Rio Grande do Sul

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Alejandro Brittes lança webdoc sobre gravação de disco de fusão entre Chamamé e música barroca

Álbum (L)ESTE resgata origens da musicalidade que nasceu do encontro entre povo Guarani e jesuítas no período colonial

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Músico argentino vive há quase 13 anos no Rio Grande do Sul - Foto: Eduardo Rocha

O acordeonista, compositor e pesquisador argentino que vive em Porto Alegre há quase 13 anos, Alejandro Brittes, lançou, em setembro deste ano, seu nono álbum, chamado (L)ESTE. O projeto traz a fusão entre a música popular e o erudito, mais precisamente entre o ritmo Chamamé e a música barroca antiga, a partir de uma profunda pesquisa sobre as origens da musicalidade que nasceu do encontro entre o povo Guarani e os jesuítas no período colonial. E agora este processo criativo vai se tornar um webdoc, em três episódios, que será lançado neste domingo (20) em seu canal no Youtube.

O Chamamé é um ritmo argentino, mas também gaúcho e de toda a região do Sul da América do Sul. “Estamos falando de uma macrorregião, porque quando falamos das reduções jesuíticas então estamos falando da Argentina, do Brasil, do Paraguai, do Uruguai, da Bolívia, é amplo”, afirma o músico.

O ritmo é a praia de Brittes, que o toca e pesquisa desde que era estudante de música em Buenos Aires. Em 2021, ao lado da historiadora e produtora cultural Magali de Rossi, ele lançou o livro “A origem do Chamamé: Uma história para ser contada”. (L)ESTE veio coroar essa trajetória de um músico que foi a fundo para tentar compreender a origem e os significados dos ritmos que hoje são populares e folclóricos na região.

Ele afirma que como a maioria dos músicos, também trabalha com o aspecto comercial, vender para o sustento, mas também busca aprofundamento. Explica que as origens do Chamamé e dos demais ritmos que surgiram deste encontro entre a cultura guarani e o barroco europeu remontam uma musicalidade de sentidos profundos presente em diversas culturas, com usos para a cura, o transe, o trabalho e a guerra, por exemplo.

“Se tu ver qualquer rito guarani permitido aos homens brancos assistir, tu vai ver que eles trabalham o chão, a terra com os pés e os instrumentos de percussão, como o takuapu. Eles cantam agudo para alcançar e dialogar com as divindades, alcançar o Universo. E no barroco tem o baixo contínuo, que é um lençol de notas que dão sustento às notas agudas, à melodia principal. Mas essas notas que dão sustento, essa harmonia e polifonia, representam o impuro, ao humano, ao pecador. E aquela nota aguda, aquela melodia, busca alcançar a Deus”, compara.

 

Composto por oito faixas, o trabalho foi gravado ao vivo na capela La Salle, em Canoas (RS). Sua orquestração foi composta por uma orquestra de câmara barroca, com instrumentos de época como cravo, oboé, viola da gamba, violoncelo, primeiro e segundo violino. E com instrumentos musicais populares do Chamamé como violão de sete cordas, contrabaixo e acordeão e a incorporação de percussão. 

Os músicos que participam do disco são especialistas em seus naipes, reconhecidos pela trajetória em suas estéticas. O maestro Fernando Turconi Cordella no bravo, Diego Schuck Biasibetti no violoncelo e viola da gamba, Javier Baldinder no oboé e Giovani dos Santos e Marcio Ceccocello nos violinos. Tal reconhecimento se aplica a os músicos que ficaram a cargo da orquestração popular chamamecera: André Ely no Violão de sete cordas, Carlos Eduardo de Césaro no contrabaixo, Ricardo Arenhaldt com a percussão e Alejandro Brittes no acordeón. 

(L)ESTE está disponível para ser ouvido no Spotify e no Youtube do artista.

Por ocasião do lançamento do webdoc que retrata esse processo, o Brasil de Fato RS conversou com Alejandro Brittes sobre o disco, sua pesquisa e sua presença já de quase 13 anos vivendo no Rio Grande do Sul. Confira:

Brasil de Fato RS – Para começar, fale sobre este desafio que é fazer música com um pé no popular e outro no clássico. Como foi o processo artístico para ti e quem esteve junto nessa gravação?

Alejandro Brittes - A música que eu faço, o Chamamé, em sua matriz ancestral, veio daquele encontro, o paradigma, a enculturação que teve entre o povo Guarani e os jesuítas, que trouxeram como ferramenta a música e as artes no período barroco. A partir desse encontro, com o tempo foram surgindo gêneros musicais, entre eles o Chamamé.

Nossa maneira de compor música desde sempre tem regras do barroco. Por exemplo, é tonal, nossa maneira de arranjar as vozes e os fundos musicais que acompanham as vozes lembram o baixo contínuo. Além de diferentes condimentos que tem a nossa musicalidade. Então quando eu estudava no Conservatório de Música em Buenos Aires, sempre me senti identificado com a música erudita, e desde aquela época isso está presente, quando comecei a compor nossas músicas autorais que estou apresentando. 

Tive a sorte e a honra que o mestre Fernando Cordella prontamente entendeu a proposta de fazer Chamamé, música folclórica, mas com instrumentos barrocos. Então isso dá uma pincelada e nuances do estilo barroco, assim foi o trabalho que venho fazendo há vários anos. 


Músicos durante gravação do disco e webdoc na capela La Salle, em Canoas (RS) / Foto: Eduardo Rocha

BdF RS - Esse trabalho é resultado de uma pesquisa que você fez em parceria com a Magali de Rose, que rendeu um livro, inclusive. Há toda uma dedicação com essa pesquisa. Conta um pouco disso.

Brittes - “A origem do Chamamé” é um livro que escrevi junto com Magali de Rose, ele começou com perguntas sobre a musicalidade e a cosmovisão e o cotidiano musical do Guarani. Para o Guarani tudo está relacionado com a música, desde a natureza ao nome que se vai dar a uma criança, à busca da terra sem males, à cura, enfim. 

Se observa e questiona quando, antigamente, nos bailes chamameceros, por exemplo, havia a necessidade do sapateio, a necessidade de um sapucai (grito de exclamação da música missioneira)... por que dançam em círculo anti-horário, por que o chamamé é composto em seis por oito, porque é tonal e não modal ou se trabalha com pentatônicas? Enfim... A nossa maneira de pensar a música é vertical, além de horizontal, me refiro a que a gente trabalha em contato com a terra, com o chão e a melodia, ou o canto tenta alcançar a Deus ou o Universo e conectar-se com o cosmos. 

Então o trabalho está em torno dessa pesquisa em que tentamos responder essas perguntas. E na verdade surgiram outras mais. Mas nós temos uma certeza que se nós dizemos que o Chamamé tem uma parte do Guarani, então estamos falando de um povo milenar, e tem em sua concepção também a música barroca, que é música ocidental, quer dizer que nós remontamos aos primórdios da humanidade e daquele primeiro ser humano que começou a fazer música pegando dois gravetos. E tinha um sentido especial essa música, tinha um porquê e se queria chegar a um objetivo. 

Então nas reduções jesuíticas foi que se encontraram essas culturas e foram dando origem a nossos gêneros musicais, um deles o Chamamé.

A música tem um sentido especial para muitas culturas

BdF RS – Tu falas dessa questão mais profunda da musicalidade, um resgate dessa cultura que a gente aqui no Rio Grande do Sul compartilha muito com argentinos e uruguaios, do Chamamé e outros ritmos, e que muitas vezes é uma música mais superficial. Tu estás promovendo uma reflexão sobre a própria musicalidade desses povos. 

Brittes - Isso da musicalidade que nos pertence, começando que estamos falando de uma macrorregião, porque quando falamos das reduções jesuíticas então estamos falando da Argentina, do Brasil, do Paraguai, do Uruguai, da Bolívia, é amplo. Claro que hoje muita música se faz de uma maneira comercial, com um sentido de vender, de subsistir também, eu também faço isso. Mas também buscamos o sentido da música.

Imagine uma coisa, se tu ver qualquer rito guarani que são permitidos aos homens brancos assistir, tu vai ver que eles trabalham o chão, a terra com os pés e os instrumentos de percussão, como o takuapu. Eles cantam agudo para alcançar e dialogar com as divindades, alcançar o Universo. Tu vê no barroco, o baixo contínuo é um lençol de notas que dão sustento às notas agudas, à melodia principal. Mas essas notas que dão sustento, essa harmonia e polifonia, representam o impuro, ao humano, ao pecador. E aquela nota aguda, aquela melodia, busca alcançar a Deus. 

Então estamos pensando de uma maneira vertical, como falava antes, e faz muito sentido, tu tem que saber que a terra e todos os planetas no universo têm uma vibração, portanto têm uma nota, uma árvore tem uma vibração especial, uma pedra... isso já os Celtas trabalhavam isso, os Guaranis trabalham. A teoria da música das esferas de Pitágoras tem relação com isso também, da vibração, daí que ele se inspirou para fazer um instrumento musical com cordas, e cada extensão de uma corda da uma vibração diferente que representa o percurso de cada planeta ao redor sol.

Então a música tem um sentido especial e muitas culturas trabalham a música, e trabalhavam a música para a cura, para entrar em transe, também para trabalho, para a guerra. A música tem muitos sentidos os quais estamos tentando resgatar, pelo menos, no sentido de ser consciente da musicalidade que estamos fazendo.

BdF RS - E agora esse processo criativo vai estar registrado no webdoc que será lançado. Fale um pouco sobre o que esperar dele.

Brittes - Nele comentamos e mostramos um pouco o processo criativo do projeto, as considerações de cada um dos músicos que participaram não só da parte folclórica, que são meus companheiros, como também dos músicos eruditos, que são todos da Ospa, don Fernando Cordella que é o arranjador junto comigo das músicas. Desse encontro que tem um resultado muito bonito que é o disco (L)ESTE, que está nas plataformas de Spotify, youtube e já se pode assistir e escutar. Falamos um pouco disso. Está resumido em três episódios. 

BdF RS - Esse disco foi gravado aqui na Região Metropolitana de Porto Alegre...

Brittes - Sim, foi gravado na Igreja La Salle, em Canoas. Ao vivo, tocamos todos juntos. O chamamecero, desde antigamente sempre gravamos assim, até hoje eu gravo assim, entrar no estúdio e gravar todos juntos. 

Há outras maneiras de gravar, a maneira americana por exemplo, em que tu bota um clique e primeiro grava uns instrumentos, depois outros, tem essa maneira. Mas o Chamamé e todo o folclore, e também acontece com a música erudita, tem movimentos, as vezes toca um pouquinho mais rápido, às vezes toca um pouquimnho mais devagar, e isso tu não pode amarrar em um clique. 

BdF RS - E tu és argentino mas vives no Rio Grande do Sul?

Brittes - Vivo em Porto Alegre há quase 13 anos. Faz mais de 20 anos que eu trabalho mas o Rio Grnde do Sul sempre foi tão generoso comigo. Quando abriu as portas, me recebeu de braços abertos. Tenho amigos maravilhosos, e isso é um lugar onde consegui e consigo seguir realizando meus sonhos. Já fizemos várias coisas além do livro, além do CD, a gente conseguiu trabalhar e ser feliz com o que se faz, e fazer feliz às pessoas. Então eu sou eternamente grato ao Rio Grande do Sul, tanto assim que decidi vir morar aqui há quase 13 anos


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Edição: Katia Marko