No próximo dia 30 de outubro, o povo brasileiro irá às urnas tendo que tomar a decisão
A revelação divina que o movimento de extrema direita evangélica propagava no primeiro turno, na qual o “Messias” estaria eleito, não se concretizou. Nas primeiras semanas de campanha do segundo turno, Bolsonaro foi soterrado pela associação a imagens como maçonaria, a explosão das contradições entre o que anuncia em sua campanha e o que de fato concretizou em seu governo, até a conexão com a pedofilia. Trouxe o desafio à bancada conservadora eleita no 1º turno e aos seus seguidores de como defender o candidato mais frequentemente associado àquilo que criticam. Como apoiar a família Bolsonaro quando essa, cada vez mais na prática, difere dos valores morais que acredita?
Tais fatos levaram o bolsonarismo a afirmar, mais do que nunca, a imagem do “Messias”, aquele herói além do bem e do mal ou, como tanto defende a primeira-dama Michelle Bolsonaro, “que ele não é perfeito”, em síntese, a figura do salvador frente ao demônio Partido dos Trabalhadores (PT), ainda que tal salvador seja bastante contraditório. Isso porque se oportuniza do cenário de tensão social para propagar uma cultura do medo. Até entre a esquerda se compartilha o clima de fim dos tempos, na ideia de uma eleição “tudo ou nada”. Para angariar votos, Bolsonaro aposta na criação de fantasias contra Lula, como a do fechamento de igrejas, tomada da propriedade privada e instalação da ditadura comunista, mesmo que em oito anos de governo do ex- presidente Lula nada disso tenha acontecido. Ao invés de se associar a um grande gestor público com inúmeros feitos, até porque seu governo não os possui, ele se coloca como um enviado divino contra o comunismo.
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Nas últimas semanas, o foco tem sido retomar a força do antipetismo com o discurso de combate à corrupção, trazendo para perto velhas figuras como do ex-Juiz Lavajatista Sergio Moro. Em sua campanha, com destaque ao rádio, redes sociais e whatsapp, chovem fake news históricas sobre o candidato Lula. Há um jogo de manipulação na interpretação das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que inocentou Lula, ao constituírem uma narrativa de que foram enfrentados apenas os aspectos técnicos processuais, não as questões de mérito, portanto, não cabe se falar em inocência, entre outros arranjos narrativos.
As mentiras e falsidades programáticas de Bolsonaro
Ao longo dos debates, Bolsonaro buscou defender algumas bandeiras de sucesso da sua gestão. No entanto, com um cuidado de olhar para a realidade concreta e para a história, não encontramos essas informações. Uma delas é a criação do PIX (sistema de pagamento instantâneo); cabe recordar que tal modalidade foi criada durante o Governo Temer, desenvolvida por técnicos do Banco Central. Tampouco o anúncio feito por sua campanha de que os bancos perdem milhões com o PIX tem fundamento, uma vez que o próprio sistema foi desenvolvido para apoiar banqueiros que estavam perdendo espaço para aplicativos de pagamento financeiro.
Outro tema é a transposição do rio São Francisco, que é bastante caro ao povo nordestino. As obras de infraestrutura começaram em 2007, sofrendo uma redução de orçamento em 2013, o que implicou na entrega da primeira parte da obra em 2015, durante o Governo Dilma. Em 2017, ocorreu uma segunda entrega durante o Governo Temer, e por fim, uma terceira parte em 2020 pelo Governo Bolsonaro. Assim, seu governo assumiu uma obra com quase 84% de partes construídas.
Sobre a grande máquina eleitoral que se tornou o Auxílio Brasil, também é preciso investigar melhor como se chegou ao valor de R$ 600,00 por mês. Primeiro, que as políticas públicas de complementação de renda são bastante antigas no Brasil, e antes de sua gestão, vinha sendo conhecida mundialmente como Bolsa Família. É preciso recordar que uma das propostas lançadas pelo atual governo no início da pandemia, por meio de medida provisória (MP 927), foi a suspensão dos contratos de trabalho por 4 meses sem remuneração. Ainda que posteriormente revogada, a iniciativa do governo deixaria trabalhadores e trabalhadoras sem qualquer rendimento durante a pandemia. Depois disso, a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, era não haver qualquer subsídio às famílias na pandemia tendo, após pressão da oposição, fornecido o auxílio de R$ 200,00. A oposição seguiu atuante para aumentar tal auxílio para R$ 500,00. Somente em agosto deste ano, o governo anunciou o pagamento dos R$ 600,00, numa clara manobra eleitoral. Essa proposta mantém-se no programa de governo dele, mas sem qualquer informação de onde proverá tais fundos para sustentar a política pública.
Em sua campanha eleitoral, anunciou que foi o primeiro a aplicar a vacina contra covid-19, argumento claramente falacioso. A primeira vacina aplicada no país foi em São Paulo, pela compra direta do governador João Doria (PSDB). A situação ficou tão crítica na falta de planejamento do governo federal sobre a aquisição de vacinas, que os estados venderam vacinas ao governo federal para as primeiras aplicações. Além de todo o esquema de corrupção na compra de vacinas apresentado na CPI do Senado e a completa naturalização das mais de 700 mil mortes.
Um recurso utilizado pela campanha de Bolsonaro é afirmar o crescimento do país. Informação que contrasta com os dados, já que o Brasil apresentou 1,14% de crescimento nos últimos 4 anos, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), estando entre os piores países em desenvolvimento. Outrossim, amargamos uma inflação galopante na marca de 19,25% acumulados neste ano, levando-nos à primeira posição juntamente com o Chile, conforme dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). As obras que são associadas a esse crescimento, como a BR-163, o corredor da soja, sequer foram construídas em seu governo; são infraestruturas finalizadas em sua gestão.
Em uma análise das propostas do Governo Bolsonaro quando encontramos pautas para os trabalhadores e trabalhadoras, como a regularização do contrato de trabalho para trabalhadores de aplicativos, ou mesmo o Auxílio Brasil, as iniciativas de conciliar preservação do meio ambiente e desenvolvimento, não estão detalhadas as formas de concretização da política. De outro lado, propostas como garantir maior acesso às armas estão bastante detalhadas, inclusive com proposições como projetos de lei para exclusão de ilicitudes para políticas em casos de assassinatos em ações, ou ainda para projetos como escola sem partido e ensino domiciliar. O que nos faz concluir o que é recurso retórico, promessa vazia, e o que é proposta concreta.
No programa de Bolsonaro, o agronegócio e a mineração estão no centro das propostas, com medidas que pretendem ampliar ainda mais o acesso às terras, inclusive as indígenas; a flexibilização ambiental; precarização da mão de obra, envolvendo casos de trabalho escravo. Em um país com 34 milhões de pessoas passando fome, 15,5% da população brasileira, claramente o agronegócio, que recebeu R$ 348 bilhões em investimentos públicos no Plano Safra em 2022, não alimenta o país. Dos 10 maiores financiadores da campanha de Bolsonaro, 9 são do agronegócio, setor que ele beneficiou com a redução das multas ambientais que, segundo ele, são abusivas.
Quando vasculhamos as propostas de Bolsonaro para encontrar os temas ambientais, encontramos a economia verde com propostas de ampliação do pagamento por serviços ambientais, incentivos ao hidrogênio verde e a expansão de eólicas modelos offshore. Propostas que mascaram o país de verde enquanto os danos socioambientais se propagam com as políticas de promoção do extrativismo, seja na mineração ou no agronegócio.
O programa de Jair Bolsonaro, à luz dos quatro anos de gestão, parece uma carta de intenções à medida que suas propostas se contradizem: como promover uma reforma tributária para simplificar o sistema e assegurar investimentos no Auxílio Brasil? Como irá promover investimentos públicos com a permanência do “teto dos gastos”? Tendo como proposição a continuidade do processo de privatização e o estímulo às parcerias público privadas, como tal Estado irá melhorar a vida dos trabalhadores? Assim, suas propostas são claramente panfletárias para o povo e sólidas para certos setores da economia. Não à toa se apela a elementos subjetivos imagéticos para fornecer pão às massas, já que em concreto suas medidas são extremamente antipopulares.
Que opostos se enfrentam
No próximo dia 30 de outubro, o povo brasileiro irá às urnas tendo que tomar a decisão entre um ex-presidente, que em seus dois mandatos construiu a maior quantidade de programas sociais da história desse país, saldou a dívida pública externa e transformou o Brasil na sexta maior economia do mundo, expandiu as universidades e reformulou a saúde públicas. Tais feitos não levaram o país à abolição da propriedade privada, à adesão ao comunismo e nem ao cerceamento da liberdade religiosa e sexual.
No outro extremo, encontramos a debilidade de uma gestão que não foi capaz de conter 700 mil mortes por covid, cortou recursos que estrangularam a universidade pública, reduziu gastos com saúde em plena pandemia; demitiu, exonerou e submeteu servidores públicos a processos administrativos por fazerem seu trabalho, propagou xenofobia contra o Nordeste, a comunidade LGBTQI+, ambientalistas, jornalistas, moradores de comunidades periféricas. Em sua administração, voltamos ao mapa da fome, aos piores índices de desmatamento, à chacota internacional nos espaços multilaterais, às piores taxas de inflação.
O que está em jogo no voto dos eleitores é a opção por um modelo civilizatório entre um futuro Brasil ainda mais racista, sexista, desigual, fascista, e um Brasil democrático, inclusivo. Mais uma vez na história, a corrupção é usada como véu que oculta realidades, e neste ano, associada a uma desinformação possibilitada, contraditoriamente por um maior acesso a meios de comunicação.
O Brasil se depara em seus 200 anos de “independência”, novamente, com um projeto civilizatório. Estiveram em disputa nessas eleições a construção da identidade do povo brasileiro, da nação. Os candidatos disputaram valores e princípios desse projeto, resta saber com os quais o povo estará identificado. A batalha não é justa, o debate é rebaixado, mas há, todavia, uma esperança numa estrela vermelha de outrora.
* Amigos da Terra Brasil (ATBr) é uma organização que atua na construção da luta por Justiça Ambiental. Quinzenalmente às segundas-feiras, publicamos artigos sobre justiça econômica e climática, soberania alimentar, biodiversidade, solidariedade internacionalista e contra as opressões. Leia outros textos.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo e Katia Marko