Quem nunca escutou a famosa frase que coroa a meritocracia: você pode sempre mais, basta se esforçar
Bebês que choram quando escutam não. Crianças que esperneiam no chão do supermercado. Adolescentes que sofrem por uma mensagem não respondida no tempo esperado. Adultos que não conseguem cumprir as tarefas como haviam planejado. Idosos que ficam irritados com as tecnologias que não respondem aos seus comandos. A frustração atravessa a existência humana.
Embora ela esteja condicionada à vida, afinal, as coisas infelizmente não funcionam como no mundo das ideais, a frustração tem sido cada vez menos suportada. Seria a intolerância à frustração um sintoma da forma com que a nossa sociedade está estruturada?
Hiper acelerados, em pensamentos e ações, vivemos tempos de excesso. Excesso de informações, excesso de diagnósticos, excesso de possibilidades de escolha, excesso de imagens, excesso de prescrições sociais que dizem a forma com que devemos ser e existir.
Quem nunca escutou a famosa frase que coroa a meritocracia: você pode sempre mais, basta se esforçar! Bem, parece que o efeito da mesma, além de inserir os indivíduos na lógica da dívida eterna, é construir um exército de pessoas que não suportam outro caminho além daquele que é desejado. E sabemos muito bem que as coisas não funcionam assim.
Acreditar que tudo é possível mediante um determinado esforço coloca um véu na realidade de que muitas vezes as coisas não acontecem da forma com que gostaríamos.
Corra, trabalhe enquanto eles dormem, pense positivo, mentalize que o universo lhe trará o que você quiser. Esse discurso incorporado por muitos coaches (que acabam se tornando os porta-vozes do sistema neoliberal) quase sempre reforça a fantasia de que não vamos precisar lidar com as frustrações, que tudo está ao nosso alcance. E assim estamos sempre numa busca inquieta por realizar objetivos, fazer checklist, colocar mais um artigo no lattes, sempre na pressa.
Viver com o pé no acelerador nos destemporaliza. Segundo a mitologia grega existem dois deuses do tempo: Chronos e seu filho Kairós. O primeiro é a personificação do tempo calculado, condicionado ao relógio, já o segundo é o tempo oportuno, que faz determinado momento ter um sentido único e especial, é o tempo das coisas.
Parece que Kairós tem dormido enquanto Chronos trabalha. É cada vez mais difícil suportar o tempo das coisas, o tempo de construção de um relacionamento, de elaboração de um luto, da resposta a uma mensagem, da estruturação de uma carreira.
Estamos cada vez mais atravessados pelo tempo do relógio, da hora marcada, sempre atrasados, cuidando com o prazo, tempo é dinheiro, não pare, não descanse, produza all the time!
Então a exaustão, agarrada à intolerância e à frustração, arrasta os desavisados para uma vida sem sentido, melancólica. A maior resistência ao sistema é pisar no freio! Construir outra possibilidade, suportar o tempo das coisas e tentar, quando possível, se desalienar da lógica neoliberal frenética que estamos aprisionados e que promete o falso prêmio de que só assim nos sentiremos pertencentes à sociedade.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko