A tradição de origem açoriana do Terno de Reis foi relembrada e promovida através de um festejo realizado durante o Dia de Reis (6 de janeiro), no Extremo Sul de Porto Alegre, bairro Boa Vista do Sul. A atividade foi uma iniciativa da Quinta das Tarumãs e do Centro de Tradições Gaúchas Lanceiros da Zona Sul.
Em Porto Alegre, os Ternos eram parte dos festejos comunitários de Natal dentro da tradição dos imigrantes portugueses, oriundos da Ilha dos Açores, que aportaram na década de 1760 no Rio Grande do Sul.
A tradição adquiriu tamanha importância entre aquela comunidade, que viria a ser executada em qualquer época do ano, a partir do convite aos grupos de cantadores. Estes eram os chamados Ternos Temporões, em que músicas e danças animavam aniversários, casamentos, encontros familiares e outras reuniões. No improviso ou com composições pré-definidas, cada Terno tem sua própria identidade artística em letras e melodias. Inicialmente compostos com instrumentos de corda e percussão. Algumas vezes a gaita era introduzida, incrementando o arranjo instrumental.
O cortejo realizado nesta sexta-feira (6), Dia de Reis, começou por volta das 19h, seguindo até a manhã do sábado (7). No percurso, os cantadores e seus seguidores pararam em quatro residências, onde os vizinhos se agruparam. Esse percurso foi resultado de quatro anos de buscas do casal Rosélia e Victor, da Quinta das Tarumãs.
“Sabíamos que no Extremo Sul de Porto Alegre e em Viamão, seguindo para o Litoral, os Ternos eram frequentes e variados, então pensamos que seria fácil promover uma apresentação. Só que foi bem mais difícil. Os grupos se dispersaram nos últimos anos, ainda mais com a pandemia”, relata Rosélia.
Com o apoio do Lanceiros da Zona Sul, a busca teve sucesso, foi possível reunir o trio Bilaca, Dema (mestre e segunda voz de mestre) e Tavares (Contramestre). Victor se dispôs a compor o dueto com o Contramestre e assim formar o quarteto básico de terno, aprendendo durante a execução.
Idemar da Rocha Nunes, o Dema, cantador desde criança e atualmente na faixa dos 60 anos, refere que seu “falecido pai fazia aniversário em 7 de janeiro e era sagrado cantar o Terno no dia 6 até amanhecer. A gente ia de Porto Alegre, no Belém Novo, Lami, até Viamão, pela Faxina, Itapoã, Cantagalo, todo este sul até as praias. E a festa era grande, com comida, bebida, terminando em baile na última casa visitada.”
Bilaca, Astrogildo Bittencourt, Mestre deste Terno, hoje com 82 anos, traz de memória e improvisa os versos que os demais seguem. Ele relembra de muitas cantorias nos seus mais de 70 anos de experiência, de quando se reuniam vários Ternos em uma só noite e de que começavam pelo dia 6 de dezembro a percorrer as casas. Tavares Nunes da Rocha, de 77 anos, relata que muitos dos parceiros foram parando por motivos de saúde, outros faleceram, e os mais novos perderam o interesse pela tradição.
As vizinhas e vizinhos da Quinta das Tarumãs receberam o grupo com alegria e mesa farta, item fundamental na celebração. Muitos relembraram de momentos de sua infância e juventude quando assistiam Ternos e mesmo acompanharam alguns, cantando. Na última casa visitada da noite veio a surpresa da presença de outro Terno de Reis formado por integrantes da família de “seu” Miguel Cota (como era conhecido).
O Mestre Miguel Luiz de Oliveira, já falecido, deixou para a família o legado das cantorias. Neste momento se apresentaram sua filha mais nova, Gloria Oliveira, seu neto Alexandre Oliveira Nunes, que o acompanhava cantando ternos desde os 8 anos de idade, com a esposa Lisiane e a filha Ana Laura. Segundo Gloria, após a morte de seu pai, faltou motivação para retomar esta tradição em comunidade, mas nunca deixaram de praticar em casa.
* Rosélia Araújo Vianna é mestre em comunicação social, atuou em empresas públicas e privadas nas áreas de comunicação, ouvidoria e Responsabilidade Socioambiental. Atualmente é agricultora ecologista e empreendedora na Quinta das Tarumãs.
Edição: Katia Marko