O cerne da operação de guerra interna vivida no Brasil está no Partido Militar
Este breve artigo dá início a uma série onde intentarei abordar temas estruturantes e desafios deixados pelo desgoverno da extrema direita. Reconheço ser quase impossível esgotar o tema e também admito ser mais fácil a predição daquilo que deveria ser feito do que efetivamente pode ser implementado como efetivo ato de governo. Por fim, entendo que estamos diante de certo estranhamento, pois as posições deste que escreve, embora visem ser o mais realistas e concretas o possível, têm um prisma e paradigmas políticos à esquerda do consenso social-democrata operando como catalisador democrático no Brasil. Dito isso, iniciemos o texto como antessala dos demais.
Se fizermos uma listagem daquilo que foi estratégico para o avanço reacionário no país e as consequentes modificações imediatas a serem realizadas, diria que o cerne da operação de guerra interna vivida no Brasil está no Partido Militar. Ao contrário do apontado (normativamente diria) nos estudos consagrados na primeira década do século XXI, a inclinação da maior parte dos oficiais generais das três forças é antes para assegurar suas condições de privilégio castrense e num segundo momento, muito distante (quiçá quase imaginário), operar como força de defesa dos interesses do país.
O avanço da operação de Lawfare ocorrido no Brasil foi concomitante com o projeto político do alto comando da força terrestre, culminando com a ameaça do então comandante em chefe do Exército brasileiro, general Eduardo Villas-Bôas ao STF, em 2018. Logo, desmontar as capacidades de desestabilização desta burocracia armada é um objetivo estratégico e permanente. Uma linha de tipo “opção avestruz”, como a realizada por JK diante das rebeliões da direita da FAB durante seu governo só aumenta o poder dos insubordinados.
Outra bomba relógio permanente está na armadilha da política econômica sequestrada pelo poder da especulação financeira e o debate da nova âncora fiscal. Diria que, sem nenhum exagero, a aberração fiscalista da PEC do “teto dos gastos” foi o objetivo estratégico do golpe jurídico-parlamentar de 2016 e a maior das heranças malditas do não-governo de Michel Temer e seus asseclas.
Logo, a criação de um novo consenso que supere o consentimento forçado dos operadores de mercado de títulos da dívida pública e das mesas de câmbio é um vetor fundamental. Se a extrema direita soube operar como fonte de desinformação através do uso manipulado das redes sociais, é no debate “econômico” que a Faria Lima já sai ganhando de 3 X 0, com o juiz comprado e a torcida contra. Me refiro evidentemente ao agendamento midiático das redações – todas – disputando quem defende com mais veemência absurdos como a comparação de um Estado com uma dona de casa em compras no supermercado ou obscenidades intelectuais como a defesa de que “não se pode gastar mais do arrecadado”.
Admito que o debruçar-se sobre ambos temas necessita de mais espaço e fôlego do que um brevíssimo artigo e desde já me comprometo com a tarefa. Vinculando ao assunto acima, um dos vetores permanentes da penetração social das ideias de câmbio é o fortalecimento de uma sociedade ativa e altiva, que não esteja a reboque dos governos de turno e possa operar como força social de modo a empurrar para a esquerda a social-democracia hegemônica. Deste modo, uma política de distribuição de verbas publicitárias oriundas dos três níveis de governo e a materialização do Capítulo 5 da Constituição Federal dando condições para a plena existência dos três sistemas complementares de mídia são – ou deveriam ser – alvos de atenção permanente do novo governo.
Para não me alongar no primeiro texto de uma série, completo a lista das emergências com o tema da Petrobrás. É urgente reverter o processo de privatização da empresa, renacionalizar todos os ativos possíveis e acabar com o famigerado PPI. O tal “plano de paridades de preços internacionais” é uma aberração entreguista e aumenta a vulnerabilidade do país diante de eventos externos e ataques especulativos. Dentro deste cenário de desmonte do complexo óleo, gás e derivados, o pilar de nossa atual insegurança energética é o preço do diesel, considerando a venda de refinarias produtoras e o aumento da importação. Dado que o Brasil depende do diesel para a formação de preços e o crime de lesa sociedade com o quase extermínio dos estoques reguladores e o sistema nacional de abastecimento, o diesel incide diretamente no preço de alimentos e na insegurança alimentar que fez o Brasil retornar ao mapa da fome.
A lista de problemas passíveis de solução é grande e dificilmente um jogo de ganha ganha como nos dois governos de Lula e o primeiro de Dilma vai bastar como via de entendimento e pacto social. Se exercitarmos a comparação histórica, é como se do golpe de 1954 e o suicídio de Getúlio tivéssemos passado para um governo do Manifesto dos Coroneis em condomínio com o pior da UDN. Não é fácil se livrar dessa presença nefasta, mas o tamanho da insanidade dos atos bolsonaristas é proporcional aos intuitos mercenários e de auto-preservação de suas lideranças. As oligarquias políticas do “Centrão” sempre buscam sobreviver agarrando-se a nacos ou parcelas do Poder Executivo ou do orçamento da União e em 2023 não será diferente.
O fiel da balança pode ser tanto a habilidade política do presidente Lula como a pressão social para expurgar o protofascismo do aparelho de Estado assim como o neoliberalismo obtuso das nossas relações econômicas e condições materiais de vida. Evidentemente me inclino para a segunda linha – mais conflitiva com os predadores do Brasil – sem negar os dados de realidade aqui citados.
Esta série de artigos e debate para “exorcizar o trumpismo tropical” inicia com o presente texto.
* Este artigo foi originalmente publicado no blog Estratégia e Análise.
Blog: www.estrategiaeanaliseblog.com / facebook.com/estrategiaeanaliseoficial
Twitter: twitter.com/estanalise / YouTube: Estratégia e Análise Blog
Telegram: t.me/estrategiaeanalise
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira