Composta por 19 associações e grupos de atuação socioambiental do Rio Grande do Sul, a Coalizão pelo Pampa alerta para o que considera um "nítido conflito de interesses" na nomeação de Marcelo Camardelli como Secretário Adjunto da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema/RS).
Em nota divulgada nesta segunda-feira (6), afirma que a nomeação "é preocupante, pois Camardelli tem representado a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), entidade ligada ao agronegócio, no Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema).
"Não há dúvidas de que um consultor e representante da FARSUL na alta administração estadual e, mais especificamente, na pasta de Meio Ambiente resultam em fragilidades e retrocessos na normatização ambiental e emissão de autorizações e licenças, que ficarão sob suspeição quando ligadas dessa forma à agropecuária", avalia a Coalizão pelo Pampa.
Confira a nota na íntegra:
Interesses escusos ameaçam a SEMA-RS
A Coalizão pelo Pampa vem a público e à Comissão de Ética do Governo do Estado do Rio Grande do Sul manifestar repúdio à nomeação do Sr. Marcelo Camardelli como Secretário Adjunto da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura. O Sr. Camardelli tem representado a FARSUL – Federação da Agricultura do Rio Grande
do Sul no Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA), onde vem defendendo, com frequência, medidas retrógradas e contrárias ao uso sustentável dos recursos naturais. Há, portanto, nessa nomeação nítido conflito de interesses que, inevitavelmente, levanta a suspeição de que em sua gestão prepondere o interesse privado em prejuízo da coletividade.
Essa nomeação é preocupante considerando que, em curto prazo, deverão ser construídos e publicados dispositivos legais definindo características do Pampa e detalhando normas para sua conservação, conforme dispõe o Art. 203 da Lei Estadual nº 15.434/2020. Ainda, tramita a revisão da hidrografia na base cartográfica do Estado, que gerará diretrizes técnicas estabelecendo os procedimentos dos órgãos ambientais para a caracterização de cursos hídricos e, consequentemente, de Áreas de Preservação Permanente (APPs). Esses temas são importantes tanto para a preservação ambiental, visando a maior manutenção possível de áreas protegidas, vitais para a produção de água, quanto para o setor ruralista em sua busca por expansão de áreas cultivadas. Embora a situação de escassez de água e a necessidade de “reservação” sejam reconhecidas pela FARSUL, a entidade não tem apoiado a adoção de medidas essenciais para a produção de água, tais como a implementação do Programa de Regularização Ambiental (PRA), que prevê recuperação de Reserva Legal e APPs em áreas em desacordo com o previsto na Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei 12.651/2012).
Como principal elemento a demonstrar os interesses da FARSUL na interferência de legislações e políticas ambientais, principalmente as atinentes ao bioma Pampa, citamos a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual (0175872-45.2015.8.21.0001) questionando dispositivos do Decreto Estadual 52.431/2015. Esse decreto fragilizou a proteção da biodiversidade do bioma Pampa ao dispensar, na prática, a delimitação de Reserva Legal nos campos nativos, os quais são mantidos há séculos com a atividade pastoril de produção pecuária. Tanto o Estado quanto a FARSUL são réus nessa ação.
Não há dúvidas de que um consultor e representante da FARSUL na alta administração estadual e, mais especificamente, na pasta de Meio Ambiente resultam em fragilidades e retrocessos na normatização ambiental e emissão de autorizações e licenças, que ficarão sob suspeição quando ligadas dessa forma à agropecuária. Nos órgãos de meio ambiente vinculados à SEMA se analisam processos de irrigação, silvicultura, supressões de vegetação nativa, outorga de uso d’água, além da gestão de conflitos em UCs e seus entornos, responsabilidade na gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e PRA e atuação na fiscalização ambiental. Nesses processos e atividades, setores do agronegócio são os principais interessados. Diante da representação privilegiada da FARSUL na SEMA, é inevitável que os demais setores da sociedade, manifestem descrença quanto ao real compromisso do Estado em tornar efetivas políticas que possam vir a contrariar o agronegócio, tais como o controle e a redução de agrotóxicos, o acesso dos assentados da reforma agrárias, das comunidades quilombolas e outros povos tradicionais às políticas agrícolas, como o PRONAF, a implementação da análise do CAR e do PRA e políticas de mitigação de mudanças climáticas. Desta forma, até mesmo compromissos internacionais assumidos pelo governo brasileiro (e estadual), ficam desacreditados.
Considerando o exposto e ainda as críticas públicas dos setores do agronegócio aos órgãos e legislação ambientais, claramente defendendo a flexibilização de instrumentos de proteção; o interesse de entidades ruralistas em que a análise do CAR não seja iniciada e tampouco implementado o PRA; e o visível interesse da FARSUL em impedir a exigência de Reserva Legal nos campos nativos do bioma Pampa, concluímos que é notório o conflito de interesses criado com a nomeação deste e eventualmente de outros representantes dessa federação, colidindo com o Decreto Estadual nº 45.746/2008, que entre outras providências institui o Código de Conduta da Alta Administração na Administração Pública Direta e Indireta do Estado do Rio Grande do Sul.
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Edição: Marcelo Ferreira