Rio Grande do Sul

Coluna

Carta pedagógica de Natal

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"Jesus multiplicou o pão e o peixe, como fazem hoje os Comitês Populares contra a Fome, as Cozinhas Comunitárias e Solidárias, que juntam o pouco que todo mundo tem e pode doar, e alimentam quem está com fome nas ruas e nas periferias" - Divulgação/MTST
Eu quero ser como tu, querido Jesus: gente, humano, povo

Meu querido Jesus

A gente nasce, renasce todos os dias. Às vezes, ou muitas vezes, não é fácil, como nesses tempos de hoje no Brasil e no mundo. Como celebraremos teu nascimento e renascimento nos próximos dias, tomei a iniciativa de, à la Paulo Freire, educador popular e cristão, te escrever esta Carta Pedagógica.

Nasceste numa estrebaria, porque não te aceitaram, ou disseram que não tinha lugar numa hospedaria em Belém para tua mãe Maria e teu pai José. Vocês vinham de Nazaré, pobres, ele carpinteiro, ela mulher do povo, fazer o recenseamento determinado pelo poder de então. Assim, nasceste entre vacas, bois e ovelhas, o que é, ou acabou sendo, de alguma maneira, ou todas as maneiras, bem de acordo com tua vida, tua mensagem, tua Boa Nova. Os pastores, trabalhadoras e trabalhadores que estavam nos campos te encontraram/ descobriram em primeiro lugar. Nascido numa estrebaria, a primeira visita e agrado só podia ser de quem trabalha e vive do suor do seu rosto.

Tempos depois, quando a multidão estava contigo no deserto e com fome, disseste a quem te acompanhava que buscassem tudo de comida que todo mundo tinha e o repartissem. E pediste para que se organizassem em grupos de 50 ou 100. Falaram que só tinham cinco pães e dois peixes. Ao final, todo mundo alimentado, ainda sobraram doze cestos cheios, fruto da partilha solidária. Como fazem hoje os Comitês Populares contra a Fome, as Cozinhas Comunitárias e Solidárias, que juntam o pouco que todo mundo tem e pode doar, e alimentam quem está com fome nas ruas e nas periferias.

Foste perseguido, e acabaste crucificado ao lado de dois ladrões, porque sempre estavas do lado dos pobres, dos que não eram bem-vistos pelo poder de plantão do seu tempo, dos que não eram aceitos e considerados pela sociedade de então.

Contrário às regras e leis sem sentido, disseste que era para colher espigas e trigo, o necessário alimento, no sábado, dia sagrado, o que era contra todas as regras e leis pregadas pelos Sacerdotes e fariseus. E curaste um doente na sinagoga no sábado, o que também era proibido. Para ti, a vida estava, sempre, em primeiro lugar.

Os poderosos do tempo não só não te entenderam, como sempre te rejeitaram, por seres livre e justo. Eras um perigo permanente para sua hipocrisia, para sua incapacidade de entender o novo e abrir o coração, com tua pregação do amor e tua prática da justiça e da igualdade entre todas e todos, sem distinção de nenhuma espécie.

Expulsaste do templo, sem pestanejar, os mercadores, os vendilhões, os que lucravam e enriqueciam com a religião, os que faziam das casas de oração locais de negócio e de lucro.

Sempre e acima de tudo espalhaste o amor a quem viesse te procurar, a quem quisesse falar contigo, a quem precisasse da tua mão, voz e palavra carinhosas, do teu poder misericordioso.

Sempre escutavas o grito, seja de quem fosse, especialmente de prostitutas, pescadores, samaritanas e samaritanos, doentes do corpo e da alma, pecadores, mulheres, enfim todas e todos as/os rejeitados/as, excluídas e excluídos pelo poder, sistema religioso e estruturas do teu tempo.

Cuidavas dos pobres, dos fracos e da Casa Comum, que jamais podiam ficar em segundo lugar ou esquecidos nos desvãos da história.

Quem, igual tu, sendo Mestre, lava humildemente os pés dos seus discípulos, de quem e com quem anda no cotidiano?

Sempre soubeste e quiseste participar de todas as festas para as quais eras convidado, comendo do que ofereciam e bebendo vinho, mais ainda quando estavas junto dos fracos e oprimidos. Mas também não recusavas estar ao lado e na casa dos poderosos, para dizer-lhes a verdade, pedir-lhes que distribuíssem seus bens e riquezas se quisessem seguir tua palavra e tua proposta de vida, de mundo e de Reino.

Espalhavas o amor onde e com quem estivesses, sem discriminações, sem ódio, sem intolerância, sem preconceitos. Amar e ser amado, não ter medo de amar, amar o próximo como a si mesmo como mandamento maior.

Eras sempre humilde, abraçavas quem se aproximasse, reunias quem estava contigo ao redor da mesa para celebrar, dividias tua vida, teu saber, tua bondade.

Foste profeta no teu tempo e na tua realidade. E pagaste caro por isso. Muito caro. Mas nunca recuaste, nem escondeste o que poderia te acontecer a quem andava contigo. Anunciaste que os poderosos não mais deixariam livre tua pregação, tua mobilização do povo, a construção de um tempo em que todas e todos fossem irmãs e irmãos, sem diferenças, nem de raça, nem de sexo, nem de origem, nem de quantidade de bens, nem de pensamento.

Eu quero ser como tu, querido Jesus: gente, humano, povo. Esforço-me todos os dias, a vida inteira para ser solidário, para repartir, especialmente pão e vinho, distribuir abraços, palavras, sonhos, e a utopia do Reino. Que teu nascimento e renascimento sejam meu nascimento e renascimento, e de quem mais quiser ser e viver como tu.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko