Tudo em nome da justiça, da ordem, de deus, da pátria, da família e de limpar o Brasil do comunismo
A essa altura do campeonato você já deve ter acompanhado estarrecido (espero) os atos terroristas ocorridos recentemente. Talvez a escolha da palavra campeonato aponte justamente na direção de que as cenas assistidas nos últimos dias parecem competir entre si nos quesitos criminalidade, pateticidade e performatividade do suposto “cidadão de bem”. E é exatamente neste último que quero me ater.
Não é de hoje que a estrutura social segrega os sujeitos em grupos inimigos. Desde a primitiva rivalidade do bem versus mal, afiançado pelas brutais escolhas de religiosos em declarar quem deveria viver ou morrer, até a recente guerra discursiva entre "cidadão de bem” versus "comunistas". A própria escolha do slogan “Deus, pátria e família” tenta marcar uma pretensa superioridade moral.
A velha e boa moral. O leal escudo que muitas vezes é utilizado como justificativa dos mais nefastos atos. Afinal, não é em nome da moral e dos bons costumes que tantas coisas sanguinárias são praticadas? Do espancamento à morte de pessoas LGBT? Ou como justificativa para os mais cruéis crimes de feminicídio? Ou para o assassinato em massa de pessoas pretas nos diferentes territórios?
Há muito tempo o discurso de ódio proferido pelas égides dos bons costumes tem se corporificado no aumento da violência que temos acompanhado nos últimos anos. Bolsonaro, como de costume, não se responsabiliza em nada pelo ocorrido. Suas falas LGBTfóbicas, racistas, xenofóbicas, misóginas e de desautorização dos outros poderes da República não tiveram nenhum impacto no ato criminoso ocorrido? Não foram justamente elas que entraram em ressonância e amplificaram os delírios daqueles que estão agora presos por atos golpistas na Papuda e na Colmeia?
E sobre a performance “cidadão de bem”. Será que são tão puros quanto se consideram? E mais que isso, por que é necessário sustentar uma suposta posição de pureza e superioridade? O que esse furor encobre? Qual o outro lado da moeda? Falar tanto da pureza não seria uma tentativa falha de encobrir toda a sujeira?
O tragicômico é que foram exatamente esses seres angelicais que gravaram vídeos se gabando de defecar, rasgaram e quebraram obras de arte, espancaram cavalos e policiais, queimaram veículos e depredaram o patrimônio público. Tudo em nome da justiça, da ordem, de deus, da pátria, da família e de limpar o Brasil do comunismo.
Os hipócritas puritanos ladram em alto e bom som que “a forma com que eu vivo é a correta”. Quem disse? Existe só uma forma de viver? Um só deus? Adorar a pátria é se vestir de forma cafona nos tons verde e amarelo e vender tudo que temos pro exterior? E a família? Só vale a nuclear burguesa, formada por pai, mãe e filhos? Tudo para defender uma suposta naturalidade.
Aliás, o que seria natural? Por um acaso a vida em sociedade não exclui o dito natural? Será que nossas formas de pensar e existir não são justamente construções sociais? Ou você ainda acha que o menino nasce com desejo de jogar futebol, usar azul e comprar um carro rebaixado pra andar por aí com música alta? E que a menina quer muito ganhar pequenos utensílios domésticos para brincar de ser como a mamãe por que está inscrito nos seus genes?
Justificar os atos por “deus, pátria e família” sempre foi uma falha tentativa de encobrir a brutalidade de um grupo violento que odeia tudo que não é espelho. O ódio vai além do partido que está na oposição. É um ódio por um mundo que lhes é estranho. Por um mundo que integra e respeita as diferenças, as quais são insuportáveis aos extremistas conservadores que se autodenominam "cidadãos de bem”. Chega de flores e poesias. Que os golpistas sejam punidos. E como fica esse tal de “cidadão de bem"? Preso.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko