Estamos cansadas de ser silenciadas é por isso que “Teresa decide falar”
As mulheres, Cis e trans, as lésbikas, as dissidentes, as negras, as indígenas, as precarizadas precisamos estar em todas partes. O patriarcado capitalista tem nos apagado, corrido, tirado da história e se apropriado por milênios de nossas vozes. Nem sempre das nossas corpas. Precisamos estar em todas partes para falar e escreVer e mostrar o nosso (outro) lado.
Eles dizem que todas as histórias já foram contadas.
E nós? O que dizemos? Que estamos com sede e cheias de palavras.
Como diz a Professora Constância Lima Duarte, chega de memoricídio! Nós insistimos e estamos aqui para contá-lo. É hora de reparAção.
Com essa força toda chega com seu mais recente livro a autora maranhense Lindevania Martins, porque estamos cansadas de ser silenciadas é por isso que “Teresa decide falar”. Livro de contos que ganhou o VI Prêmio Nacional de Literatura. Aqui, falam até as éguas! Que metáfora poderosa, mostrando quanto o patriarcado deseja silenciar não só as mulheres, mas também denuncia o maltrato a todas as fêmeas viventes.
Podemos dizer que o potencial de denúncia da poeta e prosadora, já se encontrava no seu livro “Zona de desconforto”, Benfazeja, 2018, como uma amostra. E não só amostra, naquele ano, quando Lindevania fez o lançamento em Porto Alegre, gerou-se um belo e desconfortante debate durante a roda de conversa. Nem os salgadinhos nem o vinho oferecidos puderam acalmar a fúria de um homem branco sentindo que perdia o seu espaço de conforto e segurança neste novo normal que chegou para ficar.
A diferença entre feminismo e machismo é nítida. O machismo precisa de uma zona de conforto exclusiva para eles. Deixando as mulheres submetidas a trabalhos invisíveis e não remunerados como limpar e cuidar da casa, criar a prole, não ter ideias próprias, nem falar muito alto. Isso tudo, pasmem!, também pactuado dentro de um casamento heterossexual e monogâmico, assinado com contrato perante o Estado e igrejas.
O feminismo é questionador desse sistema e quer romper com a exclusividade, não com as pessoas. Faz muitos anos que se fala em feminismos, no plural. Aquele com o qual eu me identifico, não luta por igualdade. Demoraríamos quantos anos de retrocesso tendo que sair a matar e a estuprar diariamente a quantos homens? Só de imaginar que o 190 chega a receber uma denúncia por minuto... Não. Não queremos igualdade, lutamos por consciência, por mudanças, por outra humanidade possível na qual não exista esse jogo de poder. Por isso, o feminismo só pode ser antirracista, com consciência de classe, a favor das sexualidades livres e gozosas com consentimento de todas as partes.
Voltando ao livro, esta é a sensação com a que a gente fica depois de ler quem foi Teresa e por que finalmente decide falar.
Agora, queria trazer outra Tereza, desta vez com “z”. Ela também decidiu falar e romper um silêncio. Acontece no livro “Mulheres esquecidas”, da psicanalista e também nova escritora desta coluna : Rosane Pereira. Um dia Tereza vê a Júlia passando fome e frio. Acaba convidando à forasteira a entrar na sua casa. Esse é o início de uma relação feminista de cuidados – que irá crescendo − frente a uma sociedade capitalista que tenta erguer muros entre quem fica do lado de dentro e quem fica do lado de fora. E nos perguntando quantas paredes e muros invisíveis traça tempo todo a sociedade, inclusive, entre nós, “iguais”, muitas vezes deixando uma linha extremadamente tênue entre cada um dos lados.
Estamos no mês de dezembro, a poucos dias de natal. Que melhor presente, para as pessoas que amamos, oferecer livros livres? Precisamos estar em todas partes, também, nos mimos de fim de ano, fazendo um presente continuo durante o ano inteiro.
Fica a dica : Teresa decide falar, Lindevania Martins, Editora Cepe, 2022.
Memorial do Memoricídio, escritoras brasileiras esquecidas pela história. Organização: Constância Lima Duarte, editora Luas, 2022.
Mulheres esquecidas, Rosane Pereira, editora Bestiário, 2022.
* mariam pessah : ARTivista feminista, escritora e poeta, autora de “Em breve tudo se desacomodará”, 2022. Organizadora do Sarau das minas/Porto Alegre.
** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko