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Você não tem se esforçado o suficiente? Sobre a era coaching, o braço direito do neoliberalismo

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"Para o sucesso basta sustentar uma alta performance! Aliás, o que seria isso? Pisar ainda mais no acelerador buscando “vencer na vida”, na suposta ideia de que vivemos num campo de batalha?" - Reprodução
É você, leitor, que não tem trabalhado o seu potencial! É você que não tem reconfigurado seu mindset

Frases do tipo “seja a sua melhor versão”, “alcance resultados extraordinários”, “desperte o potencial infinito que existe dentro de você”, “turbine sua motivação”, “atinja uma alta performance em todas as áreas de sua vida” fazem parte da era coaching, o braço direito do neoliberalismo.

A questão é que nós somos efeitos de discurso, nos constituímos a partir da fala dos outros – pais, professores, televisão, propagandas, mídias sociais, etc. – e estas, muitas vezes, prescrevem e moldam determinadas formas de ser e existir. Constroem, dia a dia, uma suposta maneira “correta” de ver o mundo e nele viver.

Também é importante lembrar que o neoliberalismo, o sistema no qual vivemos, é uma política econômica onde o ser humano passa a ser visto, de uma forma bastante resumida, como uma mercadoria que tem duas utilidades: vender sua mão de obra e consumir produtos. Logo, o discurso social está atravessado por esse padrão.

Então a vida passa a funcionar numa certa lógica empresarial. Agora a empresa se chama “Você S.A.''. É preciso empreender, ser gestor de si próprio, se especializar o tempo inteiro, consumir cultura, alimentar a network - tudo se torna investimento em prol de um retorno financeiro!

Somos todos empresas. Quem dará mais lucro? Quem terá mais status na sociedade? Quem irá se destacar? Como confiar no outro se ele é o meu concorrente? E assim as relações tornam-se cada vez mais frágeis.

E o discurso coach, faz o quê? Opera, muitas vezes sem perceber, dentro desta mesma lógica. A metodologia coaching não questiona o modelo adoecedor da sociedade em que vivemos, ela atua na direção contrária e reforça o discurso neoliberal de que o problema é você!

É você, leitor, que não tem trabalhado o seu potencial! É você que não tem reconfigurado seu mindset. É você que não procura extraordinários cursos de reprogramação do DNA espiritual, que não se sujeita às “incríveis” sessões de constelação familiar onde descobrirá que o seu mal-estar é fruto de um suposto aborto espontâneo que a avó paterna não deu a devida atenção. E assim por diante… Independente do sintoma, não esqueça, o problema é você! 

É você que dorme enquanto eles trabalham. É você que não acorda às 6 da manhã, sai pra correr, faz seu suco detox e pensa positivo até as 22 horas quando volta pra casa exausto e toma seu ansiolítico para dormir e ter energia para repetir tudo no dia seguinte. É você que não se esforça o suficiente pra investir na bolsa de valores todos os meses e criar um mecanismo de “bola de neve” para ser milionário antes dos 30 anos. Foi você que não teve foco e determinação para que hoje pudesse ocupar o cargo de diretor executivo.

E desse jeito o sistema disfuncional, funciona. Cria-se um mito que reforça ainda mais o individualismo que vivemos, onde é “cada um por si”. Vamos! Mantenha o foco em você! Para o sucesso basta sustentar uma alta performance! Aliás, o que seria isso? Pisar ainda mais no acelerador buscando “vencer na vida”, na suposta ideia de que vivemos num campo de batalha? Ter orgulho de pertencer à sociedade do cansaço? De ser movido à café e ritalina?

E pelo discurso social o sistema que produz tanto adoecimento é purificado e idealizado. Vende-se a ideia de que não são as relações precarizadas de trabalho e a brutal desigualdade social que causam tanto sofrimento psíquico. É você que não dá o seu melhor, não é produtivo! E assim, a imensa maioria das pessoas fica com a eterna sensação de insuficiência, onde até poderiam ter uma “vida de sucesso”, mas não se esforçaram o suficiente.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko