Rio Grande do Sul

Combate ao racismo

Seu Jorge fala sobre episódio em Porto Alegre: "Muito ódio gratuito e muita grosseria racista"

Polícia investiga caso de racismo sofrido pelo cantor no Grêmio Náutico União; movimentos preparam protesto neste sábado

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Nunca, jamais nos curvaremos ao racismo e à intolerância, seja ela qual for. Não cederemos um milímetro ao ódio", diz cantor em vídeo publicado nas redes sociais - Foto: Reprodução

Em vídeo de nove minutos, divulgado na noite desta segunda-feira (17), o cantor Seu Jorge se manifestou, pela primeira vez, sobre os ataques racistas que ocorreram durante sua apresentação em uma festa do clube social Grêmio Náutico União, em Porto Alegre, na última sexta-feira (14). O clube que fica no bairro Moinhos de Vento, de alta classe média, foi notificado a entregar registros de câmeras de segurança do espaço. Com as imagens, Polícia Civil quer identificar suspeitos do crime. 

No vídeo divulgado em suas redes sociais, Seu Jorge aparece em frente a uma bandeira do Rio Grande do Sul. O músico declara o respeito e carinho que tem pelo estado, cumprimenta o povo gaúcho e reconhece grandes nomes da música e literatura como Elis Regina, Luis Fernando Verissimo, Yamandu Costa.

Na sequência, ao descrever o episódio, explica que era um jantar de gala reservado a sócios do clube "com pessoas muito, mas muito bem vestidas para aquela ocasião". Ele afirma que não haviam pessoas negras no jantar, a não ser funcionários, que “ouviu dizer” que estariam proibidos de olhar ou falar com ele na chegada ao show. “O importante é que, no final do show, eu falei com todo mundo, abracei todo mundo e tirei foto com todo mundo”, afirma.

Muito ódio gratuito e muita ofensa racista

Seu Jorge diz que estava bastante empolgado com o show, pois fazia tempo que não se apresentava com a sua banda na capital gaúcha. “Estávamos todos muito felizes quando chegou ao final do show e eu sai do palco. Quando cheguei atrás do palco, eu começo a escutar muitas vaias e xingamentos. E logo, por conta disso, eu percebi que não seria possível voltar para fazer o famoso bis. Mas, sozinho, retornei ao palco e, de maneira respeitosa, agradeci a presença de todos, me despedi do público presente e me retirei do local do show”, conta.

Afirma não ter reconhecido a cidade que aprendeu a respeitar e amar. “Na verdade, o que eu presenciei foi muito ódio gratuito e muita grosseria racista."

O cantor agradece o carinho e suporte que recebeu de todas as pessoas que se sensibilizaram com o que aconteceu. "Ao todo povo negro do Rio Grande do Sul e toda a região sul quero dizer que amo todos vocês e admiro,e respeito. Estamos mais unidos do que nunca e que vamos vencer essa guerra que segrega nosso povo à miséria e à falta de oportunidades", assegura.

Seu Jorge ressalta que busca punição pelo envolvidos no ato. "Nunca, jamais nos curvaremos ao racismo e à intolerância, seja ela qual for. Não cederemos um milímetro ao ódio.  E cobraremos das autoridades que a Justiça prevaleça e os criminosos sejam devidamente punidos. A lei é para ser cumprida.”

 

Protestos neste sábado

Diversas entidades, coletivos negros e movimentos sociais, como o Movimento Negro Unificado, o Movimento Vidas Negras Importam, a União de Negras e Negros pela Igualdade (UNEGRO-RS), estão convocando uma manifestação antirracista no Grêmio Náutico União, a fim de levar a luta também para as ruas. O ato será realizado neste sábado (22), com concentração às 16h, na Praça da Encol, bairro Bela Vista.

Investigação

Na segunda-feira (17), a Polícia Civil fez uma solicitação formal ao clube para que entregue, em até três dias, as imagens de câmeras de segurança do espaço. De acordo com a delegada Andrea Mattos, titular da Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância e responsável por investigar o caso, o objetivo é identificar suspeitos do crime de racismo praticado no local.

A Polícia Civil teve acesso a um vídeo que mostra o encerramento do show de Seu Jorge em Porto Alegre, momento em que teriam acontecido ataques racistas ao cantor. Segundo a delegada Andrea, é possível ouvir, no vídeo, o momento em que alguém grita "macaco" e o instante em que pessoas começam a imitar o animal.

Clube disse que irá apurar os fatos 

Em nota, o Grêmio Náutico União afirma que "se for comprovada a prática de ato racista, os envolvidos serão responsabilizados". Ressalta que, seguindo seu estatuto, "repudia qualquer tipo de discriminação".

"Ressaltamos que Seu Jorge foi o artista escolhido para realizar show com a presença de associados e não associados do Clube considerando sua representatividade na cultura nacional e pelo reconhecimento internacional, e destacamos nosso respeito ao profissional e a seu trabalho”, afirma a nota, assinada pelo presidente da instituição, Paulo José Kolberg Bing. 

Solidariedade ao artista

Diversas manifestações de repúdio ao ato racista e em apoio ao Seu Jorge de personalidades e entidades circulam pelas redes sociais. Em nota, UNEGRO-RS destaca a importância da união para o combate ao racismo.

“Diante da barbárie já instalada e das ameaças e atos já proferidos de racismo, preconceito e discriminação de todas as ordens, a UNEGRO-RS, vem a público reiterar, apoio e solidariedade e conclamar a todas as organizações e pessoas tanto do movimento social negro organizado e não organizado, as pessoas que lutam e defendem causas antirracistas a se somarem as lutas, atos e ações que certamente serão muitas, para derrotarmos de uma vez por todas a desumanização que alguns poucos mas, impiedosos e nojentos racistas querem impor a nação brasileira em especial a comunidade negra”, expõe. 

A entidade convoca a sociedade a demonstrar a unidade, solidariedade e consciência humanitária, atendendo um outro chamado do cantor: "todos os esforços para fazer com que nossa comunidade vá as urnas no dia 30 de outubro para impor uma derrota acachapante ao representante das trevas, da morte e do ódio, que, promoveu e estimulou toda ordem e tipo de atrocidades ao povo brasileiro, mas que, com unidade, amor e determinação, derrotaremos e o 'amor vencerá o ódio'".

O senador gaúcho Paulo Paim (PT) protocolou requerimento para que o Senado Federal insira em ata voto de solidariedade ao Seu Jorge por conta das agressões racistas que sofreu. "O racismo não é um ato isolado. Ao contrário, é uma prática diária, encrustada na sociedade brasileira, que assola e atrasa o desenvolvimento do nosso país", afirma, destacando que a população negra segue convivendo "com a dor de ser ofendida por algumas pessoas que se sentem superiores, em razão da cor da pele".

Paim manifesta solidariedade ao cantor e "a todo povo negro do Sul ao Norte, do Oeste ao Leste do Brasil". Ressalta que o Senado já aprovou diversas propostas de combate ao racismo nos últimos anos. "Com certeza, não nos curvaremos. Seguiremos peleando pela paz, pela liberdade, pela igualdade, pela humanidade, pelo direito de viver, pelos Jorges, Marias, Kathlens, Joãos, Genivaldos, Brunos e Yans", diz.


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Edição: Marcelo Ferreira