Rio Grande do Sul

Risco de calote

Terceirizadas da educação estadual lutam na Justiça por seus salários antes do fim do ano

Mediação no TRT terá nova audiência na quinta (29); Benetton traz afirmações que não têm respaldo na realidade

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Empresa Benetton chamou atenção nessa semana por envolver as trabalhadoras em uma confusão ao apresentar uma versão dos fatos que não se sustenta - Foto: Christofer Dalla Lana

Uma nova audiência na Justiça do Trabalho tenta resolver a situação do não pagamento de salários e benefícios de trabalhadoras terceirizadas da educação estadual. Em sua maioria, as trabalhadoras atuam como merendeiras de escolas.

Segundo informou Adriana da Cunha, representando a Associação Terceirizados Unidos, uma nova audiência na Justiça do Trabalho ficou agendada para quinta-feira (29). É quando a empresa Benetton deverá apresentar seus cálculos e uma proposta a ser avaliada pelas trabalhadoras.

A representante da associação das terceirizadas acredita que as trabalhadoras já deram um bom prazo para as empresas se manifestarem. "Elas fazem o que querem, somem e aparecem na hora em que bem entendem", afirmou sobre as empresas.

Apesar de não ser a única empresa terceirizada que apresenta problemas quanto aos pagamentos, a Benetton chamou atenção nessa semana por envolver as trabalhadoras em uma confusão ao apresentar uma versão dos fatos que não se sustenta.

Adriana da Cunha informou que a Benetton entrou com uma solicitação de dissídio, pois as trabalhadoras estariam realizando uma greve, algo que não se confirma. "Elas apenas realizaram uma manifestação, pelo não pagamento dos vales transporte e alimentação e a falta de metade do salário de novembro", explicou.

Benetton mandou trabalhadoras abandonarem os locais de trabalho

Na semana anterior à audiência, representantes da Benetton entraram em contato com as trabalhadoras através de grupos de Whatsapp, ordenando que elas se retirassem dos locais de trabalho, pois a Secretaria de Educação (Seduc) não estaria pagando os valores devidos.

Conforme demonstram áudios anexados ao processo N° 0037841 - 27.2022.5.04.0000, um supervisor da Benetton afirma ter recebido uma ordem da direção da empresa. "É para todas as merendeiras e merendeiros se retirarem das escolas. Avisem as diretoras e se retirem. O motivo é que a Seduc não pagou e não vai pagar a empresa", afirmou.

Além disso, o supervisor coloca parte da culpa nas diretoras das escolas, afirmando que existem erros em documentações, e completa: "É pra todo mundo se retirar das escolas e esperar até segunda ordem que iremos comunicar".

Diretor da Benetton fala que "Seduc sentiu o impacto"

Ainda no mesmo processo, há um segundo áudio atribuído a um diretor da Benetton, nomeado Luiz Augusto França. Ele tenta corrigir a ordem dada pelo supervisor, dizendo que a retirada das escolas não seria um protesto e sim "uma questão da consciência de cada funcionário".

Porém, ele afirma literalmente que a Seduc teria sido impactada. "Nós demos uma mensagem impactante para a Secretaria, para eles entenderem que a empresa não se assusta com multas. Pra multar não é assim", disse.

Ou seja, a empresa que mandou as trabalhadoras abandonarem seus locais de trabalho afirma na Justiça do Trabalho que essas trabalhadoras entraram em greve.

Ordem de retirada das escolas gerou "desespero" entre terceirizadas

Adriana da Cunha afirma que a ordem enviada para as trabalhadoras gerou confusão. "Eles disseram que tinham problemas nos atestes e disseram para as trabalhadoras que se retirassem das escolas, não explicaram o porquê. Gerou um desespero", relatou.

Ainda nos áudios anexados ao processo, o diretor da Benetton afirmou que a ordem de retirada das escolas foi feita para "estancar um prejuízo maior, evitar que se tenha um gasto do próprio bolso".

A frase porém, não encontra respaldo na realidade, visto que o vale-transporte é uma obrigação da empresa contratada, o que não está sendo pago, segundo afirmam as trabalhadoras. No áudio, o diretor afirma que o comparecimento às escolas seria o cumprimento de um "capricho" das diretoras de escolas.  

O Brasil de Fato RS questionou a Seduc sobre a validade das afirmações e se é verdade que a Secretaria não realizou e nem irá realizar os pagamentos para a empresa terceirizada. Também foi questionado se a Secretaria tem alguma declaração sobre a fala do diretor. Até o fechamento da reportagem, não havia sido dada resposta.

Professora afirma que empresa está usando as trabalhadoras

Conforme afirma a professora Neiva Lazzarotto, diretora do 39° Núcleo do Cpers-Sindicato, que representa trabalhadores da educação pública estadual, a empresa está se utilizando das trabalhadoras para pressionar a Secretaria de Educação.

O depoimento da professora atesta a versão das trabalhadoras, no sentido da inexistência de greve. Matérias publicadas pelo Brasil de Fato RS durante o mês de dezembro também confirmam que as trabalhadoras terceirizadas realizaram, na verdade, manifestações pelos valores não recebidos.

Em depoimento ao juiz do trabalho Ricardo Hofmeister, Neiva reiterou a inexistência da greve, afirmando que o acontecido foi, na verdade, um locaute, ou seja, uma greve de empregadores. O termo "loucaute", deriva do termo em inglês "lock out", utilizado quando os patrões impedem os empregados de trabalhar.

A professora recorda que o trabalho realizado pelas merendeiras é essencial para as escolas, de forma que o Núcleo em que é diretora prontamente tem acompanhado o caso. Afirma ainda haver uma "queda de braço entre a Seduc e a empresa".

Benetton deve receber pelo menos R$ 400 mil mensais do estado até o fim de 2023

Uma consulta ao Diário Oficial do Estado do RS demonstra que a Benetton celebrou outros cinco contratos para o fornecimento de serviços somente em dezembro de 2022. Apenas três contratos assinados somente neste mês somarão cerca de R$ 400 mil mensais pagos à Benetton, pelo próximos 12 meses, o que totalizará R$ 4,8 milhões de dinheiro público até o fim de 2023.

Além destes, um contrato assinado a partir de dispensa de licitação acertou a "prestação de serviços continuados" auxiliares no Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF), num total de 127 postos de trabalho.

Um dos contratos estabeleceu a contratação de cozinheiros e auxiliares de cozinha, técnico de Nutrição, supervisor e despenseiro para o Hospital Psiquiátrico São Pedro, pelo prazo de 12 meses, ao valor de aproximadamente R$ 152 mil por mês.

A Benetton também ficará responsável pela contratados de 55 cuidadores em saúde para os Residenciais Terapêuticos do Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre e Viamão, ao preço mensal de também R$ 152 mil mensais, durante 12 meses. Ainda, a Benetton foi contratada para a prestação de serviço de mão de obra no Hospital Colônia Itapuã, pelo prazo de um ano, ao custo de R$ 96 mil mensais.


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Edição: Marcelo Ferreira