Nos últimos quatro anos, o povo brasileiro enfrentou o terror sem deixar de resistir e cultivar a esperança. Nem mesmo o cineasta Ingmar Bergman, em seu eterno clássico “Sétimo Selo”, idealizou um “Diabo” tão ardiloso e sedento pela morte, como testemunhou-se no governo Bolsonaro.
O legado do “selo” bolsonarista impactou o Brasil com quase 700 mil vidas perdidas por meio da política anticiência frente à pandemia de covid-19, além de 33 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave vitimados pelo desmantelamento das políticas alimentares, e um verdadeiro genocídio indígena decorrente do enfraquecimento das instituições responsáveis por acompanhar os povos originários. A aceleração na destruição dos biomas (principalmente Cerrado, Amazônia e Pampa), atendendo às incitações para deixar a “boiada” passar nos temas ambientais, é outra questão marcante no governo pregresso.
Estruturando um modelo baseado na (des)governança, parcela significativa da sociedade - conservadores, neoliberais, trabalhadores e, alguns “viúvos e viúvas” da ditadura militar - nutriu-se por meio de fake news para apoiar o mandato. No período eleitoral, apoiando-se na máquina estatal de um governo militarizado, violento e negacionista, a polarização elevou-se, impossibilitando o diálogo republicano. Por conseguinte, a intolerância assentou-se no país, refletindo na escalada da violência política e eleitoral. Segundo os dados divulgados pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global, em 2022, o número de casos de violência política e eleitoral - como ameaças, atentados, invasões e até mesmo assassinatos, entre outras agressões - foi cerca de 450% maior comparado à última eleição, realizada em 2018. Apenas no período de 1 de agosto a 2 de outubro, 121 ocorrências relacionadas a tensões políticas foram registradas, envolvendo 113 vítimas.
Destarte, esta foi uma das eleições mais complexas das últimas décadas, marcada por numerosos episódios criminosos e intervenções ilegais executadas com a intencionalidade de confundir o eleitor, gerar instabilidade no país e tumultuar o processo democrático. À frente dessas estratégias estavam, sobretudo, grupos bolsonaristas. Destaca-se que o disparo em massa de fake news já era significativo antes mesmo de iniciar o período de campanha. Muitas das notícias falsas propagadas objetivavam descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro, sem, contudo, apresentar provas concretas para embasar as alegações. Tal narrativa subsidiou o discurso de não se aceitar o resultado da eleição caso Bolsonaro perdesse, além de superestimar o papel das Forças Armadas no processo eleitoral.
Após o resultado eleitoral desfavorável, tentativas de inflar o cenário de violência e intolerância foram construídas pelo bolsonarismo. A tentativa de atentado com bomba no aeroporto da capital federal, em 24 de dezembro; o rascunho de uma minuta intervencionista ditatorial; e o ataque golpista aos prédios dos três poderes, no dia 8 de janeiro do presente ano, evidenciam a manutenção do caráter antidemocrático deste movimento que passou os últimos quatro anos tensionando e testando os limites da democracia brasileira.
Quanto aos líderes e financiadores das ações, pistas apontam possibilidades para diferentes setores da sociedade. Especialmente parcelas do alto escalão das Forças Armadas, militares do Distrito Federal, políticos bolsonaristas, pastores, empresários, garimpeiros e ramos do agronegócio.
Nesse ínterim, a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022 foi muito significativa para a democracia, renovando perspectivas favoráveis à luta de classes e aos povos originários, minorias e direitos ambientais e sociais. O novo mandato alimenta a esperança de que nos próximos quatro anos o país possa sair do negacionismo, recuperar o respeito internacional e reconstruir políticas de sustentabilidade ambiental e social; com a proposta de um novo protagonismo político para os povos originários, que pela primeira vez, possuem uma pasta ministerial voltada para a defesa de seus direitos.
Para superar o “Selo da Morte”, o golpismo e o negacionismo, pauta-se que o governo Lula deve fortalecer as instituições populares. Dentre outras questões, esse processo compreende a criação de políticas públicas para que os agricultores familiares camponeses aumentem as produções, a distribuição e a comercialização de alimentos saudáveis, a fim de erradicar definitivamente a fome. Também compreende a garantia do direito à vida e ao território para os povos originários, bem como, o subsídio da recuperação e uso sustentável dos biomas.
Sustentando o slogan escolhido, o governo Lula precisa construir efetivamente um governo de “União e Reconstrução”. Somente com uma gestão pautada em uma perspectiva multidimensional, voltada para a vida, sustentabilidade, ciência, cultura e educação, contemplando a diversidade do povo brasileiro, o país poderá finalmente enterrar o "Selo da Morte" e germinar, em solo democrático, o "Selo da Esperança”.
* Aline Albuquerque Jorge: Pesquisadora da questão agrária – Rede DATALUTA, doutoranda em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Presidente Prudente.
* Bruna Gonçalves Costa: Pesquisadora de movimentos indígenas e da questão agrária – Rede DATALUTA, mestranda em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Presidente Prudente.
* Gerson Antonio Barbosa Borges: Pesquisador da questão agrária – Rede DATALUTA, Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), doutorando em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Presidente Prudente.
** Este é um artigo de opinião. A visão das autoras e do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira