Os povos da pátria sojeira devemos, juntos, alterar o modelo de agro que vem destruindo o futuro
Participando de espaço para discussão sobre “Consequências dos Agrotóxicos à Saúde Humana e à Natureza e uma abordagem de Vigilância à Saúde”, no III Seminário Internacional Viva sem Veneno Fortalecendo a Agroecologia, não é fácil bloquear a consciência e falar de futebol.
Afinal, programação é intensa, os expositores são de enorme densidade e conteúdo, em suas especialidades. E o tema não poderia ser mais atual. Se trata da saúde das pessoas, dos ecossistemas, da sociabilidade, da economia e, sem exagero, da vida em si. E os argumentos ali esmiuçados são irrefutáveis. Precisamos expandir o acesso dos povos aos conhecimentos disponíveis, e cobrar ações consequentes, dos governos, em relação ao que se passa no mundo deste agro que nos degrada como civilização enquanto acelera o processo de aquecimento global.
Mas neste momento da Copa do Mundo, e isso especialmente para quem jogou bola na juventude (mal ou bem, tanto faz), é difícil não pensar em futebol. Afinal, nesta sexta, Brasil e Croácia, Argentina e Holanda prometem ser jogos de grande qualidade, com possibilidades de desdobramentos que vão além dos 90, ou 120 minutos, ou isso mais a decisão em pênaltis, doa a quem doer.
E por isso, se não apenas aqueles quatro países, pelo menos os dois da América Latina vão parar, esquecendo todos seus problemas, tragédias e desafios, para assistir as partidas.
Pensem aí: Uma vitória nesta Copa e teremos gigantesca explosão de uma festa há muito reprimida, tanto lá como cá. E isso há de colocar o país vencedor na crista de uma onda de otimismo, colaborando para o sucesso dos projetos de qualquer governo progressista. Vale para o Brasil e para a Argentina (também para a Croácia e Holanda, mas isso já seria coisa deles o que aqui equivaleria a apostar na zebra).
E se nesta vibe, nos dividimos, eu fico com a turma que está disposta a vestir amarelo e minimizar a sensação de nojo que acompanha o pensamento de que, com o Brasil ganhando a Copa, teremos Neymar entregando a taça na mão do Bolsonaro, e quem sabe até aqueles dois fazendo arminha botando pilha nos doidos que além de pedir golpe com ajuda de marcianos e generais de pijama, a cada dia repetem que a ditadura chegará a trote de bode, nas próximas 72 horas.
Mas isso é coisa para se ver depois. Nesta sexta vale aquela imagem da pátria de chuteiras, e vamos sair do seminário ou de onde estivermos, para algum boteco com TV, esquecendo que o agronegócio, com seus agrotóxicos e transgênicos, envenena nossos solos, águas e corpos, e que com certeza se prepara para expandir sua prática rotineira, de chantagear a todos os governos da América Latina em 2023.
Aliás, é o mesmo agronegócio que vem trocando discursos para manter a concentração de terras e poderes nas mãos do capital, contra o trabalho, desde a chegada das caravelas. O mesmo agronegócio que trocando o chicote por tecnologias mais vistosas, mas não menos brutais, fortalece práticas de racismo, discriminação e todo tipo de crime que nos são vendidos como consequências do progresso. O mesmo agronegócio que insatisfeito com a homogeneização de biomas, apagando povos e culturas, se diverte em alardear que é pop, enquanto provoca os mesmos tipos de câncer e deformações genéticas nos brasileiros, argentinos, uruguaios, bolivianos e paraguaios que habitam esta grande pátria sojeira.
Pois bem, argumentos desenvolvidos no Seminário (vejam lá no site do MPT PR) apontam que a identidade que nos uniformiza na tragédia colossal da fome, da miséria, da expropriação de tudo que nos caracteriza como humanos plenos de direitos, e que vem ocorrendo em favor dos interesses daquele modelo de agro predador, é motivo mais do que suficiente para nos unir.
E, se os jogos desta sexta podem determinar um confronto Brasil X Argentina na próxima semana, reacendendo disputas infantis que nos separam, de momento isso não vem ao caso.
Nesta virada de ano, o que nos aproxima, como povos da pátria sojeira, há de ser mais forte. A submissão abjeta a que somos relegados, como povos submetidos aos interesses do agronegócio predador, precisará com certeza ser enfrentada e superada. Mas podemos esperar mais algumas semanas para estabelecer maneiras de fazê-lo.
Por hora, e para finalizar, adianto aqui uma das conclusões do III Seminário: nossos países não terão sucesso enfrentando isoladamente as transnacionais que nos tutelam e dominam. O choque isolado contra as razões dos dramas observados em cada país resultará inócuo e insuficiente para qualquer perspectiva de sucesso.
Precisaremos de uma estratégia de ação coordenada envolvendo todos do nosso grupo, como aconteceu naquele primeiro tempo do último jogo do Brasil. E precisamos que Lula, como um Messi, com sua capacidade e liderança, chame à razão e motive a cada um dos responsáveis por cada quadrado de território em disputa.
Os povos da pátria sojeira devemos, juntos, alterar o modelo de agro que vem destruindo nossas possibilidades de futuro e que hoje impede qualquer perspectiva de sucesso no enfrentamento das tragédias resultantes do aquecimento global.
Mas faremos isso, e mais, depois dos jogos desta sexta.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko