Rio Grande do Sul

ELEIÇÕES 2022

“As pessoas ainda não têm a noção do risco que significa o fascismo”, alerta Leonel Radde

Ameaçado de morte, o vereador do PT, eleito agora deputado estadual, diz que o Brasil tem 400 células neonazistas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Leonel Radde é policial civil e carrega a bandeira antifascista em seu trabalho parlamentar - Foto: Gabriel Ribeiro da Silva/CMPA

As eleições legislativas transformaram o primeiro vereador de Porto Alegre abertamente antifascista – como traz estampado na sua camiseta – no primeiro deputado estadual também abertamente antifascista do Rio Grande do Sul. Leonel Radde, 41 anos, policial civil, foi batizado assim em homenagem a outro Leonel, o Brizola, ídolo de seu pai. 

Vereador, Radde virou notícia nacional ao usar uma cabeça de burro na tribuna da Câmara, modo que encontrou para ridicularizar a decisão das bancadas de direita e ultradireita de homenagear o finado Olavo de Carvalho pondo seu nome em uma rua da capital gaúcha. Quando um dos seus adversários bolsonaristas o atacou, respondeu tilintando um par de algemas dizendo “é aqui que o Bolsonaro vai ficar”.

Formado em História, com especialização em Direito Penal, Processual Penal e Constitucional, mais mestrado em direitos humanos, o petista já trabalhou como ator e músico durante 15 anos. Budista, vegetariano, praticante de aikido e jiu-jitsu, ocupa a linha de frente de várias causas, entre as quais o enfrentamento do racismo e da homofobia, além da defesa do meio ambiente e dos direitos dos animais.

Nenhuma delas lhe valeu tantas ameaças quanto a luta antifascista, como conta nesta entrevista.

Brasil de Fato RS - Você recebeu uma ameaça de morte com data marcada, o próximo 31 deste mês, onde o agressor avisa que “sua cara vai ficar cheia de balas”. Como está se precavendo diante disso?

Leonel Radde - Nós estamos tomando as medidas cabíveis, e claro restringindo os deslocamentos, temos pessoas que nos acompanham. A gente sabe da gravidade dessa realidade, e que não se pode menosprezar esse ponto. Mas seguimos também trabalhando.

Recebi tantas ameaças que nem sei como enumerar

BdF RS - Quantas ameaças já recebeu enquanto vereador de Porto Alegre eleito com a postura antifascista?

Radde - Olha, recebi tantas ameaças que nem sei enumerar. No mínimo, umas dez. Fora os processos da extrema direita, das denúncias que fizemos de expor prints ou figuras aí que agiram de forma antidemocrática e criminosa, e aí gera um processo, geram inquéritos, etc.


Monitoramento do parlamentar aponta cerca de 400 células fascistas no Brasil / Foto: Ederson Nunes/CMPA

BdF RS - Mesmo com a atual ascensão do fascismo aqui e no mundo, acredita que as pessoas sabem o que é “fascismo” e o risco que ele significa não apenas para a esquerda mas para toda a sociedade?

Radde - Não. Acredito que as pessoas ainda não têm uma noção exata sobre o que que é o fascismo, nem o risco que abrange toda a sociedade não fascista, que não vibre com essa lógica criminosa e excludente, autoritária. Ainda acham que é só uma brincadeirinha, depois a gente tira, sabe? Então acredito que a maior parte da sociedade de fato não tenha noção dos riscos que corre.

Nem todo o bolsonarista é fascista, mas todo o fascista é bolsonarista

BdF RS - Você se elegeu com o perfil de um deputado antifascista. Em termos objetivos, o que o seu eleitor pode esperar do seu deputado estadual na Assembleia Legislativa do RS? Em outros termos, quais serão os seus projetos?

Radde - O eleitor pode esperar que nós seguiremos na luta antifascista, contra qualquer tipo de preconceito e intolerância, na luta antirracista, antimachista, antiLGBTfóbica, apresentando projetos pra esses grupos. E também continuaremos defendendo o serviço público, o meio ambiente, o direito dos animais, que são pautas que apresentamos junto com a cultura durante todo o período eleitoral. Também, claro, uma valorização do salário mínimo regional, a luta contra as privatizações. Nosso mandato será muito ativo.

BdF RS - No Sul do Brasil, Bolsonaro venceu. É uma região na qual, durante os anos 1930 do século passado, o nazifascismo teve muitos admiradores. O que resta desse fascismo?

Radde - Nós temos o fascismo muito forte no Rio Grande do Sul, no Sul do Brasil, numa lógica que começa com os imigrantes, depois se tem todo um discurso falso sobre uma moral elevada do Sul do país, diferente do restante do Brasil, essa visão relativamente racista. Mas, claro, não é toda a população do Sul do Brasil. Mas sabemos que isso é real. Então é muito forte.

Temos grupos muito organizados nessa estrutura neonazista e fascista também nessa região. Com certeza, tem uma ligação direta, porque nem todo o bolsonarista é fascista, mas todo o fascista é bolsonarista.

Com a política de ultradireita quem perde mais é a classe trabalhadora

BdF RS - Você monitora grupos nazistas. Quantos grupos ou células nazistas ou supremacistas acredita que existam no Brasil e, em particular, no Sul?

Radde - Os dados dão conta que temos quase 400 células no Brasil nesse momento. Boa parte delas se localiza no Sul. Mas São Paulo tem uma prevalência considerável, Rio de Janeiro também. Depois temos Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. Agora, (saber) exatamente quantas estão ativas aqui no Sul é meio difícil. Elas são muito autônomas.

Alguns dados dão conta de, mais ou menos, 30 células no RS. Mas eu não tenho como fazer uma afirmação tão concreta. Já identificamos mais de 40 membros de grupos de células neonazistas, desde bandas de rock, que eles chamam de RAC, Rock Against Communism, até grupos aí mais focados realmente em violência direta. Claro, esses grupos musicais também se vinculam a outros grupos como gangues, são pequenas células, mas elas existem e são risco real.

BdF RS - Apesar do crescimento das bancadas do PT, PSOL e PCdoB na Assembleia gaúcha, a maioria é conservadora quando não de ultradireita. Pelo jeito, você não irá se queixar de tédio na atividade parlamentar, não?

Radde - Dentro da assembleia com essa formatação, nós teremos bastante trabalho, estaremos sempre ativos e combativos. Nosso objetivo é justamente esse, causar maior impacto possível e desgaste pra essa extrema direita, tentando alertar a população que ela tem muito a perder com esse tipo de política. E quem perde principalmente é a classe trabalhadora.


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Edição: Marcelo Ferreira