Dividido em três volumes, o livro “A Cor da Voz”, organizado pela professora, literata e produtora cultural Tainã Rosa, surgiu de uma inquietude quanto à precariedade da educação das relações étnico-raciais. Ao transformar em capítulos escritos os episódios de seu podcast homônimo, a autora teve como objetivo ampliar o conhecimento de conceitos essenciais para o estudo de temáticas que atravessam a vida de pessoas negras.
Nascida em uma família de contadoras de histórias, Tainã é mestra em Estudos Literários decoloniais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nos últimos anos, tem viajado o Brasil e o mundo ouvindo e registrando os saberes do povo negro. A partir de suas conversas com ativistas, artistas, professores e intelectuais, ela observou a necessidade de um debate racial mais didático que abrangesse diferentes espaços sociais.
“Eu percebia muitos conceitos, como o mito da democracia racial, que pessoas realmente envolvidas nem entendiam o que queria dizer porque é um conceito puramente acadêmico. E aí eu comecei a pensar: ‘Como eu posso fazer pra disseminar essa informação para que as pessoas fiquem por dentro de tudo que está acontecendo?’”, conta Tainã.
Foi então que, em 2020, ela decidiu criar o podcast “A Cor da Voz” para discutir epistemologias negras, isto é, a produção de ciência negra. Com a participação de convidados especiais a cada episódio, conceitos como racismo estrutural, colonialismo e afrofuturismo são debatidos e explicados. Em 2021, Tainã transformou as duas primeiras temporadas do podcast em livro intitulado “A Cor da Voz: Volume I”.
Autora de “A Cor da Voz”, Tainã teve como objetivo ampliar o conhecimento de conceitos essenciais para o estudo de temáticas que atravessam a vida de pessoas negras / Foto: Ascom Sedac/RS
Livro surgiu de uma inquietude quanto à precariedade da educação das relações étnico-raciais / Foto: Foto: Ascom Sedac/RS
O lançamento do volume I aconteceu em sessão de autógrafos na 67ª edição da Feira do Livro de Porto Alegre, em 2021. Na ocasião, Tainã ministrou a atividade Negritude e Educação para as Relações Étnico-Raciais. Já os mais recentes volumes da coleção foram lançados em fevereiro deste ano, com a publicação de “A Cor da Voz: Volume II”, que contempla as transcrições da terceira e quarta temporadas, e “A Cor da Voz: Volume III”, que refere-se à quinta e sexta temporadas.
Tainã doou exemplares de “A Cor da Voz” para escolas da rede pública / Foto: Arquivo Pessoal
“A Cor da Voz: Volume II” contempla as transcrições da terceira e quarta temporadas do podcast, enquanto "A Cor da Voz: Volume III" refere-se à quinta e sexta temporadas / Foto: Arquivo Pessoal
Literatura antirracista e democrática
Tainã empenhou-se na democratização do livro. Em alusão aos 20 anos da Lei 10.639/03, que obriga o ensino da cultura africana e afro-brasileira em todas as escolas do território brasileiro, foram doados dez exemplares dos volumes para cada uma das bibliotecas das 31 escolas e 5 institutos da Rede Municipal de Ensino de Alvorada, cidade onde a autora mora. O objetivo é promover uma formação continuada antirracista para os professores do município.
Para Maristela Arend, diretora da Escola Municipal de Educação Fundamental Hilário Feijó, uma das instituições que recebeu os exemplares, iniciativas como essa contribuem para que alunas e alunos se vejam representados em obras literárias, possibilitando a construção de sua identidade.
“O recebimento dessas três edições de ‘A Cor da Voz’ tem um papel fundamental no fortalecimento da identidade cultural de nossos educandos. Para a Biblioteca Pública Municipal, a possibilidade do engrandecimento do acervo literário, composto pela obra de uma educadora, literata, residente de Alvorada, ativista e cidadã, reflete a importância do reconhecimento da voz do povo como ferramenta de crescimento social”, comenta a diretora.
Como parte do lançamento dos volumes II e III, Tainã construiu 27 pontos de leitura em Alvorada por meio da instalação de “Gelitecas”, mini-bibliotecas produzidas com coolers personalizados, buscando facilitar o acesso e o compartilhamento do livro. A ação teve fomento do Fundo de Apoio à Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (FAC/RS).
A instalação das Gelitecas pela cidade de Alvorada contou com a colaboração de amigos e voluntários / Foto: Arquivo Pessoal
A aluna do quinto ano Gabriela Vitória Gonçalves, de 11 anos, colaborou com a instalação das Gelitecas após ler o livro na biblioteca da escola. “Eu li a primeira edição do ‘A Cor da Voz’ e eu adorei. Fala bastante sobre negritude, cultura e etc e eu me interesso bastante em culturas e negritude porque eu acho bem interessante. O dia em que a gente instalou as Gelitecas eu particularmente achei bem legal a atitude da minha querida professora Tainã. Adorei poder conversar com as pessoas sobre as Gelitecas”, relata.
A aluna do quinto ano Gabriela Vitória Gonçalves, de 11 anos, colaborou com a instalação das Gelitecas após ler o livro na biblioteca da escola Hilário Feijó / Foto: Arquivo Pessoal
Gabriela ajudou na leitura mediada de “A Cor da Voz” com a população / Foto: Arquivo Pessoal
As Gelitecas foram instaladas nos pontos de ônibus entre as paradas 41 e 61 da Av. Getúlio Vargas; no ponto de ônibus em frente à Secretaria Municipal de Educação (Smed); no ambiente de convivência em frente ao ponto de ônibus na Av. Pátria; no ponto de ônibus em frente à Associação de Moradores Nova Americana; no ponto de ônibus em frente à Associação de Moradores Stella Maris; no pátio da ONG Onedes, no bairro Tijuca; e em frente a sede da União da Associação de Moradores de Alvorada, no bairro Bela Vista/Maringá.
Tainã, uma contadora de histórias
Com a intenção de ouvir histórias e contribuir com o mundo que a cerca, Tainã Rosa formou-se no Magistério e aprimorou os seus conhecimentos com a graduação em Pedagogia pela UFRGS. Especialista em Língua Portuguesa, Literatura na Educação Básica e Estudos Literários decoloniais, Tainã atua em diferentes projetos culturais, integrando artes visuais, literatura e relações étnico-raciais. Em 2020, recebeu o Prêmio de Poesia Falada do Banco Itaú e o Prêmio Arte do Quilombo da Fundação Cultural Palmares.
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Edição: Marcelo Ferreira