O ano de 2022 ainda não acabou e já registra uma triste realidade no tocante à violência contra as mulheres. De acordo com a Lupa Feminista, até o momento o estado do Rio Grande do Sul já registrou 95 feminicídios. Além disso, o estado tem 41.621 situações de agressão doméstica, incluindo ameaça, lesão corporal e estupro.
Com o intuito de debater esse cenário e as questões que a envolvem como rede de proteção, falta de recursos, entidades como o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Comdim), Themis e Levante Feminista contra o Feminicídio realizarão nesta quarta-feira (7) e quinta-feira (8) ações na rua e debates. As atividades fazem parte da programação dos 21 Dias de Ativismo Pelo Fim da Violência Contra as Mulheres.
A ONU – Organização das Nações Unidas convocou as nações do mundo para discutir as questões da violência contra as mulheres, criando uma campanha global anual. Surge a campanha conhecida 16 Dias de Ativismo, com início em 25/novembro – Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, e terminando no dia 10/dezembro – Dia dos Direitos Humanos.
No Brasil, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça instituiu a campanha com início em 20/novembro – Dia da Consciência Negra, terminando, também, no dia 10/dezembro – Dia dos Direitos Humanos.
Neste ano, a ONU Brasil lançou a campanha “Una-se pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, que convida o país a construir uma sociedade onde mulheres e meninas possam viver suas vidas livres de violência e de discriminação. Dando visibilidade ao trabalho das mulheres defensoras de direitos humanos, a campanha demonstra, na prática, a importância do ativismo e as transformações sociais positivas que mulheres ativistas proporcionaram ao país.
Feminicídios crescem no país
De 2012 até o dia 31 de outubro de 2022, 1.022 mulheres foram assassinadas pelo fato de serem mulheres (SSP/RS). A cada 3,17 dias, uma mulher é vítima fatal por razões de gênero. Em 2021, computados os transfeminicídios, foram 99 mortes. Esse ano, a estimativa que esse número seja ultrapassado, uma vez que, de acordo com dados da Lupa, o RS já registra 95 casos.
O combate para o enfrentamento da violência contra as mulheres encontra um grande empecilho. Fora o desmonte da rede de proteção, os recursos advindos do poder Executivo também preocupam. Divulgado em setembro deste ano, o levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) expôs que o governo federal, na gestão de Jair Bolsonaro, propôs no Orçamento da União 94% menos para políticas de combate à violência contra a mulher em comparação com os quatro anos anteriores.
Em âmbito estadual essa realidade é refletida. De acordo com o relatório da Força-Tarefa de Combate aos Feminicídios do RS, entre 2014 e 2021, os recursos para políticas públicas de combate ao enfrentamento à violência contra a mulher no estado foram reduzidos em mais de 90%.
As entidades que promoverão as ações afirmam que o objetivo, para além de trazer os respectivos diagnósticos, é sensibilizar e mobilizar toda sociedade para essa situação que exige enfrentamento sério e articulação de todos os setores como governo, sociedade civil, ONGs, entre outros. “Além disso, cobrar ação efetiva dos governantes que são os responsáveis pela implementação das políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres e feminicídio”, destaca a psicóloga, mestre em Psicologia, coordenadora da Lupa Feminista contra o Feminicídio, Thaís Pereira Siqueira.
Confira as atividades
COMDIM organiza Roda de Conversa sobre a Rede de Proteção
O primeiro debate será promovido pelo Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (COMDIM), em parceria com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, especialmente com a Coordenadoria dos Direitos da Mulher, nesta quarta-feira (7), das 9h às 17h, no Largo Zumbi dos Palmares. Das 10h às 15h é o período destinado para os serviços.
“O objetivo da atividade é reunir a Rede de Proteção à Mulher de Porto Alegre, com oferta de serviços à Comunidade, a fim de poder promover e conscientizar a população sobre os diferentes tipos de agressões contra meninas e mulheres bem como a importante divulgação dos serviços da Rede de Apoio e a forma de buscar ajuda”, explica a presidente do Conselho, Renata Gabert de Souza.
Segundo ela, diante do crescimento dos casos de violência e dos feminicídios, o COMDIM e a Coordenadoria dos Direitos da Mulher da Secretaria SMDS entendem que as parcerias entre as ações governamentais e o Conselho é de fundamental importância para alcançarmos o objetivo primordial que é a redução da violência.
Themis lança Mapeamento e diagnóstico interseccional
Já na quinta-feira (8), pela manhã, a Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos lançará o relatório Mapeamento e diagnóstico interseccional dos serviços públicos de atenção às mulheres em situação de violência no contexto da pandemia da covid-19 a partir da percepção de Promotoras Legais Populares". O evento será online, às 10h. As inscrições devem ser realizadas em bit.ly/pesquisaplps. A data do lançamento foi escolhida para homenagear a PLP Jane Beatriz da Silva Nunes, falecida na porta de sua casa durante ação ilegal da Brigada Militar na Grande Cruzeiro, em Porto Alegre.
“O resultado aponta para a percepção geral de que a violência doméstica aumentou durante o período de pandemia entre os grupos de mulheres em maior vulnerabilidade. Também indica que essas mulheres procuraram muito pouco ou não procuraram os serviços da rede de atendimento, em razão dos obstáculos sociais e materiais que o uso de estratégias de atendimento em formato remoto impõe. Entre os serviços que mais fizeram falta estão as delegacias, as defensorias públicas e os centros de referência, sendo que, no caso destes últimos, a carência já era sentida antes mesmo desse período crítico”, destaca a diretora-executiva da Themis, Márcia Soares.
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Para o relatório foram criadas entrevistas semiestruturadas e pesquisa documental, que foram analisadas e organizadas em categorias. "Esperamos que a pesquisa possa oferecer subsídios para a melhoria dos serviços públicos de enfrentamento à violência contra as mulheres no país, bem como dar visibilidade ao trabalho e à atuação das Promotoras Legais Populares", afirma Márcia Soares.
Na semana passada a Themis entregou a Agenda de Direitos das Promotoras Legais Populares (PLPs) ao presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, Valdeci Oliveira. No documento a instituição propõe ações e políticas para transformar o quadro atual de crise e perda de direitos.
A entidade também realizará, nesta quarta-feira (7), o Seminário Termômetro da Violência contra as Mulheres, das 14h às 17h, no SESC Canoas (Rua Guilherme Schell, 5340, Centro).
Tanto o mapeamento quanto a agenda podem ser acessados aqui e aqui.
“Mortas, mas não esquecidas. Elas poderiam estar vivas?”
Com esta pergunta, a campanha nacional Levante Feminista Contra o Feminicídio no Rio Grande do Sul realiza, a partir das 14 horas, desta quinta, o evento “Pactuando o enfrentamento ao Feminicídio no RS”. O debate acontecerá no Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (Rua General Câmara, n° 424) - Centro - Porto Alegre.
“Desde 2021, a Campanha vem denunciando o aumento significativo de feminicídios no estado, não à toa o RS em 2021 foi o 3º estado com maiores índices de feminicídio, seguindo o mesmo caminho em 2022. Nós estamos denunciando o desmantelamento da rede há tempos. A motivação para as nossas ações é a vida das mulheres, que não são números, são vidas ceifadas que deixam pra trás seus sonhos, seus filhos, suas famílias, que são extremamente afetadas”, pontua Thaís Pereira Siqueira.
Conforme enfatiza, é preciso urgentemente de mais atenção aos feminicídios, "pois resultam da falha nas políticas públicas e no predomínio de uma visão de que o homem tem o direito de dispor da vida das mulheres, algo que confronta com os direitos humanos”, aponta.
Thais destaca o lançamento do Dossiê Feminicídios RS, ocorrido em maio deste ano em Audiência Pública, composto de dados, a situação das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres no RS, ações desenvolvidas e propostas para enfrentar a situação.
“Nesse momento de relançamento desse Dossiê, nós queremos para além de novamente visibilizar esses números absurdos de mulheres assassinadas por ser mulheres no estado, pactuar o enfrentamento efetivo à violência contra as mulheres e os feminicídios. Pensar junto com a sociedade civil, com os movimentos de mulheres, com parlamentares que assumiram o compromisso de enfrentar o feminicídio, lesbocídio e transfeminicídio com ações efetivas”, descreve, destacando que em breve será lançada uma versão atualizada.
A ativista ressalta que o debate pretende responder de forma coletiva se as mulheres assassinadas poderiam estar vivas a partir das seguintes questões: "Há uma tendência em relação aos feminicídios? Esses dados incluem mulheres trans? Quais características das mulheres assassinadas? Quais circunstâncias? Quais as situações agravantes? Tinham pedidos de ajuda? Obtiveram ajuda? Retiraram denúncias? Havia rede de atendimento nos municípios que foram assassinadas?”, expõe.
O evento terá como palestrantes a jornalista e pesquisadora Niara de Oliveira, integrante da Campanha, e finalista do Prêmio Jabuti pelo livro “Histórias de mortes matadas contadas feito morte morrida” (Drops Editora), a doutoranda em Sociologia, Suelen Aires Gonçalves, que apresentará as conclusões de sua pesquisa junto à PUCRS. E também a influencer digital Elisandra Carolina dos Santos (Movimento Inclusivass de Mulheres com Deficiência), integrante da coordenação nacional ao lado da jornalista Telia Negrão, e a Promotora Legal Popular, Fabiane Lara dos Santos (Themis).
A campanha Levante Contra o Feminicídio apresentará a todas as candidaturas que no último período eleitoral firmaram um compromisso de lutar pela causa no chamado à ação EU ASSUMO, e outras parcerias como a Força Tarefa contra os Feminicídios, propostas de estratégias, como a aplicação das Diretrizes Nacionais para o Feminicídio (ONU Mulheres e SPM/PR, 2016), recomposição da rede de atendimento às mulheres, expansão e melhoria de equipamentos dentro das normas técnicas e a acessibilidade, ações educativas, melhoria nos registros de violência contra a mulher e dos feminicídios, como preconiza a Lei Maria da Penha. Além da recomposição da Secretaria de Políticas para as Mulheres, do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher e de orçamento.
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Edição: Katia Marko