Rio Grande do Sul

DESARMAMENTO

Novas regras para posse de armas são bem recebidas por entidades de segurança pública

Logo no primeiro dia de governo, Lula desfez flexibilização no acesso às armas patrocinada por Bolsonaro

Sul 21 |
Ação do novo governo é vista como importante para estancar a corrida armamentista dos últimos anos - Arte: Matheus Leal/Sul21

O decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que reestrutura a política de controle de armas foi bem recebido por duas renomadas entidades que pesquisam segurança pública no Brasil. Em nota conjunta, o Instituto Sou da Paz e o Instituto Igarapé celebraram o fato do novo governo ter escolhido o tema como um dos atos inaugurais da gestão.

O decreto nº 11.366 foi assinado neste domingo (1º), logo após a posse de Lula. A medida reduz o acesso às armas e munições e suspende o registro de novas armas de uso restrito de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs). O decreto também suspende as autorizações de novos clubes de tiro até a edição de nova regulamentação e volta a condicionar a autorização de porte de arma à comprovação da necessidade – atualmente, bastava uma simples declaração.

Entre as restrições estabelecidas estão ainda a proibição do transporte de arma municiada por parte dos CACs, a prática de tiro desportivo por menores de 18 anos e a redução de seis para três a quantidade de armas para o cidadão comum, entre outras. Fica também determinado o recadastramento no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal, de todas as armas adquiridas a partir da edição do decreto n° 9.785, de 2019. O prazo para o recadastramento é de 60 dias.

“Após quatro anos de caos normativo, descontrole na circulação e no comércio de armas e munições e de incentivo por parte de altas autoridades da República ao armamento da população, é com entusiasmo que vemos o novo governo federal pautar suas ações tendo como norte a segurança e o bem-estar da população brasileira”, dizem os dois institutos.

O decreto ainda cria um grupo de trabalho que terá 60 dias para apresentar uma proposta de nova regulamentação do Estatuto do Desarmamento. A medida também é elogiada pelas entidades, para quem o ato é apenas o primeiro passo para garantir a segurança e paz da população brasileira. “Seu caráter inaugural se reveste de grande simbolismo na esperança de que o governo que começa possa enfrentar os muitos desafios existentes, seja no controle de armas e munições, seja nas políticas de segurança pública que o Brasil necessita com urgência”, comenta a nota.

Sinal importante

Pesquisadora do Instituto Sou da Paz, Beatriz Graeff vê com bastante otimismo a publicação do decreto logo no primeiro dia de governo. Ela considera a medida uma importante sinalização da centralidade do tema na nova gestão, considerando que os efeitos da política de facilitação e estímulo à circulação de armas são preocupantes no médio e no longo prazo.

“O decreto tem o objetivo de estancar a corrida armamentista que a gente viu acontecer nos últimos anos. Então ele faz essa pausa e restabelece alguma regras importantes”, afirma.

Beatriz enfatiza que o porte com armas carregadas pelos CAC era, na prática, um porte disfarçado criado pelo governo Bolsonaro e que possibilitava haver um número muito grande de pessoas com armas sem nenhum tipo de controle e fiscalização. A partir de agora, os deslocamentos entre suas casas e os locais de prática de tiro ou de caça voltam a ser feitos com a arma desmuniciada e com guia de trânsito.

“É muito positivo começar dessa maneira. E é positivo também a criação desse grupo de trabalho para que essas medidas possam ser aprofundadas, para não apenas estancar a facilitação do acesso à arma que ocorreu nos últimos anos, mas para fortalecer os mecanismos de controle e fiscalização para que, de fato, a gente tenha uma política de controle responsável de armas no País”, analisa, citando pesquisas que indicam que mais de 70% dos homicídios cometidos no Brasil são praticados com armas de fogo. “A gente sabe que reduzir e controlar a circulação de arma de fogo é um fator que promove segurança”, enfatiza.

Beatriz acredita que o grupo de trabalho instituído pelo novo governo tem o desafio de fortalecer a estrutura de controle e fiscalização, aumentar as atribuições da Polícia Federal no controle dos bancos de dados e registro de armas para que essa informação possa fortalecer as investigações e o combate ao crime organizado, que nos últimos anos se beneficiou da flexibilização nas regras de aquisição de armas. “A gente viu muitos casos de armas legais migrando para o crime organizado.”

A pesquisadora ainda pondera que a violência letal não atinge a população de maneira igualitária e que há grupos que são mais atingidos. Nos últimos anos, houve crescimento de feminicídios, além dos homicídios que afetam de maneira desproporcional o jovem negro nas periferias do País. Por isso, ela sustenta, equacionar a questão do controle de armas impacta diretamente na população mais vulnerável.

Os destaques do novo decreto são:

  • Suspende temporariamente a venda de armas e munições de uso restrito até que seja publicada nova regulamentação específica sobre o tema;
     
  • Põe fim ao porte municiado para CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), o que faz com que os deslocamentos entre suas casas e os locais de prática de tiro ou de caça voltem a ser feitos com a arma desmuniciada e com guia de trânsito;
     
  • Reduz o limite de armas de uso permitido para três e as munições a 50 unidades por arma por ano para os registros de defesa pessoal;
     
  • Reduz o limite de compra de munições de calibres de uso permitido para caçadores e atiradores de 5 mil para 600 munições por ano por arma de calibre permitido;
     
  • Restabelece a necessidade de comprovação da efetiva necessidade, e não apenas sua declaração como um dos requisitos para obter a licença para defesa pessoal;
     
  • Reforça exigências de segurança com a cautela e manuseio dessas armas, exigindo declaração de possuir local seguro para armazenamento e incluindo a segurança como tema obrigatório nos cursos de aptidão;
     
  • Demanda o recadastramento de todas as armas adquiridas entre maio de 2019 e 2022 em 60 dias junto à Polícia Federal. Esse item é considerado importante para atualizar o cadastro de armas, visto que o período de renovação havia sido estendido para 10 anos, assim como para compartilhar os registros de CACs com a Polícia Federal;
     
  • Restabelece o prazo de 5 anos de validade para registros de armas junto à Polícia Federal;
     
  • Institui Grupo de Trabalho com participação de diversos órgãos públicos e da sociedade civil, sob coordenação do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para apresentar nova regulamentação sobre os demais itens da política de controle de armas no prazo total de 90 dias.
     

Edição: Sul 21