Rio Grande do Sul

JUSTIÇA FISCAL

"Sistema tributário brasileiro é racista e machista", avaliam pesquisadores

Especialistas demonstram mudanças necessárias para reduzir desigualdade de gênero e raça, acentuadas pelos impostos

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Quem mais contribui é o que menos se beneficia na medida que mais paga imposto e menos utiliza os equipamentos públicos, aponta especialista - Foto: Reprodução

No último painel da série de oito edições ‘Que os Super-Ricos paguem a conta’, o diálogo sobre “Tributar os Super-Ricos e as Desigualdades de Raça e de Gênero”, evidenciou os prejuízos que o sistema fiscal gera sobre mulheres e a população negra. Proporcionalmente aos ricos e brancos, mulheres e negros pagam mais impostos e são os mais prejudicados com a redução de políticas públicas, demonstrou a live realizada nesta quinta-feira (29).

Entre os 10% mais pobres, 42% são mulheres negras e 11% homens brancos. Nos 10% mais ricos, 10% apenas são mulheres negras e 42% homens brancos. Entre os 1% mais ricos, 60% são homens brancos. Os 10% mais pobres arcam com 26% dos tributos diretos e indiretos enquanto os 10% mais ricos arcam com bem menos: 19%. No Brasil, proporcionalmente, os mais pobres pagam mais tributos que os mais ricos.

Legislação não é neutra

“O sistema tributário acentua as desigualdades e age de forma oposta ao que orienta a Constituição, aprofundando a injustiça no recorte de gênero e raça”, demonstrou a mestranda em Direito da UFMG Luiza Machado, alertando ainda para a feminização da pobreza em todo o mundo.

A pesquisadora pontua que a legislação é aparentemente neutra, mas se relaciona com parâmetros do patriarcado, que estrutura as relações sociais e coloca mulheres no trabalho do cuidado não remunerado, ou salários menores.

Para Luiza, a tributação acentua essas desigualdades. “É possível e necessário adotar políticas tributárias afirmativas para reduzir as injustiças sobre gênero e raça”, aponta a especialista.

Chefes de família destinam 22 horas semanais de trabalho doméstico não remunerado, enquanto homens apenas a metade, 11 horas, mesmo não estando desempregados, não importando se são brancos, negros, ricos ou pobres. “Esse quadro de desigualdade geral tem muito que avançar”, pontuou.

Estudo recente mostra ainda que serão necessários mais de 100 anos para promover a igualdade salarial entre homens e mulheres, completou a mediadora do debate, auditora fiscal aposentada, vice-presidente do Instituto Justiça Fiscal (IJF), e uma das coordenadoras da campanha Tributar os Super-Ricos, Maria Regina Paiva Duarte.

Para a tributarista, as políticas de austeridade prejudicam mais mulheres e negros. “As mulheres atuam em grande maioria no trabalho menos remunerado, gastam mais no consumo para o lar enquanto homens aplicam em outro perfil de consumo, como carros e propriedades”, compara.

Tributação na contramão da política social

“A desigualdade tem cor e raça no Brasil. A tributação não contribui para reduzir as desigualdades seculares e anula os elementos redistributivos da política social”, aponta a mestre e doutora em desenvolvimento econômico na Unicamp Juliane Furno. 

Para a pesquisadora, o teto de gastos é racista e machista nos resultados: quanto menos recursos para saúde e educação, mais sobrecarrega de trabalho às mulheres, que arcam ainda com idosos e crianças. “É justo taxar os super-ricos porque se utilizam mais do trabalho, galgam na esfera financeira subtributada no Brasil que poderia financiar políticas públicas”, defende.

“O gasto público no Brasil tem condições de ter a melhor performance na redução das desigualdades sociais e ser desconcentrador de renda”, analisa diante da potência econômica que o país representa.

Quem mais contribui é o que menos se beneficia na medida que mais paga imposto e menos utiliza os equipamentos públicos. Mulheres e negros são maioria entre os mais pobres e são os que mais necessitam dos serviços de saúde, Seguridade e transferência de renda. “O fruto do trabalho deve ser revertido para ganhos sociais do Estado”, completa.

Instrumentos para a justiça fiscal

“Os instrumentos tributários e a política fiscal são os principais aliados que o Estado tem nas mãos para combater a desigualdade radical que o país vive”, sintetiza o professor de direito tributário e integrante do Instituto Justiça Fiscal Rafael Köche.

O Brasil foi o último país do mundo a erradicar a escravidão e o que mais recebeu pessoas escravizadas, o dobro do segundo colocado. “Estas marcas históricas configuram a política econômica e fiscal”, analisa Köche. O país tem a maior população de trabalhadores domésticos do mundo, sendo predominantemente feminina.

O Brasil está entre os 10 países mais desiguais do mundo de acordo com o Banco Mundial. Entre os 0,1% é o mais desigual do mundo: 20 brasileiros têm mais riqueza que 60% da população. 90% da população brasileira ganha menos de R$ 3.500,00 ao mês, e 70% ganham menos de dois salários mínimos. Mais da metade dos trabalhadores são informais no país e está fora da Seguridade, prejudicando ainda mais mulheres e negros.

Os grandes números da RFB mostram que apenas 15% entregam a declaração, ou seja 85% está fora dessa janela por ganhar pouco.

“É alucinante essa concentração de renda e riqueza. Impossível que uma desigualdade desse tamanho não tenha reflexo na tributação, no Estado social e na distribuição em gênero e raça”, visualiza Köche.

Em comparação com a Europa, o especialista observa que o Brasil tributa pela metade a renda e patrimônio, enquanto cobra o dobro sobre o consumo, mesmo que estruturem a sociedade nas mesmas bases constitucionais do Estado de bem-estar social.

Os painelistas são unânimes na mudança do sistema regressivo de tributação e ter os tributos como instrumento para promover justiça fiscal e igualdade.

Nos oito debates da série, foram abordados aspectos como o mundo do trabalho, capital improdutivo, financeirização da riqueza e o Estado como empregador. Todos os diálogos estão disponíveis no canal do Instituto Justiça Fiscal no Youtube e na página do Facebook da Campanha Tributar os Super-Ricos. 

Abaixo o link de todos os painéis.

https://www.youtube.com/watch?v=6lpDBPdKALc&t=1807s

https://www.youtube.com/watch?v=Gt8TdK8XOA8

https://www.youtube.com/watch?v=VuN3KanwjMs

https://www.youtube.com/watch?v=rt9u0GhCfn8

https://www.youtube.com/watch?v=-KgxaGNpAp0&t=596s

https://www.youtube.com/watch?v=AeoFd05cVGQ

https://www.youtube.com/watch?v=P0xhEYpxftQ

https://www.youtube.com/watch?v=HMp4AKFvkIU&t=51s


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Edição: Katia Marko