Há exatos 100 anos, em 27 de outubro de 1922, teve início a “Marcha sobre Roma” dos fascistas agrupados no Partido Nacional Fascista (PNF), liderado por Benito Mussolini, partido que elegera apenas 35 dos 535 deputados nacionais. Milhares de fascistas – trajando camisas negras e armados de fuzis, pistolas e porretes – tomaram diversas cidades e vilarejos na Itália e deslocaram-se para Roma.
O então primeiro-ministro Luigi Facta determinou ao exército e à polícia que bloqueassem a entrada dos fascistas em Roma – o que teria sido feito com facilidade com as forças disponíveis – e pediu ao rei Vittorio Emmanuelle III que declarasse o estado de sítio para enfrentar os insurretos. Vittorio Emmanuelle – simpático aos fascistas e vendo neles um dique às agitações operárias na Itália – negou-se a fazê-lo, forçando a demissão do seu primeiro-ministro.
Em seguida, o rei convidou Mussolini a formar um novo governo, com a participação de setores moderados. Mussolini não aceitou essa condição e fez o rei ceder à sua vontade, entregando-lhe o poder de forma incondicional. Para isso, teve o apoio da poderosa Cofindústria (Confederação Geral da Indústria Italiana).
Só então Mussolini – que por precaução havia permanecido em Milão, pronto para expatriar-se, em caso de fracasso – viajou de trem para Roma. Em 30 de outubro, o rei nomeou Mussolini chefe de governo e lhe autorizou formar um governo fascista.
Antecedentes
Em 1915, Benito Mussolini – que divergia da posição contrária à entrada na guerra do Partido Socialista – rompeu com ele e criou o movimento “fascio interventisti”, para pressionar o governo italiano a participar da guerra, com o objetivo de obter conquistas territoriais
Em março de 1919 – concluída a guerra sem que a Itália conquistasse possessões coloniais –, Mussolini fundou em Milão o movimento “Fasci italiani di combattimento”, de caráter nacionalista e expansionista, inimigo do socialismo, do “bolchevismo” e das lutas operárias e camponesas em ascensão. A primeira grande ação fascista foi o ataque a uma manifestação socialista em Milão e a depredação do jornal socialista Avanti, em abril de 1919.
O movimento fascista se alimentou do ressentimento pela não participação da Itália no botim das potências vencedoras e tinha por base militares desmobilizados ao final da guerra, parcelas arruinadas da pequena burguesia e setores do proletariado desencantados com a derrota das grandes greves de 1919/1920, devido à pusilanimidade do Partido Socialista. Usando demagogia anticapitalista e levantando bandeiras de cunho popular, os fascistas pregavam a substituição da democracia liberal por um Estado autoritário, teoricamente “acima das classes”, para impor a “ordem”, acabar com a “corrupção” e retomar as glórias do antigo império romano, inclusive através da conquista de colônias.
Inicialmente, os fascistas tinham pouca influência, mas logo começaram a ser vistos pelos grandes proprietários rurais e pela burguesia italiana como úteis no combate às lutas operárias e camponesas e para seus projetos expansionistas. Importantes banqueiros e industriais italianos – Toeplitz, Volpi, Polano, Pirelli, Olivetti, Benni, Perrone, Odero – passaram a apoiar os fascistas. Com a complacência da polícia e do exército, Mussolini formou “grupos de combate”, financiados pelo patronato, que passaram a atacar e assassinar lideranças operárias e camponesas.
Com o refluxo das lutas operárias, os “camisas negras” iniciaram em 1921 os seus ataques às regiões sob influência socialista e comunista: Bolonha, Ferrara, Emilia, em seguida Veneza, Júlia, Toscana e Umbria foram os seus alvos. Nos primeiros seis meses foram atacados e destruídos 17 jornais, 119 Bolsas de Trabalho, 83 Ligas, 59 Casas do Povo, 151 Círculos Socialistas e de Cultura. Inúmeros prefeitos e vereadores socialistas e comunistas foram obrigados a renunciar ou abandonar a sua localidade, sob a ameaça de espancamento ou morte, sua ou de familiares. Centenas foram mortos e milhares feridos.
Em novembro de 1921, os fascistas fundaram em Roma o Partido Nacional Fascista (PNF), dando maior organicidade ao seu movimento. O aprofundamento da crise econômica e o crescimento do desemprego – ao que se somou a impotência dos governos liberais em resolver a crise – propiciaram uma rápida ascensão do fascismo na Itália.
Em setembro de 1922, Mussolini avisou: “O fascismo não é uma reunião de políticos, mas de guerreiros. [...] Somos uma formação de combate que se consolida por meio de tiros, incêndios e destruições”. Em 24 de outubro discursou aos seus seguidores em Nápoles: “Ou nos dão o governo, ou iremos a Roma tomá-lo”. Em 27 de outubro, as hordas fascistas marcharam sobre Roma e o rei indicou Mussolini como primeiro-ministro da Itália.
Primeiros passos do fascismo após chegar ao poder
Em um primeiro momento, Mussolini conviveu com a legalidade constitucional, o parlamento e os partidos, embora lhes colocando crescentes restrições.
Exigiu e obteve “plenos poderes” do parlamento. Criou a Milícia Voluntária para a Segurança Nacional (MVSN), oficializando os “grupos de combate” fascistas, que continuaram agindo impunemente.
O assassinato pelos fascistas, em junho de 1924, do deputado socialista Matteotti foi seguido de um fechamento ainda maior do regime.
Os partidos “liberais” e “democráticos” subestimaram o risco do fascismo e se negaram a formar uma grande frente antifascista, em unidade com o Partido Socialista e o Partido Comunista.
Em 1925, Mussolini assestou um golpe mortal ao sindicalismo independente, fechando um acordo com o patronato de que eles só negociariam com os sindicatos fascistas. Em 1926, transformou todos sindicatos em órgãos do Estado e declarou as greves ilegais.
Em fins de 1926, sob o pretexto de um atentado contra Mussolini, criou a Lei pela Defesa do Estado, que proibiu todos os partidos – exceto o Partido Nacional Fascista –, cassou os mandatos dos comunistas e demais partidos, proibiu os jornais de oposição, criou o Tribunal Especial para a Defesa do Estado e a Polícia Política e estabeleceu a pena de morte por “delitos públicos e de lesa-pátria”. Ser antifascista passou a ser crime.
A Carta del Lavoro, em abril 1927, criou os sindicatos “corporativos”, que incluíam na mesma organização trabalhadores, patrões e representantes do Estado e tinham por objetivo a colaboração de classe. Dezenas de milhares de servidores públicos foram demitidos por não serem fascistas.
Em 1928, a Lei Eleitoral delegou ao Grande Conselho do Fascismo a apresentação de uma lista de 400 deputados, que os eleitores tinham que aceitar ou rejeitar em bloco. Prefeitos e vereadores passaram a ser nomeados pelo poder central.
A reação dos líderes das “democracias ocidentais” frente à liquidação da democracia na Itália e a ascensão do fascismo foi de satisfação. O primeiro-ministro inglês, Ramsay Mac Donald, escreveu cartas cordiais a Mussolini, por ocasião do assassinato de Matteotti, e Chamberlain trocou fotografias com Mussolini.
A revista Time colocou na capa, em sua edição de 12 de junho de 1926, uma simpática foto de Mussolini, com a legenda – “BENITO AND ITALIA BELLA”. Já o Banco Morgan lhe concedeu um empréstimo de 100 milhões de dólares.
Winston Churchill – que já havia elogiado Mussolini como “salvador de seu país e grande estadista europeu” – afirmou em 1927: “Se eu fosse italiano, eu seria fascista”. O Papa Pio XI – satisfeito pelo fato do catolicismo ter sido declarado religião oficial da Itália e base do ensino, além do reconhecimento do Estado do Vaticano através da Concordata – elogiou Mussolini, dizendo que ele era um homem que “a Providência [Divina] nos fez encontrar”.
Ensinamentos
A vitória do fascismo na Itália – que depois se espalhou para diversos países, adotando em cada um deles formas e características próprias – não foi fruto do acaso ou de alguma mente doentia. Ao contrário, decorreu da necessidade da grande burguesia de erguer um dique às lutas operárias e camponesas, as quais cresciam devido à crise do capitalismo e sob a influência da revolução russa.
O fascismo surgiu exatamente porque a democracia liberal mostrou-se incapaz de assegurar o domínio do Estado pela grande burguesia monopolista, no quadro da crise do pós-primeira guerra mundial. Deixando de lado quaisquer escrúpulos, as classes dominantes europeias abandonaram a democracia e optaram pela ditadura terrorista contra os trabalhadores.
Como afirmou Dimitrov no seu relatório ao 7º Congresso da Internacional Comunista: “A chegada do fascismo ao poder não é a vulgar substituição de um governo burguês por outro, mas a substituição de uma forma estática da dominação de classe da burguesia [a democracia liberal] por uma outra forma desta dominação, a ditadura terrorista declarada. [...] O fascismo chega ao poder como o partido de choque contra o movimento revolucionário do proletariado, contra as massas populares em fermentação, mas apresenta sua chegada ao poder como um movimento ‘revolucionário’ contra a burguesia, em nome de ‘toda a nação’ e pela ‘salvação’ da nação.”
A vitória do fascismo na Itália – assim como na Alemanha e diversos outros países europeus – contou com o apoio entusiástico e quase unânime dos governos das ditas “nações democráticas”, com o objetivo de esmagar a onda revolucionária que crescia e destruir a Pátria do socialismo.
Na Itália, em particular, o fascismo contou com importantes apoios na corte, nos altos mandos do exército, entre os príncipes da Igreja e na família real, através do Duque D’Aosta e a rainha-mãe. O banqueiro Toeplitz declarou com orgulho que a Banca Commerciale – o banco mais importante da Itália – “foi o primeiro a dar ao mundo uma luz favorável ao golpe de Estado fascista”.
A experiência da luta antifascista em todo o mundo mostra a importância dos trabalhadores e os setores populares e progressistas construírem a mais ampla unidade, inclusive com setores da burguesia democrática – deixando de lado diferenças menores –, em defesa das liberdades democráticas e contra os intentos fascistas de assaltar o poder.
Não nos enganemos: os fascistas sabem aguardar o momento propício para golpear o Estado Democrático de Direito e, inclusive, podem conviver durante algum tempo com as instituições democráticas. Mas, chegada a hora, não vacilarão em golpear as liberdades democráticas e impor a sua ditadura terrorista!
Com sabedoria, soubemos no Brasil construir uma ampla Frente Antifascista e, em 30 de outubro, lhe assestaremos uma contundente derrota.
Mas a luta não se encerrará com essa vitória pois – assim como a Medusa – a besta fascista tem muitas cabeças que precisam ser cortadas. Por isso, a necessidade da Frente Antifascista continuará presente!
* Ex-deputado estadual pelo PCdoB e historiador.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira