Rio Grande do Sul

Eleições 2022

Feito Inédito: Parlamento gaúcho estadual e federal terá mulheres negras em 2023

Laura Sito e Bruna Rodrigues assumirão na Assembleia, enquanto Daiana Santos e Denise Pessôa na Câmara dos Deputados

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Da esq. para dir. Bruna Rodrigues (PCdoB), Laura Sito (PT), Daiana Santos (PCdoB) e Denise Pessôa (PT) - Foto: Montagem feita através de fotos enviadas pelas assessorias*

Pela primeira vez em 187 anos de história, a Assembleia Legislativa terá mulheres negras ocupando as cadeiras do Parlamento gaúcho, as deputadas Bruna Rodrigues (PCdoB) e Laura Sito (PT). A dobradinha dos partidos se repete também em outro feito histórico, as deputadas Daiana Santos (PCdoB) e Denise Pessôa (PT) foram eleitas como as primeiras mulheres negras gaúchas para a Câmara dos Deputados. Além do mais, a deputada Karen Santos (PSOL), é a primeira suplente do Legislativo gaúcho.

Nas eleições municipais de 2020, Bruna Rodrigues, Daiana Santos, ambas do PCdoB, juntamente com Laura Sito (PT), Karen Santos e Matheus Gomes, ambos do PSOL, fizeram história na capital gaúcha, ao formarem a primeira bancada negra do Legislativo municipal. 

Agora, nas eleições de 2022, um novo marco histórico se repete, isso porque com a eleição de Bruna Rodrigues e Laura Sito elas se tornaram as primeiras mulheres negras a ocupar uma cadeira na Assembleia Legislativa. Juntamente com Matheus Gomes, elas formaram a bancada negra no Legislativo estadual. Das 55 cadeiras da Assembleia, 11 (20%) serão ocupadas por mulheres. Uma a mais do que na atual configuração. 

Já em relação ao cenário federal, dos 513 deputados eleitos, 91 (18%) são mulheres, entre elas, duas trans, fato inédito no Congresso Nacional. Das eleitas, nove são negras, representando os partidos PT, PSOL, PCdoB e REDE. Destas, duas gaúchas, Daiana Santos e Denise Pessôa. Em relação a 2018, o número de mulheres cresceu 22%, mas ainda representa apenas 18% do total, naquele ano foram eleitas 77 mulheres. O número de parlamentares negros também subiu de 124 para 135, aumento de 8,8%, segundo fonte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).


"É preciso que possamos eleger mulheres comprometidas com a luta por vida digna a todas e todos nós, que não estejam à serviço do ódio, da antipolítica e dos ricos" / Foto: Júlia D'Avila

Eleição da Bancada Negra despertou uma tomada de consciência na sociedade

Eleita com 51.865 votos, Bruna, 35 anos, mãe, e atualmente estudante cotista do curso de Administração Pública e Social, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pontua que durante a pré-campanha e campanha refletiu sobre o quão simbólico e importante é a chegada coletiva de parlamentares negros e negras. 

“Nós pouco ou nunca, no caso das mulheres negras, nos vimos ocupando esse espaço de poder. E tanto eu quanto a Laura sonhamos com isso: com essa ruptura desse ciclo sem representação das mulheres negras. Esse é um marco muito potente do levante que a eleição da Bancada Negra da Câmara Municipal de POA despertou na sociedade. O povo preto precisa ocupar o Parlamento e a chegada de não uma, mas duas mulheres negras fala muito sobre essa tomada de consciência que conquistamos”, afirma Bruna, que também é presidente do PCdoB em Porto Alegre, sendo a primeira mulher negra a dirigir um partido político na cidade.

“Foram 187 anos sem representação das mulheres negras, encerrar esse ciclo é histórico. Nossa presença não pode mais ser ignorada.", enfatiza Laura Sito, eleita com 36.705 votos. Mãe, jornalista por formação, a parlamentar de 30 anos é a deputada estadual mais jovem dessa nova legislatura e passa a compor a primeira bancada negra da história da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, juntamente com Bruna e Matheus Gomes (PSOL). 

Para ela, a eleição ao Legislativo estadual gaúcho, como uma das primeiras negras a ocupar o espaço é muito simbólico. “No momento tão profundo de crise que nós vivemos, é algo significativo que a luta antirracista tenha tomado uma proporção muito significativa na prioridade das pessoas que lutam por igualdade social no Brasil, que tenham compreendido ela como centralidade. Também vejo como a capacidade de nós podermos produzir do ponto de vista legislativo, do ponto de vista de políticas públicas, maior avanço de uma agenda antirracista para o nosso estado”, destaca Laura, que foi a primeira mulher negra da história a fazer parte da mesa diretora e presidir sessões no Legislativo municipal.


"No momento tão profundo de crise que nós vivemos, é algo significativo que a luta antirracista tenha tomado uma proporção muito significativa" / Foto: Lucas Leffa

Segurança alimentar e educação entre os projetos das eleitas 

Entre os projetos para o mandato, Bruna e Laura pretendem ampliar para a Assembleia Legislativa diversas iniciativas já construídas na Câmara Municipal. 

Bruna quer levar para o Legislativo estadual a luta para que nenhuma criança fique fora da creche, defender escolas de tempo integral, políticas públicas antirracistas. “O combate ao racismo precisa ser tarefa de quem defende uma sociedade mais justa e igualitária, e nossa experiência na Câmara mostra que é possível construir ações de combate ao racismo atreladas às diversas áreas essenciais, como nossa emenda de formação antirracista para agentes municipais de segurança pública, nosso projeto de lei para a criação de um Plano Municipal de Saúde Integrada à população negra, o Selo Igualdade Racial”, aponta. 

Laura, por sua vez, irá reforçar a pauta do combate à fome, desenvolvida no seu mandato como vereadora. Ela é representante do Brasil na Frente Parlamentar de Combate à Fome da FAO da ONU. “Hoje metade da população do estado não consegue fazer todas as refeições num dia. Isso é muito triste como a cena de um menino de 11 anos que liga para polícia atrás de socorro porque sua mãe não consegue colocar comida na mesa. Esse é o cenário do Brasil que voltou ao mapa da fome e o RS está dentro deste cenário."

Em Porto Alegre, ela organiza junto ao Instituto Multiplicidade uma rede de 14 cozinhas comunitárias, no segundo semestre de 2021 foram 60 mil refeições distribuídas nas comunidades da Capital.


"A política tem um papel fundamental na minha vida, pois me auxiliou a fazer uma leitura da realidade para romper esses ciclos" / Foto: Cristiane Leite

“Os ares de mudança estão cada vez mais presentes e fortes”

Criada no Morro Santana, Daiana Santos, foi eleita com 88.107 mil votos. Além de ser uma das primeiras mulheres negras gaúcha a ocupar uma cadeira no Parlamento federal, é a primeira abertamente LGBTI+ do estado a assumir o posto. Educadora social e Sanitarista, tem trabalhado diretamente com a população em situação de rua e mulheres em situação de violência.

Durante a sua trajetória, sempre esteve ligada aos movimentos sociais, de direitos LGBTI+, ao movimento negro, das mulheres, além de ter como uma de suas bandeiras a defesa do SUS. “A política tem um papel fundamental na minha vida, pois me auxiliou a fazer uma leitura da realidade para romper esses ciclos. Agora, sou deputada federal eleita justamente por ter compreendido que é na política que a gente faz essa articulação para a mudança na luta”, destaca. 

Eleita para a Câmara Federal, com 44.241 votos, Denise Pessôa, mãe, arquiteta, é vereadora de Caxias do Sul desde 2009. Em seu quarto mandato, atualmente é a presidenta da Câmara, e primeira deputada federal eleita de Caxias do Sul.

“É uma grande honra e responsabilidade assumir, junto com a companheira Daiana, as duas primeiras cadeiras ocupadas por mulheres negras na Câmara Federal eleitas pelo RS. Além disso, sou a primeira mulher eleita deputada federal na minha região, a Serra Gaúcha. Os ares de mudança estão cada vez mais presentes e fortes”, frisa Denise. 

Para a parlamentar essa renovação no Congresso Nacional tem grande significado e representatividade. Conforme destaca Denise, 54% (Dados do Dieese) da população brasileira se autodeclara parda ou negra, representação que não temos nos espaços públicos. “Dos 8,8 milhões de desempregados em decorrência da pandemia, 71,4% eram negros e negras. Outro índice que nos entristece é que, de acordo com o Atlas da Violência 2021, no ano de 2019, essa população representou 77% das vítimas de homicídios no país. Estes e outros dados só reforçam a necessidade da ampliação de políticas públicas destinadas à comunidade negra, principalmente as jovens mulheres e mães negras”, expõe. Denise enfatiza que é preciso urgentemente desenvolver políticas públicas que combatam as principais mazelas que voltaram a assolar o país desde o golpe contra a presidenta Dilma em 2016 até os dias atuais, como a fome, o desemprego e a miséria. 

Entre as principais pautas de Denise estarão, ao longo do mandato o acesso à educação e à saúde pública de qualidade, o incentivo à agricultura familiar e as boas práticas agrícolas, o estimulo ao desenvolvimento econômico social sustentável integrado da região da Serra Gaúcha com o estado do Rio Grande do Sul, a promoção e o incentivo a políticas públicas culturais, a garantia do direito à cidade, além da luta pelos direitos das Mulheres, da comunidade LGBTQIAPN+, das Pessoas Com Deficiência (PCDs), dos Idosos, das Negras e Negros, da Juventude, por meio de políticas que promovam os direitos humanos.


"Nossas candidaturas têm que deixar de serem de resistência e passar a ser de garantia e afirmação de direitos" / Foto: Gabriel Lain

Precisamos eleger mais mulheres nos espaços de poder

As parlamentares são unânimes ao afirmar que, apesar do avanço, ainda é preciso aumentar o número de mulheres nos espaços de poder. O que para elas é um grande desafio. Apesar de desde a eleição de 2018, os partidos políticos precisarem cumprir a cota mínima de 30% de candidaturas femininas, no resultado final a participação não se concretiza, visto a Assembleia, com 20% e a Câmara, com 18%. 

Para Denise essa desigualdade representativa prejudica a elaboração de leis que contemplem as mulheres e suas necessidades. “Por conta disso, é cada vez mais importante mudar essas estatísticas. Acredito que nossas candidaturas têm que deixar de serem de resistência e passar a ser de garantia e afirmação de direitos. É fundamental que os partidos políticos apostem e garantam condições para que cada vez mais mulheres, negras e negros, se candidatem em condições iguais para todos. Ferramentas como o financiamento público de campanha, por exemplo, são fundamentais para que isso aconteça”, ressalta. 

Assim como pontuado por Denise, Laura Sito enfatiza que é preciso avançar muito na representação das mulheres nos espaços políticos no nosso estado. “Sou muito feliz que meu partido tenha conseguido manter nossas duas deputadas (Sofia Cavedon e Stela Farias) e tenha conseguido ampliar com a minha presença, isso é muito caro. Nossa frente, a Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB, PV), elegeu 12 cadeiras e tem quatro mulheres. Mas ainda muito aquém do que nós acreditamos, que é um Parlamento que seja composto por metade de mulheres”, aponta. Destaca ainda que é preciso avançar no debate de reforma política que garanta a representação das mulheres, dos negros e negras e indígenas no Parlamento brasileiro. “Isso é o que nós buscamos, atuamos para que possamos debater o desenvolvimento nacional com um olhar com maior diversidade.” 

“Acredito que, quando falamos em representatividade, não podemos dissociar esse elemento das questões ideológicas. Digo isso porque precisamos, de fato, eleger mais mulheres nos espaços de poder. Mas é preciso, também, que possamos eleger mulheres comprometidas com a luta por vida digna a todas e todos nós, que não estejam à serviço do ódio, da antipolítica e dos ricos. Eu quero ver cada vez mais a Assembleia, a Câmara dos Deputados, a Câmara Municipal cheia de mulheres parlamentares”, conclui Bruna. 

* Fotos da montagem da capa

Bruna Rodrigues: Júlia D’Avila
Laura Sito: Lucas Leffa

Daiana Santos: Cristiane Leite
Denise Pessôa: Bruno Kriger


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Edição: Katia Marko