Rio Grande do Sul

Vida das Mulheres

Julgamento da reintegração de posse da Casa de Referência Mulheres Mirabal é adiado

Antes do adiamento, manifestantes protestaram em frente ao TJ-RS contra a ação movida pela Prefeitura de Porto Alegre

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Em seis anos de existência, a Casa fez cerca de 600 acolhimentos e abrigamentos de mulheres em situação de violência de todo o estado, e também estrangeiras - Foto: Everaldo Jr.

Previsto para acontecer na tarde desta quarta-feira (28), o julgamento da reintegração de posse movida pela Prefeitura de Porto Alegre sobre o imóvel onde está assentada a Casa de Referência Mulheres Mirabal foi adiado e não tem nova data para acontecer. No final da manhã desta quarta, antes de ser anunciado o adiamento, manifestantes protestaram em frente ao Tribunal de Justiça do RS (TJ-RS) contra a ação.

Há quatro anos, o serviço funciona em um prédio ocupado junto à escola Benjamin Constant, na zona Norte, na capital gaúcha.  Em 2019, a reintegração foi suspensa pela Justiça. A Casa é organizada e mantida pelo Movimento de Mulheres Olga Benário. Desde o seu surgimento, fez cerca de 600 acolhimentos e abrigamentos de mulheres em situação de violência de todo o estado, e também estrangeiras.

Atualmente, a Mirabal se encontra em funcionamento, acolhendo mulheres com suas filhas e filhos. “Hoje temos um espaço em que podemos abrigar de 12 a 14 pessoas, considerando neste total as crianças também. É um abrigo de caráter transitório e que, portanto, tem um fluxo, não sendo coerente passar um número fechado, assim como acolhimentos, que variam conforme a procura”, expõe a advogada e coordenadora da Casa, Natália Jobim. Durante a pandemia, o movimento atendeu mais de 500 diaristas, com alimentos e remédios. 

Pela vida das mulheres

Pela manhã, uma das coordenadoras da Casa, Nana Sanches, explicou que o ato é pela vida das mulheres e também para pressionar pelo cumprimento do acordo feito entre o movimento, a prefeitura e o governo do estado há quatro anos.

“Hoje estamos na escola Benjamim Constant porque teve um acordo lá atrás, e esse acordo não está sendo cumprido. Hoje a Mirabal passa por um processo de reintegração de posse e essa audiência vai decidir se ela acontecerá ou não. Tivemos, em primeiro grau uma decisão a nosso favor. O juiz da causa na ocasião disse que a prefeitura tem que negociar e cumprir o seu acordo. E a prefeitura entrou com um recurso contra essa decisão. O que está sendo julgado é esse recurso e a gente espera que os desembargadores entendam, assim como o juiz do caso, que a prefeitura tem que cumprir este acordo”, disse.

Uma das fundadoras do espaço, e também integrante do Movimento de Mulheres Olga Benário, Priscila Voigt, destacou que a Casa foi construída a partir da observação do quanto a violência contra as mulheres é presente até mesmo dentro dos espaços de ocupação dos movimentos de luta dos bairros, vilas e favelas. “É importante termos uma organização especifica das mulheres para salvar a vida das mulheres, e mais que isso, para que se tenha consciência da luta coletiva e da condição que a gente vive. A violência contra as mulheres não é um caso isolado. A violência, a agressão, o estupro, são formas de manter as mulheres submissas, passivas”, expôs. 

Priscila comentou que além da luta pela manutenção da Casa Mirabal, o dia 28 também é o Dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto. “Isso tem tudo a ver com a luta da Mirabal. Um dia sim, um dia não, uma mulher é morta, vítima do aborto inseguro no nosso país. É tem questão de classe, raça, porque as mulheres ricas pagam por um aborto seguro e as mulheres pobres morrem”, pontuou, lembrando o caso da menina de 11 anos, de Santa Catarina, que foi estuprada e que a justiça estava obrigando a seguir com a gestação. Em 2021, apontou a integrante do Movimento Olga Benário, 17 mil meninas de até 14 anos deram a luz.

"Casas como a Mirabal deveriam ter em todos os bairros"

Natanielle Almada, também do Movimento de Mulheres Olga Benário, criticou que a gestão atual não destina verba para o serviço de combate à violência contra a mulher. “Agora, anunciaram uma casa de abrigamento, com não sei quantas vagas, e disseram que não precisavam da Casa Mirabal. Como se isso fosse acabar com o número de mulheres vítimas de violência doméstica e de violência sexual. A gente sabe que não, porque os números são cada vez mais altos. Casas como a Mirabal deveriam ter em todos os bairros. Mas não é do interesse político porque eles servem a uma classe somente”, desabafou. 

Dados do Observatório Estadual de Segurança Pública, da Secretaria da Segurança Pública, apontam que, de janeiro até setembro deste ano, o Rio Grande do Sul registrou 81 feminicídios, 180 tentativas, 22.365 ameaças, 12.786 lesões corporais e 1.698 casos de estupro (incluindo de vulnerável). Em Porto Alegre, foram registrados 1.984 casos de ameaça, 1.477 de lesão corporal, 164 casos de estupro, 5 feminicídios e 23 tentativas.

“Não vai ser um canetaço de desembargador que vai impedir a gente de fazer o nosso trabalho, que vai deixar com que a gente ocupe os espaços porque o que mais tem é espaço vazio sem cumprir sua função social, e isso eles não olham”, complementou Natanielle.  

A Casa Mirabal, conforme destacaram as coordenadoras, trabalha através de acolhimento psicossocial, jurídico e, quando necessário, abrigamento. No local também são desenvolvidos projetos como o Quitutes Mirabal, brechó e estamparia de materiais como canecas, bolsas e camisetas, que permitem retorno financeiro para as mulheres envolvidas e também para a Mirabal. É um trabalho autofinanciado e que tem como fonte principal de recursos o apoio da sociedade civil e a participação em editais/projetos.

Posicionamento da prefeitura

O Brasil de Fato RS procurou a Prefeitura de Porto Alegre para um posicionamento sobre o caso. Veja abaixo a resposta da Procuradoria-Geral do Município sobre ação de reintegração de posse de imóvel ocupado pela Mirabal:
 
Sobre a reintegração de posse do imóvel do Município ocupado irregularmente pela Mirabal desde 2017, a Procuradoria-Geral do Município (PGM) informa que, a pedido da Defensoria Pública, o Município aceitou um pedido de suspensão do processo por 30 dias, a fim de que o movimento possa organizar sua saída do imóvel.

A PGM lembra que a ocupação Mirabal vem prestando de forma irregular e ilegal o serviço de acolhimento, não tendo as condições mínimas para abrigar mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade. O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul recomendou em dezembro do ano passado, após uma série de vistorias, que a Mirabal deixasse de receber mulheres e crianças para abrigamento, o que não foi atendido pelo movimento.

De acordo com o MP, “a Casa Mirabal apresenta inadequações em relação aos serviços, sendo observada a ausência de equipes técnica, de higienização e de acompanhamento psicológico, jurídico e social, de acordo com os parâmetros exigidos pela legislação vigente sobre o atendimento e proteção às mulheres vítimas de violência e seus filhos menores, concluindo que a Casa Mirabal é inadequada para receber famílias na modalidade de acolhimento institucional”.

Sobre o atendimento a mulheres vítimas de violência, o Município dispõe de dois equipamentos: a Casa Viva Maria e a Casa Lilás. Nos próximos dias, deve ser aberta uma nova unidade, que contará com atendimento 24 horas.


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Edição: Marcelo Ferreira