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Declarações de Lula preocupam o mercado: um bom sinal!

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"Nos últimos quatro anos, tivemos a volta da fome, o aumento do número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, o aumento do desemprego e a estagnação econômica" - Mauro Pimentel / AFP
O mercado vive bem com a desigualdade social, com o desemprego, com a fome e com a pobreza do povo

Estranho seria se o mercado não tivesse reagido às manifestações do presidente Lula. Esse tal mercado, que não passa de um pequeno grupo de pessoas físicas, nunca reagiu de forma positiva a nenhuma concessão de direitos sociais, mas isso não impediu que os direitos fossem sendo conquistados ao longo da história.

Certamente, quando se aprovou a jornada de trabalho de 8 horas com descanso remunerado, ou quando se aprovou o pagamento do décimo terceiro salário, o mercado reagiu pessimamente. Da mesma forma quando foi aprovada a iniciativa, a partir de 2006, de garantir ganho real para o salário mínimo houve manifestações muito contundentes contrárias a proposta.

O mercado vive bem com a desigualdade social, com o desemprego, com a fome e com a pobreza do povo. As políticas fiscais de austeridade, de congelamento dos gastos, de cortes nos investimentos públicos, de privatizações, redução de impostos, principalmente para os mais ricos, são sempre medidas muito aplaudidas pelo mercado, mesmo que se revelem desfavoráveis às atividades econômicas.

Então não deveríamos nos preocupar com a reação negativa do mercado, mas sim com o contrário. Me espantaria se após o presidente Lula ter dito que priorizaria as políticas sociais para acabar com a fome e para melhorar a vida de milhões de pessoas, o mercado tivesse reagido positivamente. A sua reação negativa aponta, portanto, para o acerto das medidas propostas. Esses representantes do mercado parecem ter esquecido que as políticas econômicas anticíclicas têm sido o principal motor de recuperação da economia, pelo menos desde o início do século passado, e vêm produzindo efeitos importantes nos países centrais, especialmente a partir da pandemia da covid-19. 

Engana-se, por outro lado, quem pensa que essa manifestação negativa do mercado tenha ocorrido somente agora, com o discurso do presidente Lula, proferido na CCBB, no dia 10 de novembro, e amplamente divulgado. Durante a campanha eleitoral ficou muito evidente que o mercado já havia assumido ostensivamente um dos lados, basta ver a diferença entre as doações das pessoas físicas nas duas candidaturas.

Encerradas as eleições, com a vitória democrática do presidente Lula, esse mesmo mercado, que costuma se dizer defensor da estabilidade política do país, vem tolerando e até financiando os inúmeros atos de terrorismo que estão acontecendo país a fora, com bloqueios de estradas, restrições de direitos e interrupção de atividades econômicas, tudo isso com a conivência das forças de segurança. Atirar contra a polícia, perseguir e humilhar cidadãos com armas de fogo em punho em pleno centro da cidade, pessoas ensandecidas implorando por golpe militar não são coisas que parecem preocupar o mercado, cuja sensibilidade é de fato bastante seletiva.    

A sinalização dada pelo presidente Lula é muito clara e era esperada. A partir de 2023, o governo deverá trabalhar para resgatar o papel do Estado na promoção do bem-estar social. Para isso, vai promover as políticas sociais de combate à fome, de valorização do salário mínimo, de garantia para o programa bolsa-família e vai desonerar de tributos a renda dos mais pobres. Para o mercado, isso soa como uma heresia, pois significa a interrupção do processo de redução do Estado, iniciado em 2016, com o congelamento dos gastos. Voltar a seguir e a respeitar os rumos ditados pela Constituição de 1988 incomoda demais esse mercado e isso não tem nada a ver com o equilíbrio fiscal, como costumam alegar.

Nos últimos quatro anos, tivemos a volta da fome, o aumento do número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, o aumento do desemprego, a estagnação econômica, uma desvalorização monumental da nossa moeda, aumento dos preços, descumprimento do teto dos gastos, aumentou o desequilíbrio fiscal, e nada disso incomodou o mercado, pois o Estado estava sendo reduzido ano a ano. Agora, a simples sinalização de recuperação do papel do Estado e das políticas sociais já fez com que essas pessoas físicas, de carne e osso, com CPF e residência, sob a alcunha de mercado, venham a público, através de seus representantes, para demonstrar que tem algum poder de fogo, na tentativa de enquadrar o novo governo aos seus interesses imediatos.

É importante termos a clareza de que, se tivéssemos adotado sempre medidas que agradassem o mercado, já teríamos voltado ao tempo da escravidão. Aliás, a precarização das condições de trabalho que vivemos hoje decorrem justamente da subordinação da política ao mercado. Por outro lado, as conquistas sociais das classes trabalhadoras e da sociedade sempre decorreram do enfrentamento dessas tais forças do mercado, e só foram possíveis com a garantia, o fortalecimento e a manutenção, nas mãos do Estado, dos instrumentos necessários para subordinar o mercado e as atividades econômicas ao interesse da sociedade e não o contrário.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko