Ainda hoje, para os guaranis, a luz da lua crescente é o brilho do lunar de seu líder Sepé Tiaraju, iluminando o caminho para os seus soldados enfrentarem os colonialistas destruidores. Conta a lenda oral entre eles que o seu cacique, o corregedor de São Miguel, nasceu com um lunar gravado na testa e que nas noites de lua crescente e cheia se iluminava mostrando o caminho para seus soldados.
Nesta terça-feira (7), conforme a história dos brancos, faria 267 anos da morte de Sepé Tiaraju, numa localidade de São Gabriel perto do local da Batalha de Caiboate. Onde foram dizimados 1.500 guaranis que lutavam em defesa de sua terra, suas culturas agrícolas e seu gado, resistindo aos exércitos português e espanhol, num dos primeiros genocídios de nossa história. A história chama de batalha, prefiro chamar de massacre, houve apenas dez baixas entre os exércitos conquistadores.
Mas não foi uma vitória. Para os guaranis, seus heróis não morrem, “são vistos pela última vez”. Os caciques e pajés que chegam naqueles locais para reverenciá-los ainda conseguem rever as batalhas e sua liderança num cavalo rumo ao céu. O grito, “Esta terra tem dono, nos foi dada por Nhandeju para que a cuidássemos e alimentássemos nosso povo”, ainda agora é ouvido da boca de milhares de camponeses sem terra e trabalhadores, para quem a terra não é mercadoria, mas uma mãe, encarregada de nutrir seus jardineiros. Um cacique uma vez falando aos brancos disse: “vocês vendem a sua mãe, alugam sua mãe, envenenam sua mãe, ferem sua mãe fazendo-a produzir coisas ruins”.
Embora os católicos agora estejam querendo canonizar Sepé, há centenas de anos ele já é considerado santo para os seus irmãos originários, e para os pobres do Rio Grande do Sul. Não foi por acaso que a cidade de São Sepé ganhou este nome.
A religiosidade popular sabe a quem santifica. Existem centenas de santos e santas em território missioneiro. Maria do Carmo, a prostituta santificada em São Borja por proteger seu amado, é venerada com velas e orações no tumulo próximo ao quartel do 2ºRC Mec e já é nome de bairro naquela cidade.
Gauchito Gil, santificado pelos correntinos e missioneiros argentinos, é venerado em pequenos oratórios às margens das estradas, casinhas enfeitadas com lenços vermelho. Gauchito Gil atende promessas ainda hoje. Contam que ele era um bandoleiro que roubava os estancieiros ricos para alimentar os moradores dos galpões.
Negrinho do Pastoreio, o negrinho, lendário, afilhado de Nossa Senhora que procura os cavalos do patrão malvado e também acha objetos perdidos pelas pessoas que lhe fazem promessas.
Por isso, ao canonizar Sepé Tiaraju, o Papa Francisco não estará fazendo mais do que reconhecer a santidade atribuída a ele há mais de um século.
* Walmaro Paz é jornalista
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira