Realizada em tempo recorde, a exposição Brasil Futuro: as formas de democracia, que já reuniu quase 60 mil visitantes e está hospedada desde o dia 1º de janeiro no Museu Nacional da República, em Brasília, é um ato de resistência e amor à democracia e ao Estado democrático de direito.
A mostra que fica em cartaz até domingo (5) em terras candangas tem como objetivo a promoção da decolonialidade através do afeto e do diálogo entre trabalhadores e o público, um reflexo das ações propositivas que o novo governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva pretende retomar com o crescimento do setor da Cultura e das artes visuais.
Foram ao todo 19 dias entre a primeira reunião e a inauguração da exposição que integrou as festividades de posse do presidente e que levou mais de 300 mil pessoas à Esplanada dos Ministérios da capital brasileira. A Brasil Futuro é fruto da mão de obra de centenas de trabalhadores que não pouparam esforços para erguer e materializar o sonho de um Brasil possível, democrático e socialmente justo.
São mais de 150 obras de 138 artistas, entre eles indígenas, negros, mulheres e homens que buscam através da sua arte celebrar a democracia e que transformou o museu em um espaço vivo e colorido de diálogo. É um convite à reflexão a partir da riqueza de gênero, étnica, regional e de linguagens presentes na cultura do Brasil que só foi viável porque teve a parceria de quem transportou as obras, de quem fez a montagem, a iluminação, daqueles que construíram os muros que serviram de apoio às obras, dos funcionários que pintaram as paredes além de quem desenvolveu o design gráfico, a produção, fez a fotografia bem como da equipe do educativo que acompanhou cada espectador e explicou obra a obra, e de quem limpou, varreu, cuidou corredor a corredor e fez a segurança do local.
Muitos dos profissionais que trabalharam na exposição passaram o Natal longe das suas famílias. Outros viraram noites a fio para dar conta da responsabilidade de ter a primeira exposição de arte a compor uma posse na história do país. Dai a importância em dar destaque à narrativa que dá voz aos trabalhadores, que conta e celebra a história de cada um e cada uma que se doou para o projeto de um Brasil Futuro de fato acontecer, criar asas e habitar cada coração de quem viu o projeto concluído e executado.
O senso de coletividade durante o processo, a união e o afeto, foram palavras unânimes que traduziram o sentimento de cada trabalhador e trabalhadora que somou a equipe de trabalho. No que diz respeito ao transporte das obras, por exemplo, uma equipe especializada em embalagens, acondicionamento e transporte de obras de arte teve poucos dias para embalar e coletar as peças nas galerias do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Renato Rafino e Jefferson Miranda, da Millenium Transportes, contaram que com muita dedicação e comprometimento aceitaram a missão. “Foi uma oportunidade única participar dessa exposição. Montada a logística, embalamos e coletamos durante quatro dias as obras nas suas respectivas cidades de origem e logo seguimos viagem para Brasília”, contou Rafino. Depois foram mais três dias para desembalar e montar. “Tudo feito por nós acompanhados da Curadoria. Elaboramos ainda os laudos museológicos junto as museólogas e percebemos ali o quão grandioso e maravilhoso é cada obra que transportamos e que ali deixamos”, completou.
Para o pintor Lourival Lima, a cada demão de tinta nas paredes do MrN, uma forte emoção. “Foi um grande prazer fazer parte desse projeto que conta uma parte tão importante da história do nosso país, ainda mais em um momento como esse, onde a democracia se fez presente de uma forma tão imponente. Muito obrigado por valorizar os trabalhadores que estão por trás de tudo isso”, declarou Lourival, ressaltando ainda a alegria e honra em poder fazer parte desse movimento de retorno ao Brasil de fato, do povo para o povo e com o povo.
A atriz e produtora cultural Tícia Ferraz que integrou a equipe de produção afirmou que o que mais a impressionou foi o fato da “correria” não furtar a sensibilidade da produção. “É muito comum que em tempos de crise as pessoas que ocupam lugares de poder sacrifiquem seus companheiros. Nessa exposição prezamos por manter o respeito, a escuta e o afeto. Produção decolonial ou como diz Leo Góis, nosso coordenador, uma produção baiana”, disse ela, relembrando que a equipe de produção formada também por Rafa Reche, Tatá Agostinho e Leo Góis se reuniam diariamente para partilhar as questões e encontrarem juntos os melhores caminhos, dividindo as responsabilidades sempre. “Foi preciso muita união e compreensão dos nossos parceiros para que a exposição se materializasse. Eu me senti honrada de fazer parte desse processo e, de certa forma, ajudar a compor um pedaço da história do Brasil’, enfatizou.
Entre as muitas partes importantes da composição de uma exposição, está a iluminação, a cenografia e o design gráfico como um todo. Rodrigo Lélis que fez a iluminação destacou a necessidade de exposições que repassem informação, pluralidade e que use a comunicação em prol da democracia. “Com esse desgoverno que vivemos nos últimos 4 anos, sofremos o sucateamento dos nossos trabalhos artísticos, do nosso sustento à vida. Então a oportunidade de estar presente justamente nessa virada de governo que pude perceber o quanto é importante não sermos mais cerceados do nosso direito à democracia, a exercer a nossa liberdade enquanto seres viventes. O quanto é importante sim falarmos de democracia e a colocarmos em prática com ações, combatendo as fake News e a indústria da colonização do ódio, voltando a ter esperança”, contou Lélis. Ele relembrou que um dos episódios mais fantásticos que vivenciou durante a montagem foi justamente olhar para o lado e se deparar com o olhar atento da primeira-dama Janja Lula da Silva. “Ah meu Deus do céu, aquela hora ali eu fui tomado de amor, de esperança, de inspiração. O governo Lula voltando, começando ali diante dos meus olhos. Ali é que se materializou toda a importância do nosso trabalho, o quanto a arte transforma a vida das pessoas."
A concepção dos produtos gráficos que ficou sob a responsabilidade da artista gráfica, Maíra Guimarães, foi pensada para demarcar o renascimento do setor cultural no Brasil além do retorno dos direitos sociais e da diversidade étnica, religiosa e cultural do país. “Foi um trabalho muito bom de ser exercido por vários motivos, a começar pelo momento histórico junto a equipe de transição aliado a perspectiva de mudança e marcarmos esse momento da posse no dia 1º de janeiro com a Esplanada lotada com a exposição também trouxe a simbologia do esperançar coletivo né, do retorno da democracia e do fortalecimento das nossas instituições”, revelou. O senso coletivo da equipe, segundo ela, deu tom ao desafio de ver o Museu ser ocupado por artistas de diferentes partes do Brasil, todos muito envolvidos e energia no topo. “Ver a exposição montada, a repercussão positiva me deixou ainda mais otimista na realização de novos projetos pela retomada da Cultura com investimentos e consequentemente mais trabalho."
Ao todo 12 pessoas são responsáveis pela limpeza do MrN, seis delas por dia de plantão. Três servidores, Joviano de Sousa Araújo, Renato Rodrigues de Jesus e Carlos Alberto Vieira dos Santos contaram que pela primeira vez se sentiram parte do projeto. “A exposição ficou muito bonita e nos deu a oportunidade inclusive de conhecer mais sobre as artes, além do cuidado na limpeza que faz parte do nosso trabalho”, disseram em unanimidade.
Para o fotógrafo Jean Peixoto, a exposição foi uma surpresa em todos os aspectos, desde a rapidez com que tomou forma, até a realização do conjunto das obras como um todo, que somadas são muito mais do que uma escolha estética, traduzem histórias de artistas e de vários povos que representam e fazem parte da raiz do Brasil. “Documentar essa exposição, e cada uma das obras, seria impossível sem a ajuda de cada uma das pessoas que participaram e a tornaram possível. Tivemos apoio de várias equipes, desde os que cuidam do transporte, limpam o museu, catalogam, montam, dão manutenção, organizam, planejam até os curadores, mediadores e jornalistas. Foi graças ao empenho desses muitos que foi possível cumprir com o desafio monumental de transformar as paredes vazias, e preenchê-las de história e vida”, descreveu.
A grande maioria dos integrantes da equipe afirmou que trabalhar na Brasil Futuro foi muito mais do que apenas lidar com obras de arte, foi ver a retomada da cultura e da democracia. “Foi, e está sendo, um movimento histórico que fala sobre o momento que estamos vivendo. É parte da retomada de símbolos, de dar voz aos nossos povos tradicionais. Além da exibição, ainda tivemos conversas, vivências, no ambiente do Museu, onde num encontro do público com os artistas, aconteceram diálogos, encontros e reflexões. Poder registrar com carinho esse projeto foi essencial para o meu crescimento tanto profissional, quanto pessoal, e sei que com dedicação podemos alcançar pessoas de todo o país e ainda do mundo”, explicou Peixoto que afirmou ainda que um dos melhores momentos e mais marcantes foi poder ver de perto e fotografar o sorriso do presidente Lula admirando a arte que tanto nos representa.
A mostra conta ainda com uma equipe de seis jovens que fazem do Educativo um trabalho à parte com dedicação e muito estudo. O braziliense, Gabriel Luis dos Santos Macedo de Oliveira, museólogo de 26 anos contou que fazer parte da exposição foi um “sopro de esperança”. “Ver de perto a potência das diversas linguagens da arte brasileira representando a pluralidade de vivências, ideias e pautas que, mesmo distintas, foram colocadas em um contexto o qual se comunicam e compõe uma grande ideia de força e resistência, mensagem essa que pra mim é intrínseca a exposição. Não poderia deixar de pontuar também o lugar de segurança criado para que pessoas, principalmente aquelas que têm seus direitos historicamente cerceados, pudessem sorrir sem ter medo, e por fim, se verem nas paredes de um local de representação da memória nacional, não mais no lugar de figura representada, mas sim no lugar de quem fala por si. Foi fenomenal”, sublinhou emocionado.
Para Letícia Lugosi, de 22 anos, mulher preta da periferia de Brasília que ao lado de Gabriel foi o cartão de visitas da mostra disse que a exposição foi um misto de sentimentos, pois agradou e emocionou, ao mesmo tempo que também indignou muita gente. “De início, fiquei com um certo receio/medo, pois o conteúdo da exposição poderia trazer qualquer reação ao público, desde reações amigáveis a reações brutas, e esse era o real desafio. E foi o que aconteceu. No dia do acontecimento do 8J, nós medidores, ouvimos e vimos muita coisa dentro do museu, não foi à toa que ele ficou fechado por uma semana. Mas todo o tremor passou e retornamos ao trabalho. E foi ótimo retornar, pois a exposição Brasil Futuro é um sinal de esperança. Tanto para nós trabalhadores quanto para quem visita e se compadece. Vi muitas pessoas se emocionarem, desabafarem. De fato, foi o melhor trabalho que tive! Falar sobre obras de artistas periféricos como Antônio Obá e João Angelini, respectivamente de Ceilândia e Planaltina, sendo expostos ao lado de grandes nomes como Anita Malfatti, Djanira, Di Cavalcant e tantos outros nomes, fez com que meu ano de 2023 iniciasse com uma nova perspectiva. Desde artistas pretos, indígenas, homossexuais, em um lugar com ampla visão e repercussão, que é o Museu Nacional da República. Acredito que o ano não poderia ter iniciado melhor”, concluiu.
A exposição Brasil Futuro, ao longo dos seus dois meses no Museu Nacional da República recebeu públicos de todas as idades, de contextos e locais do país. Muita gente que veio de longe para acompanhar a posse do presidente Lula e aproveitou para conhecer a Capital Federal, e o Museu Nacional da República, fazendo com que a movimentação e a diversidade fosse um constante e diário encontro de culturas e etnias.
Após os atos golpistas do 8J, a mostra ganhou novo fôlego, transformando o Museu em um espaço de resistência, reflexão e diálogo que está prestes a se tornar itinerante. Sim, de acordo com a Curadoria que é formada pelo ator humorista Paulo Vieira, pelo secretário executivo do MinC, Márcio Tavares, pela antropóloga Lilia Schwarcz e pelo arquiteto Rogério Carvalho há um trabalho intenso para que a exposição ganhe asas e percorra as principais capitais do Brasil ainda em 2023. Cidades como Belém do Pará, Fortaleza e Salvador estão no páreo para receber a exposição que promove a democracia e a pluralidade do nosso país, um Brasil que não é único, assim como a ideia de democracia que não é completa. A exposição é uma ode à produção contemporânea de artistas negros e negras, de mulheres, pessoas LGBTQIA+ e artistas indígenas. Esse sim é o nosso Brasil Futuro!
* Obra representa a insubmissão da arte contemporânea e a técnica tradicional para discutir os marginalizados.
** Na moldura da obra a artista do povo Tukano escreveu frases que servem de alerta. "O buraco é mais embaixo e o céu é mais em cima" e "A floresta que segura o céu já disse: democracia é democracia em todas as terras indígenas. “Terra é mãe de todos os entes".
* Jornalista
:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato RS no seu Whatsapp ::
Edição: Katia Marko