Não há espaço para vacilação. Nem no plano pessoal, muito menos no político, econômico, social...
´Ah, a vida, de vez em quando é mesmo muito boa!´ É uma frase minha dita em diferentes lugares e ocasiões, celebrações, festas, aniversários, em meio a bons tragos e, principalmente, sempre em boa companhia. Há quem já a tenha memorizado. Quando chego, se antecipa e assim me saúda alegremente.
Não foi, infelizmente, o que aconteceu comigo semana passada, depois de passar quatro dias no Hospital São Sebastião, de Venâncio Aires, minha terra, interior do Rio Grande do Sul. Problemas com a próstata, cada vez mais comuns em idosos de mais de 70. Foi a segunda internação na vida, e no mesmo hospital. Graças aos bons cuidados da família, seu apoio e companhia, carregando-me para cima e para baixo quando necessário, e graças aos bons cuidados de enfermeiras e enfermeiros, médico, trabalhadoras e trabalhadores do Hospital, estou vivo e quase são. Mais alguns dias de repouso e cuidados, e a vida voltará ao normal, ainda em fevereiro.
Aprendi, espero que definitivamente, que a vida é para ser bem vivida.
2023 não será um ano fácil, ante tudo que passei nos últimos meses. Afirmo-o também agora, 10 de fevereiro de 2023, sexta-feira, quando escrevo. Ou alguém sabe dizer como o mundo estará, como o Brasil estará no final de junho, ou lá pelo final do ano, ainda longos 11 meses pela frente?
Nos tempos atuais e conjuntura, não há espaço para vacilação. Nem no plano pessoal, muito menos nos campos político, econômico, social, cultural, ambiental. Os primeiros dias deste ano já o comprovaram sobejamente.
Escrevi outro dia em mensagem para uma companheira, depois de lermos e comentarmos recente boa análise de Boaventura de Sousa Santos, ´Adeus à Europa´: “Imagina se não tivéssemos conseguido eleger Lula presidente!!!???” Como estaríamos? Para onde iríamos? Como estariam nossos corações, espírito e esperança?
Vale a pena viver e gostar da vida. Quero chegar aos 100 bem vividos. Já disse para meus irmãos e irmãs: vão ter que ´guentar´ minha ranzinzice, expressa num poema, ´Ranzinza, mas democrático´, escrito em Brasília em tempos de golpe e impeachment da presidenta Dilma, como forma de despedida e com um cartaz fixado nas paredes da minha sala nos Anexos do Palácio do Planalto. Sou mesmo ranzinza no dia a dia. Mas sempre sou democrático, aberto, pronto e disponível para o diálogo com todas e todos, mesmo com quem pensa diferente de mim.
No fim e ao cabo, tudo está sendo como um raio de luz, mais uma etapa vencida da vida, e pronto para encaminhar a etapa derradeira de mais uns 30 anos.
Permitam-me, caras leitoras, caros leitores, neste artigo de caráter pessoal, mas, espero, também de interesse coletivo, transcrever o poema escrito em 2016, que é, ao mesmo tempo, retrato de um tempo e homenagem à vida, ontem e hoje.
Ranzinza, mas democrático
Vejo os rostos,/recordo os sorrisos,/ as trocentas mil reuniões,/ as cirandas e místicas,/ as festas a mil,/ os debates e Seminários,/ as portas da sala sempre abertas,/ entrando todas e todos,/ quem buscasse abrigo e companhia/ - milicos de todas as armas e patentes, gentes de todos os lugares, -/ ponto de partida, ponto de chegada.
Lembro quem serve chás e cafés,/ quem esquenta as marmitas de todos os dias,/ as viagens por todos os rincões deste país,/ as noites culturais na Chácara do CIMI,/ a Clécima atendendo o ‘chefe’ e quebrando todos os galhos,/ o Geraldo brigão e açodado,/ falando alto para o corredor e o mundo inteiro ouvirem,/ a Aline sempre à disposição,/ a Célia e seu jeito de agradar,/ o Claudito preocupado e de olhos bem abertos,/ a Ana Célia e suas broncas,/ Elias e Marquinhos e seus puxa-saquismos bem intencionados,/ a Luana jornalista atenta à escrita e à palavra./ E foi vindo mais gente, nos anos e no tempo,/ a Taishhhhh e seu sorriso aberto,/ a Luísa e sua prestatividade.
Passaram tantas e tantos recidianos,/ o famoso TALHER,/ ao lado do MESA, do COPO, do PRATO e do SAL,/– Frei Betto, Gilberto Carvalho, em primeiros lugares - ./O time de largada:/ Ivo Poletto, Ranulfo Peloso, Eliane de Moura Martins,/ Flávio Lyra, Marlene Moura, Rogério Augusto./Fazendo a história acontecer:/ Edna Maria, Lurdes Santin,/ Ana Gusmão, Maria,/ Andréa e João, Carla Dozzi,/ Paulo Becker, Nonata, Wedna e Cláudio Nascimento./ Sem esquecer, Rosângela Rossi e Márcio Cruz e o Escolas-Irmãs, / André Spitz e o COEP./ Finalmente, a postos,/ a Ana Paula da RECID/DF/ e a Renata sempre prenha.
E tem ainda a Luana, serviçal e companheira,/ querendo limpar a mesa de trabalho quando estou trabalhando,/ a Edna sempre faladeira,/ os vascaínos William e Isaías,/ o Gildo e seu presente gremista,/ mais a paraibana Francisca do Catolé do Rocha,/ no cafezinho a gosto.
Quanta gente boa, amiga:/ ‘La crème de la crème’,/ o caviar,/ o vinho tinto seco de Mendoza,/ a torta e a cuca de tia Leonida e irmã Ivoni./ Fora tantos e tantas que esqueci,/ nos 65 da melhor idade.
E que dizer, ora que dizer/ da doce e inesquecível convivência e companheirismo/ da Vera amazônica e amazônida,/ da Iracema e sua casa,/ porto, sempre aberta,/ do Willian e sua capacidade macarrônica,/ do Marcel e suas análises de conjuntura profundérrimas?/ Sem esquecer dos agregados mais que benvindos,/ o Dombek, o Klener,/ a equipe do CONSEA e da CAISAN,/ da CNAPO e CIAPO,/ os que estão-estiveram nos longos corredores/ e nas jornadas de cada dia,/ às vezes madrugada,/ os parceiros de sempre da Cáritas Brasileira, do IPF, do CAMP e CEAAL.
E na memória eterna,/ no coração,/ educadoras e educadores da RECID,/ esparramados nos bairros, nas comunidades, nos sertões,/ debaixo das árvores,/ nos salões e nas igrejas,/ colados nos movimentos sociais e populares,/ nas ONGs e nas pastorais,/ o povo pobre e trabalhador/ desta pátria amada chamada Brasil.
Uma vida, muitas vidas, tantas vidas:/ Séculos, anos, meses, semanas,/ dias, horas,/ minutos, segundos./ Tudo vivido, tudo chorado,/ tudo sentido, tudo amado.
Que dizer?/ Poetar?/ Que fazer?/ Chorar?/ Quantos humores,/ quantas alegrias,/ quantos sentimentos,/ quantas rezas!
Não fiz festa de aniversário,/ sou ranzinza./ Mas paguei almoços,/ dancei, dancei,/ dancei como nunca,/ democrático.
E, finalmente,/ e não por último por menos importante,/ as amadas amantes e seus encantos/ poucas, esparsas,/ algumas desejadas,/ outras curtidas,/ nomes e rostos nunca vistos,/ irreveláveis,/ no segredo do coração:/ A A e a S,/ a C e a J,/ a outra A,/ a D e a R,/ a N, ah a N!/ e a E,/ última e mais recente, em vigor.
O tempo passa,/ voa, como o pássaro no céu./ Minhas ranzinzices/ - A cara fechada de poucos amigos,/ ‘não pode puxar o saco’,/ ‘não pode limpar a mesa de trabalho em pleno trabalho’,/ ‘não pode interromper nada’,/ ‘o artigo da semana já foi enviado, Clécima?/ Mas falta a CNBB...’,/ ‘tudo começa na hora, Iracema e Vera,/ na hora exata,/ nem um minuto a mais, nem um segundo menos’,/ ‘o relatório está pronto, Marcel e Ana Paula?’,/ ‘cadê a agenda?’,/ ‘e este problema na internet?’,/ ‘onde está e quando volta o Geraldo? Fazendo reunião com o Delfino e o Feitosa/em vez de trazer os jornais?’,/ ‘todo mundo convidado para a reunião do GT de processos formativo-educativos? /Cadê a lista dos que confirmaram presença?’ - .
Aqui, onde estou,/ ninguém roubou./ Aqui, os bolsos estão limpos./ Não há conchavos espúrios./ Não há ‘acertos’ de gabinete./ Não há interesses escusos./Aqui, Paulo Freire tem lugar,/ a RECID, Rede de Educação Cidadã, brilha,/a educação popular é estrela./ Aqui, a agroecologia é feita de frutas frescas e saudáveis,/ como a vida deve ser./ Aqui, o povo está no centro./ Aqui, a utopia floresce,/ viçosa e transparente.
Há companheiras e companheiros./ Há quem se quer bem./ Há amizades no meio da noite/ e na mesa de bar./ Há sonhos,/ há felicidade.
À VIDA, AO PRAZER E AO AMOR! Beijos e abraços mil. Saudades desde já. Do Selvino. VIVA A VIDA!
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira