nos espaços de participação e que vivem e resistem em um país tão desigual como o Brasil; 3) elaborar políticas públicas a partir da participação das mulheres.
Além da representação das mulheres no governo necessitamos pensar como a agenda urbana conseguiria ser incluída e articulada com a agenda para as mulheres. Os movimentos sociais urbanos no Brasil historicamente colocaram o direito à cidade no centro da agenda e das reivindicações políticas. Este direito coletivo poderia ser pensado, não somente de forma universal, mas desde a perspectiva de gênero e raça para que possamos tornar nossas cidades mais humanas e democraticamente inclusivas.
Os movimentos feministas e de mulheres vem incorporando temas do urbano em suas agendas inspirado no cotidiano de mulheres que circulam pelas nossas urbes e reivindicam o caminhar e viver nas cidades brasileiras com segurança. O acesso ao espaço público tem sido fundamental para a sociabilidade, e construção de redes de solidariedade e apoio entre as mulheres.
O ativismo urbano feminista buscou visibilizar a agenda das mulheres na relação com as cidades buscando que o direito à vida urbana seja pensado e planejado com as mulheres. As mulheres, em sua diversidade, pareceriam ser mais sensoriais pelo fato de experenciar a cidade no cotidiano, através de sua vivência no espaço público e seu movimento circular pela cidade. Nesta perspectiva entendemos que os processos urbanos são atravessados por relações sociais que iluminam trajetórias, mas também as desigualdades pronunciadas que são produzidas e reproduzidas no território.
Neste sentido este artigo se inspira na trajetória de mulheres que vivem, trabalham, ensinam e estudam a cidade e a quem agradeço a contribuição através dos debates, diálogos e conversas realizadas no projeto de extensão Mulheres e Cidades, desenvolvido ao longo de quatro anos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os diálogos e caminhadas com mulheres nos mostraram que existem mais convergências que divergências de temas e agendas daquelas que vivem o cotidiano das urbes.
Neste universo deveríamos estar atentos a incorporação da juventude e da interseccionalidade em nossas discussões, contemplando sempre a diversidade das mulheres que vivem a cidade como as mulheres indígenas, negras, LGBTQIA+, entre outras. Existem diferenças entre nós, mas a multiplicidade de olhares é que nos leva a um horizonte de complexidade e criatividade para estabelecer laços de solidariedade e sororidade, frente a divisão e fragmentação de nossas lutas e agendas.
Durante os diálogos realizados de forma virtual e no último ano em forma de diálogos-caminhadas com mulheres aparecem temas que poderiam ser trabalhados na articulação entre a agenda de mulheres e cidades em âmbito local com apoio de políticas nacionais e estaduais:
a) circulação das mulheres na cidade, enfrentando o assédio e a insegurança no espaço e transporte público;
b) necessidade de investir em iluminação nas ruas e avenidas para gerar segurança e pensar novas formas de planejar a partir da experiência das mulheres como usuárias;
c) considerar a política do cuidado e a sobrecarga para as mulheres no mundo privado;
d) o valor simbólico de visualizar nome de mulheres em ruas e praças das cidades brasileiras;
e) políticas habitacionais com proximidade nas áreas centrais com infraestrutura urbana para mulheres chefes de família, com titularidade do imóvel;
f) a importância da inclusão de mulheres no processo de planejamento das cidades e na construção civil;
g) a questão alimentar nas cidades e as hortas urbanas comunitárias aparece na agenda das mulheres indígenas que nos instigam a pensar a relação da política do cuidado e do afeto como base para a política social;
h) as mulheres negras destacam em sua agenda a necessidade de política de segurança para os pedestres em espaços marginalizados e o combate à violência urbana e o modelo higienista de planejar as cidades.
Fazemos aqui um alerta de que a violência contra a mulher deveria ser enfrentada pelo conjunto da sociedade e não só como um uma reivindicação do movimento de mulheres. Os dados de violência contra mulher classificados como ameaça, lesão corporal, estupro, feminicídio consumado e feminicídio tentado seguem acontecendo no Brasil. A violência contra mulher é um problema público e se evidencia em dados como em relatos em fóruns e diálogos realizados com mulheres. Ressaltamos a importância de relacionar este tema com outras temáticas como moradia e violência, mobilidade e violência e espaço público. A violência urbana contra as mulheres em sua diversidade deveria ser incorporada como o principal tema a ser trabalhado nos próximos anos.
Por último, neste 8 de Março desejamos que a agenda de mulheres e cidades tenha apoio das diversas esferas governamentais e das mulheres que ocupam espaços de representação, principalmente para a reconstrução e transformação do país, com elaboração de políticas públicas urbanas inclusivas com participação e deliberação das mulheres.
* Vanessa Marx é professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre e Coordenadora do Projeto de Extensão Mulheres e Cidades.
** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko