Rio Grande do Sul

Coluna

Bolos de barro e salgadinhos de isopor

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O Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) foi recriado após ter sido extinto pelo governo Bolsonaro - Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
O Consea deve cumprir uma importante missão para acabar com a fome e termos uma alimentação saudável

A fome atinge cerca de 830 milhões de pessoas em todo o mundo, em situação considerada grave. Dentro deste universo, 193 milhões enfrentam fome severa ou muito grave. Neste ranking não estão sendo considerados países da Europa Ocidental, EUA, Canada, Austrália e Japão. Os dados são da organização não governamental alemã Welthungerhilfe (ajuda mundial para a fome), que mede o Índice Global da Fome (IGF).

Ao mesmo tempo, neste mesmo planeta, mais de 930 milhões de toneladas de alimentos são perdidos nas residências, serviços de alimentação e varejo. Quase um bilhão de pessoas passa fome. Três bilhões e meio de pessoas não têm acesso a uma dieta minimamente equilibrada.

Cada humano jogaria fora 121kg de comida por ano, mas isto se todos recebessem a mesma quantidade de alimentos. Além da desigual quantidade, outro problema grave para a parcela mais pobre do planeta: A qualidade do alimento acessível. Os mais ricos desperdiçam mais, produtos melhores. Aos miseráveis, bolos de barro e salgadinhos de isopor.

O capitalismo precisa do desperdício para mover o mercado, com novos desejos, compras e cada vez mais efêmeros são os produtos. Quanto mais fast, mais atual, este é o mantra. Se até ao ser humano é imputada validade, o que dizer de comida? Os EUA, o campeão do desperdício no mundo, jogam fora cerca de 40% de todo alimento que produz ou compra. São 150 mil toneladas de comida por dia jogadas no lixo.

O Brasil ocupa o 10° lugar no ranking mundial de desperdício. São 41 mil toneladas diárias, em perfeitas condições para o consumo. O mercado oferece produtos orgânicos para quem possa pagar, a população mais pobre é penalizada. Alimentos com valor nutritivo como arroz, feijão, legumes e verduras ficam fora do orçamento possível, demandam mais gás e tempo de preparo. Na cozinha cotidiana muitos produtos vegetais são subutilizados, desprezando folhas, cascas e talos, de igual sabor e valor nutricional. É a cultura do consumo que captura a subjetividade de suas vítimas, mas aumenta lucros e vendas.

O agronegócio vende para o exterior mais de 40% do que produz. O que não vende, processa para conservar, não importando a qualidade. Indústrias criam verdades, o conceito de alimentação saudável se torna elástico com alimentos entrando e saindo de “listas”, onde os verdadeiros vilões, os ultra processados, gorduras hidrogenadas, transgênicos e outros sem valor nutritivo são exaltados. Tragicamente mais baratos, refinados, acrescidos de conservantes, corantes, com sabores artificializados e ganho nutricional nulo, podem até disfarçar a fome, mas não enganam a saúde.

Alternativas existem e estão ressurgindo, mas não funcionarão sem uma profunda mudança de paradigmas. O retorno do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), recriado este ano após ter sido extinto pelo governo Bolsonaro, deve cumprir uma importante missão. Não só acabar com a fome, mas tornar acessível uma culinária saudável e sem desperdícios. Num Brasil de dimensões continentais e povo aguerrido, não faltarão receitas e descobertas! Precisamos reaprender a bem-comer!

* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko