O Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Porto Alegre ganhou mais uma batalha judicial para manter as suas funções e poderes. Na segunda-feira (14), a Justiça estadual negou recurso da Prefeitura de Porto Alegre, que lutava para manter os efeitos de lei que modificava o CMS.
A referida lei (LC nº 955/2022) mudava a composição do Conselho, diminuindo a participação da sociedade civil e dos trabalhadores, e retirava o caráter deliberativo do órgão, tornando-o apenas consultivo, além de outras alterações. Desde então, entidades e movimentos organizados no Conselho passaram a se mobilizar para garantir o seu funcionamento.
Segundo protestavam, a aprovação da Lei Complementar praticamente acabava com a possibilidade de participação social da população no controle das políticas públicas executadas, no município, através de recursos do SUS. Sendo assim, o Conselho Municipal de Saúde era o principal caminho para qualquer cidadão poder participar da administração dos recursos da saúde do município.
Conselho como sendo o "coração do SUS"
A reportagem do Brasil de Fato RS acompanha o caso desde o começo da mobilização das entidades que compõem o Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre contra a LC nº 955/2022 (agora considerada ilegal, em duas instâncias da Justiça estadual).
Contatada pela reportagem, a atual coordenadora do CMS, a assistente social Tiana Brum de Jesus, explicou que o Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre é o "coração do SUS na instância do município, porque é a sustentação e a defesa do Sistema que foi construído pela participação popular".
Através do contato com a coordenadora, foi respondida à redaçao uma série de questionamentos, em uma entrevista assinada não somente por Tiana, mas por todo o coletivo do Núcleo de Coordenação do CMS.
Segundo analogia construída pelo Núcleo, trazendo as palavras do coordenador Gilmar Campos (Gestão 2020-2021), "o SUS é a água que a gente bebe", sendo o Conselho um "filtro de barro", que faz o trabalho de filtrar a água para oferecê-la limpa.
Defesa do SUS e desafios
Ou seja, segundo os conselheiros, o CMS faz o papel de defender o SUS como ele está inscrito na Constituição Federal: 100% público, universal, integral, equânime, resolutivo, com financiamento adequado, livre de terceirizações e privatizações.
Além disso, afirmam, é parte da luta o objetivo de constituir um Sistema de Saúde cada vez mais "antirracista, antimanicomial, antilgbtfóbico, antimachista, anticapacitista. Princípios defendidos e deliberados através das Conferências de Saúde e do nosso trabalho cotidiano da atuação de conselheiras e conselheiros".
Nesse sentido, conforme explica o Núcleo de Coordenação, o próximo desafio do CMS, a curto prazo, é fazer a 9° Conferência Municipal de Saúde e aprovar a Lei que foi construída pelo Conselho para reorganizar o plenário.
Também, afirmam que estão engajados no fortalecimento dos Conselhos Distritais de Saúde, responsáveis por agregar diversas expressões da sociedade e coletivos nos territórios.
Fiscalização dos serviços e orientação de políticas
Segundo indica o Núcleo de Coordenação do CMS, além de apontar as diretrizes das políticas de saúde no município, a partir das necessidades da população, o Conselho também fiscaliza os serviços e os recursos empregados.
Segundo explicam, essas funções materializam a construção de uma cidadania ativa, com possibilidades de ação direta por parte dos trabalhadores e da população usuária dos serviços.
"É o poder nas mãos do povo, apesar dos limites da institucionalidade, que é permeada por interesses da gestão. Portanto, precisamos estar sempre vigilantes, pois o SUS é uma política pública de Estado e não de governos que são passageiros", afirmam os conselheiros.
Quem pode participar?
Segundo explica o Núcleo de Coordenação do CMS, toda a população da cidade tem direito à voz em todas as instâncias do Conselho, podendo trazer sua manifestação sobre as dimensões e áreas que são discutidas em relação ao SUS.
Para isso, existem diversos espaços, tanto as Plenárias, como as Conferências de Saúde. Além disso, segundo afirmam, na estrutura do Conselho existe o voto como necessidade para encaminhar deliberações e propostas para o SUS.
"Dentro do CMS temos instâncias de participação, desde o conselho local de saúde, como nos Conselhos Distritais e a instância de plenário municipal. Participam a população usuária, trabalhadores e gestores, além dos prestadores de serviço", explicam.
Também, conforme os conselheiros, existem ainda comissões temáticas voltadas para temas como a saúde da população negra, saúde mental, atenção básica, etc. Nesses casos, por exemplo, não é necessário ser Conselheiro constituído para participar.
Entrevista completa
Confira, a seguir, a entrevista completa realizada com o Núcleo de Coordenação do CMS. As respostas foram elaboradas através da mediação e colaboração da coordenadora do Conselho, Tiana de Jesus.
Na entrevista, os conselheiros fazem uma retomada e uma avaliação do último período do Conselho, analisam os ataques sofridos, elaboram perspectivas e desafios para o controle social do SUS em Porto Alegre no próximo período.
Brasil de Fato RS - Primeiro, gostaríamos que um comentário sobre a importância do Conselho Municipal de Saúde para a cidade.
Núcleo da Coordenação do Conselho Municipal de Saúde - O Conselho é o "coração do SUS" na instância do município.
Dizemos isto pois os Conselhos são a sustentação e a defesa do SUS constitucional, que foi construído pelo movimento da "Reforma Sanitária" neste país, via participação popular, ou seja, é um pilar estruturante do SUS, que é direito de todas, todos e todes.
Nas palavras de nosso coordenador Gilmar Campos, da Gestão 2020-2021, "o SUS é a nossa vida, é a água que a gente bebe". O SUS representa essa água que alimenta a vida, o Conselho é como se fosse um "filtro de barro" que faz o trabalho de nos oferecer uma água limpa e boa.
Ou seja, o Conselho faz o papel de defender o SUS como ele está inscrito na Constituição Federal e na Lei 8080/90, sob o respaldo da Lei 8142/90: um SUS estatal, 100% público, universal, integral, equânime, resolutivo, com financiamento adequado, livre de terceirizações e privatizações.
Além disso, defendemos um SUS antirracista, antimanicomial, antilgbtfóbico, antimachista, anticapacitista. Princípios defendidos e deliberados através das Conferências de Saúde e do nosso trabalho cotidiano da atuação de conselheiras e conselheiros.
Além de apontar a direção da política de saúde, a partir das necessidades das vidas dos povos, fiscalizamos os serviços ofertados, os recursos empregados e a condução da política pública por parte do gestor.
A importância também se materializa na construção da nossa cidadania ativa e na democracia de ação direta. Sob algum determinado ponto de vista, também é o poder nas mãos do povo, apesar dos limites da institucionalidade, que é permeada por interesses da gestão.
Portanto, precisamos estar sempre vigilantes, pois trata-se de uma política pública de Estado e não de governos que são passageiros, mas que deveriam estar cumprindo o seu papel de cuidado da vida.
BdF RS - É possível fazer uma avaliação dessas mais de duas décadas da atuação do conselho?
Núcleo da Coordenação do Conselho Municipal de Saúde - São 30 anos de CMS, que fez aniversário neste último 20 de maio. Se fôssemos pensar numa avaliação, temos uma história de participação popular, que inclusive antecede o SUS constitucional.
Essa participação construiu uma ampla participação das comunidades na política pública, através da nossa capilaridade de atuação nos territórios, com a existência de 13 conselhos distritais de saúde e conselhos locais de saúde, em diversos territórios, principalmente na periferia.
Também é positivo que já realizamos oito Conferências Municipais de Saúde, com ampla participação popular. Temos uma história de diversos cursos de formação de conselheiras e uma forte parceria com a universidade pública e com a formação em serviço das residências em saúde.
Realizamos fiscalizações com apontamentos sérios e comprometidos com o cumprimento da lei, sendo um dos mais importantes acontecimentos o apontamento de desvio de recursos públicos do SUS para o Instituto Sollus, em 2008/2009, de 11 milhões de reais, no processo de terceirização da atenção básica. A apuração deste fato fez com que a empresa tivesse que devolver esse recurso à prefeitura.
Por outro lado, é negativo o desmonte da estrutura do CMS pelo governo Marchezan (PSDB), continuada pelo governo Melo (MDB), que impossibilita a plena execução do nosso papel, não ofertando condições dignas de trabalho a trabalhadores do CMS, além de condições básicas para conselheiras e conselheiros desenvolverem seu papel.
Também tivemos a demissão de trabalhadores do Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (IMESF) e a terceirização das Unidades de Saúde, que acarretou no desmonte dos Conselhos Locais de Saúde e, por consequência, nos Conselhos Distritais, enfraquecendo assim o controle social.
Também estamos tendo que lidar com o desrespeito do gestor municipal ao controle social, com o não cumprimento das deliberações das Conferências de Saúde, num processo de empresariamento da saúde, em que gestores se eximem de sua responsabilidade clínico-sanitárias e as repassam às empresas, que lucram, com recursos públicos, em cima da vida das pessoas.
BdF RS - Qual o impacto do órgão perder o caráter deliberativo, virando apenas consultivo?
Núcleo da Coordenação do Conselho Municipal de Saúde - A rigor isso significa o gestor conduzir a política pública à revelia do controle social.
Significa o descumprimento da Lei Federal que institui os Conselhos de Saúde; significa abrir margem pra que outros governos das diferentes instâncias tentem fazer isso com o controle social; significa o desmonte da democracia, a impossibilidade concreta das pessoas decidirem sobre os rumos do SUS a partir das suas próprias necessidades; significa institucionalizar o desmonte do SUS e o seu fim.
BdF RS - Dizemos que os conselhos de participação social são importantes pois permitem a participação da população na fiscalização e controle das políticas. De quais formas a população participa no Conselho de Saúde?
Núcleo da Coordenação do Conselho Municipal de Saúde - Toda a população tem direito à voz em todas as instâncias do Conselho de Saúde, podendo trazer sua manifestação, sua participação sobre as dimensões, áreas, que discutimos em relação ao SUS.
Isso acontece tanto nas Plenárias como nas Conferências de Saúde. E na estrutura do Conselho existe a questão do voto pra encaminhar deliberações e propostas para o SUS, que se dá nas Plenárias pra quem está no papel de conselheiro de saúde, e, no caso das Conferências de Saúde, pra quem está no papel de delegado.
Dentro do CMS temos instâncias de participação, desde o conselho local de saúde, como nos Conselhos Distritais e a instância de plenário municipal. Participam a população usuária, trabalhadores e gestores/prestadores de serviço.
Temos também no Conselho comissões temáticas que podem e devem ser reestruturadas e fortalecidas, como a saúde da população negra, saúde mental e atenção básica, por exemplo. Nesses casos, não é necessário ser conselheiro para contribuir.
Temos a página de internet do CMS, as redes sociais (Instagram, Facebook e Twitter) que podem ser fontes de acompanhamento das nossas ações e de acesso às informações e que também são instrumentos de visibilidade das lutas em defesa do SUS.
BdF RS - Por hora, a composição original do Conselho está mantida. Quais são os principais desafios do colegiado, neste próximo período?
Núcleo da Coordenação do Conselho Municipal de Saúde - A curto prazo, é fazer a 9° Conferência Municipal de Saúde e aprovar a Lei que foi construída pelo CMS para reorganizar o plenário.
Também precisamos fortalecer os Conselhos Distritais de Saúde, que agregam diversas expressões da sociedade e coletivos nos territórios.
BdF RS - Em governos antidemocráticos é comum ver o ataque à participação social, via conselhos. Pode comentar sobre esse fator?
Núcleo da Coordenação do Conselho Municipal de Saúde - O governo Melo e seu secretário de Saúde estão alinhados com o bolsonarismo, que significa a tentativa da destruição do Estado democrático de direito e, por assim dizer, pela destruição das políticas públicas essenciais pra vida da população.
É a população que sofre na pele a violação de direitos humanos de forma constante. Então, o primeiro passo é fortalecermos o nosso trabalho de base, conversando com a população sobre o projeto de destruição em curso.
É necessário buscar agregar as forças democráticas, movimentos sociais e parlamentares para derrotarmos o bolsonarismo, em que pese já termos conseguido um avanço importante nas eleições pra presidência.
Precisamos seguir fortalecendo nosso protagonismo na construção da política, onde somos sujeitos e não objetos. Precisamos construir um projeto coletivo e solidário de uma cidade básica para se viver!
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Edição: Marcelo Ferreira