Não fomos convidadas/dos, como trabalhadoras/es em educação da Rede Municipal de Ensino da capital gaúcha, para essa festa. Não chegaram às escolas recursos para contratação de ônibus para levar as/os estudantes à Feira e para participar de atividades culturais de sua qualificada Programação, uma tradição celebrada na Rede Municipal de Porto Alegre há anos.
Evoé... Um salve aos jovens autores e autoras, amantes do livro, livreiros, editoras, mediadoras de leitura, entusiastas e profissionais da comunicação, divulgadores da palavra e da sapiência do espírito humano, sonhadores que buscam ganhar corações e mentes com sua verve, bibliotecárias e educadoras anônimas - às dezenas de milhares - que enxergam na democratização do acesso ao livro e à leitura uma tarefa transcendente em direção ao nosso melhoramento como pessoas que somos e ao fortalecimento da cidadania ativa.
Com o slogan Uma boa festa tem história, sob a sombra generosa de jacarandás floridos na Praça da Alfândega acontece até o dia 15 de novembro a 68ª edição da Feira do Livro de Porto Alegre, com cerca de 70 barracas e centenas de programações culturais ao longo de mais de duas semanas, como a compensar as restrições de dois anos com atividades online ou híbridas, devido a epidemia da Covid-19. Para nós, educadoras/es que somos, a Feira é um verdadeiro oásis, com água fresca, límpida e farta a fortalecer nosso espírito de resistência diante de uma onda de ignorância, ódio e violência provocada pela extrema direita que se abriga sob o guarda-chuva do bolsonarismo. Mais não podemos dizer sobre a Feira.
Não fomos convidadas/dos, como trabalhadoras/es em educação da Rede Municipal de Ensino da capital gaúcha, para essa festa. Não chegaram às escolas recursos para contratação de ônibus para levar as/os estudantes à Feira e para participar de atividades culturais de sua qualificada Programação, uma tradição celebrada na Rede Municipal de Porto Alegre há anos. Sequer a divulgação de atividades chegou até o chão das escolas. Não foram disponibilizados recursos, que já houveram, para aquisição de obras diretamente por nós, professoras/es.
A Secretaria Municipal de Educação, sob a condução de Sebastião Melo e Sônia Santos, parece mais preocupada em adquirir e enviar kits e mais kits de pacotes pedagógicos, e pagar, certamente a peso de ouro, programas de controle do trabalho docente e consultorias polpudas para técnicas e organizações privatistas alinhadas ao Movimento Todos pela Educação, verdadeiro tentáculo do Capital; assim como despejar toneladas de materiais como quadros, apagadores e materiais de cozinha nas escolas, sem consulta, planejamento ou construção coletiva, alguns sem utilidade, outros já existentes, ao que parece, com receio de ser garfada como foi a ex-secretária Janaína Audino por não aplicar o percentual de 25% da receita líquida e da transferência de impostos em Educação, previstos em lei.
E a periferia, secretária Sônia Maria da Rosa? A periferia vai mal, como sempre foi para governos associados aos interesses da grande burguesia: ignorada e invisibilizada. Mas também re(existindo), dando duro para sobreviver com dignidade, produzindo arte, cultura, se mobilizando, sempre que possível, para exigir direitos e uma vida melhor.
Mas, E se a periferia fosse o centro? Este é o título da publicação que estaremos lançando neste dia 10 de novembro, quinta-feira, na EMEF Saint Hilaire, na Lomba do Pinheiro, com uma grande celebração coletiva, homenageando os quase cem autores e autoras, de jovens adolescentes a senhoras sexagenárias, em uma bonita sessão de autógrafos, falas certamente emocionadas, com direito à gala e uma mesa generosa com o que de melhor podemos oferecer: A esperança ativa e empoderada pelo conhecimento crítico, a justa ira que reivindica direitos, a fraternidade que brota da consciência das/dos oprimidos e exploradas/dos. Será, por certo, uma belíssima festa!
Além dos exemplares físicos será disponibilizada nas redes sociais a versão em E-book do livro. Ali encontraremos dezenas de crônicas sobre Porto Alegre vista desde a desde a Lomba do Pinheiro; releituras de Poemas de Drummond, Ferreira Gullar e Ricardo Ramos; interpretações e escritas criativas em torno de Mitos como os de Medusa, Pandora e Minotauro; relato de uma incrível experiência de pesquisa-ação na EJA sobre as dificuldades de visão das/dos estudantes (que inclusive foi premiada no Salão de Iniciação Científica promovido pela SMED em Outubro); contos filosóficos sob a pandemia da covid-19, inspirados no livro “A Peste”, de Albert Camus; cartas pedagógicas anti-fascistas produzidas por estudantes da EJA.
O slogan da Feira do Livro faz uma alusão ao aniversário de 250 anos da Capital. Mas nós afirmamos: Há uma outra história que precede a isso, com pelos menos 12.000 de presença dos povos originários, há uma extraordinária história da presença dos povos africanos aqui, há uma riqueza incomensurável da cultura periférica, de saberes populares, que a classe dominante teima em tentar apagar. Há, sabemos, uma Porto Alegre Ancestral, para muito além de 250 anos de narrativas oficiais.
Esta é nossa forma de homenagear esta cidade que aprendemos a amar e ao mesmo tempo nos indignar, diante de tantas injustiças: Fortalecendo as organizações de nossa classe, buscando alianças no campo democrático e popular e trabalhando todos os dias, na faina da sala de aula para que nossos estudantes se reconheçam como sujeitos, produzam saberes contra-hegemônicos, exercitem a imaginação criadora, socializem seus patrimônios imateriais, sonhem e lutem para que festa seja, de fato, para todas e todos!
* Professoras/es da Escola Municipal de Ensino Fundamental Saint Hilaire e autoras/es do livro “E se a periferia fosse o centro?”
** Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko