Como parte da programação do Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre (RS), o Instituto Justiça Fiscal (IJF) promoveu nesta quinta-feira (26), o debate "Tributação e Luta de Classes", que contou com a participação do professor de Economia da Unicamp Pedro Rossi entre seus palestrantes.
O economista chamou a atenção para a necessidade de se discutir uma reforma tributária efetiva, que possa ser transformadora. "Não tem gasto neutro e tributação neutra. Temos que pensar esses temas do ponto de vista político, uma reforma tributária pode ser revolucionária porque pode alterar a composição de forças de uma sociedade."
Sobre o tema da mesa, afirmou que "tributação tem tudo a ver com luta de classes". "Temos que incorporar esse conceito de luta de classes e ressinignifcar um conjunto de conceitos econômicos que estão vigentes. Não fazemos transformação social se ficarmos aceitando esses conceitos que são reproduzidos todos os dias nos jornais e na televisão."
"O Estado capitalista tem duas funções. Uma é apoiar a acumulação de capital, que precisa de infraestrutura, mercados, mão de obra, produtividade, e precisa de violência também para reprimir em determinadas circunstâncias", explicou. "Mas tem outra, que é contraditória, que é dar legitimidade para o processo, porque senão o sistema desanda. E essa legitimidade passa por incorporar as demandas dos trabalhadores."
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Ele destacou que a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, por exemplo, foi a representação de uma "sociedade doente" na qual o sistema, seguindo uma ótica neoliberal, não conseguiu incorporar demandas mínimas e retirou direitos. "Biden vai tentar recuperar a própria legitimidade do sistema, oferecendo avanços para os próprios trabalhadores."
Rossi lembrou que parte dos modelos teóricos de Estado, fundados nas ideias de James McGill Buchanan Jr., dizem que ele é reflexo da decisão dos eleitores, maximizada pela mediação dos políticos e burocratas. Uma visão que vai dar base para uma cruzada contra o próprio Estado, instituindo instrumentos de controle como o Teto de Gastos no Brasil.
"É como se o Estado fosse um ser ilegítimo que se apropria da riqueza no campo privado", descreve. "Quem liga a TV na Globo News vai ver um economista atrás do outro dizendo que tem que cortar gastos. É um instrumento da classe dominante para impor determinado projeto, o terrorismo econômico, que quer criar um clima de medo na população para que aceite a agenda de redução do Estado." O professor ressaltou que "a visão marxista é o oposto disso, porque a riqueza é gerada coletivamente e o que o Estado deve fazer é distribuir essa riqueza".
Para o economista, a "economia mainstrean dominante" está errada. "Parte de pressupostos equivocados e um deles é que o mercado é uma instância virtuosa por natureza. É uma ideologia que nos trouxe onde estamos."
Constituição de 1988 e a farsa da meritocracia
Pedro Rossi lembrou que a Constituição de 1988 aspira à criação do Estado de Bem Estar Social no Brasil, seguindo um modelo que foi construído no pós-Guerra em parte da Europa. Porém, ele só foi possível por conta da implementação de tributos diretos e progressivos. "No caso brasileiro, não se propôs como financiar esse Estado", destaca.
"O gasto público foi aumentando ao longo dos anos e a arrecadação foi subindo com base em impostos ruins", pontuou, estabelecendo no Brasil um sistema contraditório. "O gasto publico é a mão que dá para o mais pobre e o tributo é a mão que tira."
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Outro ponto mencionado na fala do economista, também presente em boa parte do discurso econômico que ecoa na mídia comercial, é a meritocracia, que ele diz ser impossível no sistema capitalista. "Primeiro porque o ponto de partida é diferente, uma pessoa que nasce numa famíia pobre, que vive os problemas de uma periferia, ao entrar no mercado de trabalho com 18 anos vai ter condições diferentes de alguém que vem de uma família rica", exemplifica.
"Tem outro argumento, que geralmente não é muito falado: a meritocracia é impossível no capitalismo justamente porque existe uma coisa chamada capital", apontando um exemplo hipotético em que duas pessoas recebem o mesmo salário, supostamente por terem o mesmo mérito, mas uma tenha capital como um imóvel ou aplicações, o que faz com que as remunerações tenham significados práticos distintos para as duas.
Fonte: BdF Nacional
Edição: Nicolau Soares