Quando um diretor e roteirista consolida seus parceiros, histórias e técnicas, ele adentra em um caminho sem fim, o qual o espectador e a crítica tendem a vincular-se nas cenas ou nas obras por vir.
Pois é nesse embalo que a “série” de curtas-metragens de Hugo Anikulapo Lima chega ao quarto episódio em “No Caminho de Casa” (2022), presente no Cine Tenda do 26º Festival de Tiradentes, no dia 26 de janeiro, quinta-feira, às 16h e on-line durante o festival (acesse aqui).
Nos 10 minutos, Hugo Lima consegue a fixação dos sentidos no espectador em torno do diálogo entre um pai, Marcus Hamasien (Cachalote Mattos), e um dos filhos, Cassius (Gabriel Gentil), dentro de um carro em uma viagem para a casa do mais velho, o “vô”.
A cada instante a narrativa consegue traduzir o que pretende o diretor nas suas falas: “Quais as estratégias que criamos para dizer que amamos?”.
O automóvel, fixado como símbolo de poder no imaginário da masculinidade, se torna um ambiente de intimidade a fim de sintetizar outra linguagem a qual homens negros almejam ou já vivenciam.
Nos diálogos é possível adentrar em um amor o qual a violência é substituída por cuidado e afeto ao escutar e reclamar do mais novo, e ao ajudar o mais velho.
No retrovisor, os dois, guiados por um fio de contas de Oxóssi, estão a decidir o itinerário da viagem quando o pai se atenta para um alerta do filho, e diz: “Nós, não sabemos de tudo. E nunca se sabe demais. Mas é preciso estar sempre perto de pessoas que nos façam ser melhor.”
O tempo o qual os diálogos e os cortes se dão estão em harmonia com o tempo ancestral do “vô”, e também das influências de Hugo, os diretores André Novais, Idrissa Ouédraogo e Abderrahmane Sissako.
Os que vieram antes estão nas referências cinematográficas e no sobrenome que adotou: Anikulapo, inspirado em Fela Kuti, para anunciar, segundo ele, que “é aquele que colocou a morte no bolso”.
Assim, sobreviveu aos pedaços que são retirados da carne e da alma de um jovem negro até chegar na sua idade, 32 anos, fazendo cinema em um país permeado por símbolos e balas mortíferas.
Só por agora Hugo começa a ter o seu valor reconhecido como profissional na assistência de câmera e fotografia, e almeja que isso ocorra junto com o Coletivo Siyanda - Cinema Experimental do Negro, a fim de fazer mais filmes.
Série da Siyanda
A trajetória de Hugo está intimamente ligada ao coletivo carioca Siyanda, berço de nomes como Alessandro Conceição, Algrin David, Carol Netto, Cachalote Mattos, Davidson Candanda, Nathali de Deus, Pan Nogueira, Patrícia Rodrigues e Uilton Oliveira.
“No Caminho de Casa”, em especial, se inicia no curta “Siyanda” (2016); é quando aparece Marcus, o pai, um dos personagens embalados por um canto para Nanã no acolhimento às dores de uma mulher negra no centro do Rio de Janeiro.
Já em “Senhor de toda cruz" (2018), Cassius, o filho, é um jovem negro correndo pela cidade sob a guarda de Exu.
Nesses dois, Hugo já demonstra maturidade ao traduzir o fluir da câmera e dos corpos pretos na cena.
Até que em “Fim de tarde” (2019) ele mergulha nos diálogos e na intimidade do pai e do filho dentro de casa.
As três obras podem ser assistidas no canal do YouTube da Siyanda (acesse aqui), e foram feitas em um país que o racismo corroeu a democracia e encontrou o fascismo, quando as políticas de fomento começavam a reconhecer a produção audiovisual negra.
Onde assistir?
Cine Tenda do 26º Festival de Tiradentes, Série 5 da Mostra Panorama, 26 de janeiro, quinta-feira, às 16h e on-line no site www.mostratiradentes.com.br durante o festival.
*Pedro Caribé, jornalista, doutor em Comunicação pela UNB, curador do museu digital @cinemadeterreiro e assessor de comunicação da Borboleta Filmes & Pombagens.
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Edição: Katia Marko