É urgente o controle coletivo sobre as empresas mineradoras operando no Brasil
A viagem de uma delegação do governo eleito do Brasil para a Terra Indígena Yanomami, ainda no final de janeiro de 2023, revelou ao mundo o que já era intuído pela opinião pública. Os caminhos do ouro ilegal alimentam uma indústria que evade riquezas, destrói biomas e pratica crimes ambientais e de lesa humanidade. Não é “privilégio” brasileiro, pois a rota do ouro não registrado (ou com registros frágeis, ainda com notas fiscais em papel) opera a economia política do crime em cinco países amazônicos (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru). Desde 2015 há um robusto estudo a respeito e as reportagens deste corrente ano só ratificam as bases de análise.
Garimpo de ouro e pedras preciosas e mineração em escala industrial devem ser atividades econômicas nacionalizadas, sob controle direto de comitês técnico-sindicais e com espaço de consulta da população dos territórios onde ocorrem estes processos. Do contrário, o crime abunda. As empresas HStern, Ourominas e D’Gold – segundo inquéritos em andamento na Polícia Federal – são as maiores compradoras do ouro ilegal extraído em terra yanomami. Já a maior mineradora do país, a Vale (antiga Cia. Vale do Rio Doce), foi vendida a preço de banana (em verdadeiro crime de lesa pátria) e é uma das responsáveis pelos crimes de Brumadinho (2019) e Mariana (2015). Em 23 de janeiro deste ano, a Justiça Federal de Minas Gerais acatou denúncia tornando rés a 16 pessoas, incluindo o ex-presidente da Vale Fabio Schvartsman, dando sequência no calvário de famílias e vítimas destes dois crimes ambientais.
É urgente o controle coletivo sobre as empresas mineradoras operando no Brasil e a compra de toda a produção de ouro pelo Estado brasileiro. Vejamos o caso de uma sociedade intrinsecamente ligada à mineração.
A eterna luta pelo controle dos recursos minerais na Bolívia
De todos os exemplos latino-americanos, o país mais marcado pela exploração mineral é a antiga Província do Alto Peru, cuja primeira capital outrora chamada de “La Plata” (não confundir com a homônima capital da Província de Buenos Aires, Argentina) foi rebatizada como Sucre, após o processo de independência. Pela guerra do salitre (ou do Pacífico, entre 1879-1893), perdeu o acesso ao litoral em uma guerra contra o Chile, onde esse último foi patrocinado pelo Império Britânico. Após a Guerra Federal (guerra civil intra-oligárquica de 1898 a 1899), o Kollasuyu (província de maioria aymara cujo território praticamente equivale ao da Bolívia atual) se viu diante de uma nova exploração em escala industrial, com a extração de estanho.
Eram três os grandes barões do estanho: Simon Patiño (cuja sede da empresa era em Paris), Carlos Aramayo (transferiu sua centralidade de capital para Genebra) e Moritz Hochschild (rebatizou-se Maurício). O baronato pagava salários miseráveis para a categoria de trabalhadores e trabalhadoras mineiros, comandava a cadeia de lealdades do sistema de oligarquia política (e judiciária e militar) chamado de La Rosca e tinha a palavra final por em cima de presidentes, partidos e generais. Por quase meio século este trio de empresários (dois bolivianos e um imigrante alemão de fé judaica) comandaram de facto a terra de Juana Azurduy até a Revolução de abril de 1952. Um levante comandado pela Central Operária Boliviana (COB) e a Federação Mineira simplesmente desmontou a capacidade repressiva do Exército (sempre responsável por massacres de mineiros durante o século XX até a década de ’80) e empossou o “moderado” presidente Victor Paz Estenssoro (do MNR em seu primeiro mandato).
As minas de estanho e demais minerais foram nacionalizadas, mas os “barões” foram indenizados. O governo criou a Corporação Mineira da Bolívia (Comibol) em outubro de 1952, como uma resposta às corretas demandas da COB de substituir o Exército nacional pela estrutura de milícias populares coordenadas pelos sindicatos e coordenações regionais. Mais de setenta anos depois, a unidade da categoria mineira está fragilizada e, infelizmente, o modelo de cooperativas é onde há maior risco e informalidade.
A exploração mineira na Bolívia se dá ainda de três formas. Há concessão para empresas privadas, algumas transnacionais. O Estado tem outra parte, através da COMIBOL, a estatal mineira. Ambas operam com relativas condições de segurança do trabalho e técnicas modernas de perfuração e extração. Outro setor, enorme, é o das cooperativas mineiras, onde mais de 70% da mão de obra opera sem direitos trabalhistas e sequer têm acesso a ser membro cooperado antes de cinco anos de trabalho duro dentro das minas.
A histórica Potosí – que já foi a “capital do mundo colonial mercantil” – ainda tem 120 minas operando dentro e nos arredores do departamento (equivalente a estado no Brasil) de mesmo nome. O total de mineiros nesta área ampliada passa de 15 mil. A extração é do complexo mineral composto por prata (ainda, mas pouco), zinco, estanho e chumbo. O pior é o beneficiamento e refino. Da mescla mineral as cargas vão para indústrias privadas que decantam, separam e moem os minérios. De lá o caminho é via caminhão cruzando a alta montanha e o deserto andino no rumo dos portos chilenos de Arica (roubado do Peru na Guerra do Pacífico onde o Chile operou como cabeça de ponte dos capitais ingleses) e ainda de Antofagasta (ex-Bolívia, roubado o acesso boliviano ao litoral no mesmo contexto). As cargas de minérios saem preferencialmente pelo porto de Arica, através do Tratado de Amizade e Cooperação, porque a Bolívia não paga taxas aduaneiras nem de custos de utilização neste terminal portuário.
Porque a Bolívia não tem um parque industrial de beneficiamento que comporte o volume total de extração destes quatro minérios? Considerando que o estanho já foi a base da economia boliviana por quase cinqüenta anos, quando o mineral era explorado pelos três barões “locais”, mas com capitais transnacionalizados, não haver indústria para o setor cooperativo é um absurdo. Dentro do estatuto de cooperação regional, um fundo comum através do Banco do Sul poderia resolver isso, quiçá operando com joint ventures – uma talvez – com capital brasileiro e chileno (dois destinos destas commodities minerais).
A compra do ouro pelo Banco Central
O Banco Central de Bolivia (BCB) anunciou um projeto de lei visando à compra do ouro produzido no país para ampliar as reservas externas nacionais. O metal precioso é um ativo financeiro e pode operar como lastro e crédito em diversas transações internacionais. O ouro em depósito é tão importante que as reservas venezuelanas foram roubadas – e seguem – pela Inglaterra, estimulando o finado governo ilegítimo de Juan Guaidó e vetando o acesso a um valor estimado de US$ 1 bilhão de dólares. No ano de 2022, o volume de compras de ouro pelos bancos centrais foi o maior desde 1967, sendo liderada a aquisição por Turquia, Uzbequistão e Catar. Logo, ao invés de incentivar o crime ambiental como fez o derrotado Jair Bolsonaro (não por acaso maior aliado dos sionistas na história do Brasil), o governo central deveria adquirir o ouro e assim, podendo ampliar as reservas exteriores como diminuir a dependência do dólar e dos ataques especulativos cambiais.
Tanto no ouro como na mineração é preciso cortar o ciclo mineral exportador com raízes coloniais. Ou a América Latina se unifica com projetos de interdependência complexa liderados pelas economias mais fortes do Continente, ou ficaremos eternamente sob as garras de capitais externos associados com os parasitas “nacionais” de sempre.
* Este artigo foi originalmente publicado no portal Monitor do Oriente Médio
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** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira