Rio Grande do Sul

Coluna

Intolerância religiosa é crime!

Imagem de perfil do Colunistaesd
"Religiosas e religiosos de todas as correntes, democratas e quaisquer pessoas contrárias ao fascismo e ao preconceito são chamados a não permitir esta barbárie em terras brasileiras" - Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Religiosos de Santa Cruz do Sul estão assustados com a perseguição sofrida dentro da propriedade

A intolerância religiosa no Brasil tem crescido de forma alarmante nos últimos anos. A data, 21 de janeiro, marca a morte Mãe Gilda da Oxum, vitimada em razão dos ataques criminosos proporcionados por fiéis da Igreja Universal. A certidão de óbito da Yalorixá foi atestada como enfarto, mas, em verdade, Mãe Gilda foi assassinada pela intolerância religiosa. O crime foi cometido em 2020, em Salvador, Bahia. Não pode se repetir.

O Fórum Interreligioso e Ecumênico do RS recebeu, nesta terça-feira (7), uma denúncia grave de intolerância religiosa. O crime acontece a partir de meados de 2020, quando um Babalorixá passou a receber sistematicamente bilhetes agressivos. No início foram xingamentos, depois ameaças, que se transformaram em pichações agressivas. A seguir vieram ações como derrames de sal em portas e portões, ocorridas nas datas comemorativas de orixás e outras deidades, acompanhadas de ameaças ainda mais fortes, exigindo o término das atividades do terreiro de candomblé, um dos primeiros do estado. Acusam o terreiro de Candomblé, ou seja, um templo religioso, de ser “pura macumba”.


Furtadas e pichadas representações simbólicas e físicas da Exu Orisà, divindade importantíssima no culto afro-brasileiro, representa caminho, prosperidade, progresso / Foto: Arquivo pessoal

O início das agressões, em plena pandemia, coincidiu com denúncias sobre atividades religiosas do grupo. O templo é dirigido por um Babalorixá e sua esposa, ambos funcionários públicos, concursados. Os filhos do casal, já iniciados, e mais poucas pessoas professam sua crença, direito garantido por lei, apesar de receberem constantes provocações. Os agressores afirmam que “é uma vila alemã onde não acreditamos numa religião como esta que vocês falam”. Acusam o grupo religioso de “querer terminar com a colônia alemã”. Isto em terras brasileiras, em discurso supremacista, diferentes da maioria dos imigrantes alemães que ajudaram a construir e povoar o RS, que se reconhecem brasileiros com orgulho e amor ao país.


Furtada parte do assentamento do Orìsà Ossayn, uma das mais importantes divindades no culto afro-brasileiro, responsável pelas folhas medicinais e a cura através delas / Foto: Arquivo pessoal

Chama atenção nas ameaças e agressões escritas e deixadas no templo religioso o caráter discriminatório. O babalorixá é xingado de “macumbeiro” e, por não possuírem descendência alemã, os praticantes são chamados de “nordestinos” ou “brasileiros”. É importante ressaltar que os termos são usados como xingamentos, pejorativos. Segundo os agressores, a região, zona rural próxima a Santa Cruz do Sul, é “lugar de alemães” e não de “brasileiros”, que deveriam ir para o nordeste. Sentem-se agredidos em sua branquitude pelos elementos que remetem à cultura negra.


No pilar que representa e está o axé do terreiro foi pichada a palavra fim / Foto: Arquivo pessoal

As agressões chegaram, neste 2 de fevereiro corrente, à profanação dos objetos e rituais, como manuseio e pixação dos ocutás (pedras e metais que representam as deidades no mundo físico). No pilar que representa o axé do terreiro foi pichada a palavra fim, e as representações dos dois Orixás necessários ao início dos rituais, Ossain e Eshu, foram também profanados.



Pichação no portão e portas, acolhida da comunidade e templo, com palavras imperativas / Foto: Arquivo pessoal

Os religiosos estão assustados com a perseguição sofrida dentro da propriedade. Relatam serem seguidos, espionados, sentem presenças constantes quando se deslocam para colher plantas ou alimentos, que somente se esgueiram quando tentam se aproximar. Segundo a advogada Edoarda Scherer, apesar das ocorrências policiais já registradas, não houve prosseguimento e o crime de intolerância religiosa continua sem apuração ou investigação, apesar das fortes evidências da autoria.

A advogada, que integra a CREDEIR (Comissão Regional de Ecumenismo e Diálogo Religioso) da CNBB Sul III e do Grupo de Reflexão para Diálogo Ecumênico e Diálogo Religioso da CNBB, teme que a falta de providências crie nos agressores a certeza de impunidade, forçando os moradores a abandonarem a região por medo ou coloque em risco vida e integridade de quem ousa contrariar os criminosos.

Religiosas e religiosos de todas as correntes, democratas e quaisquer pessoas contrárias ao fascismo e ao preconceito são chamados a não permitir esta barbárie em terras brasileiras. A intolerância religiosa e o preconceito não podem somar mais vítimas aos já dizimados em 523 anos de opressão e sangue. A consciência de cada uma e cada um falará mais alto pedindo punição para estes criminosos e suas ideias tenebrosas.

* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira