Rio Grande do Sul

Educação Superior

Artigo | Resiste o Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUCRS

Referência nacional e internacional em produção do conhecimento da área, programa será extinto pela universidade

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUCRS se soma a poucos programas com nota 7 na CAPES - Reprodução: PUCRS

É público e notório o fechamento dos programas de pós-graduação stricto sensu, mestrado e doutorado em todo país. No Rio Grande do Sul, a extinção gradual do renomado Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e da Graduação da PUC deste estado acompanha uma tendência de priorização da lógica de mercado em detrimento da formação ampla e integral.

Esses fechamentos não vêm sozinhos, carregam consigo algo que já foi naturalizado no ensino superior, a substituição dos cursos de graduação presencial e posterior migração para o ensino à distância (EAD).

Ensino, pesquisa e extensão perfazem a tríade de uma educação superior de qualidade. Pensar em cursos de graduação sem ligação com a pós-graduação pode ter qualidade, mas não tem excelência. A graduação reproduzida por cartilhas e polígrafos reproduz acesso e comodidades que facilitam a obtenção de títulos, porém diminuem as vivências e aprendizados que somente o ensino presencial, crítico e interventivo pode oferecer.

Estas graduações vêm com denúncias da “precariedade do ensino e de baixas condições e relações de trabalho docente no Brasil. Esta precariedade perpassa todo ciclo da educação em nosso país – do ensino fundamental aos Programas de Pós-graduação, tomando diversos formatos”, conforme carta aberta aos/às estudantes de EaD do Brasil, da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.

O Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUCRS tem história e faz história. Ele se soma a poucos programas da área com nota 7 na CAPES, excelência alcançada a partir do esforço conjunto de professores, professoras, alunos, alunas, técnicos e gestores.

Estes se esforçaram para fazer do Serviço Social brasileiro e latino-americano uma ciência aplicada à vida cotidiana que não somente analisa, mas age na realidade que estuda. Tendo em seu horizonte um mundo com mais justiça social, acesso a políticas públicas, visibilização de vidas e histórias marginalizadas pelo capitalismo e transversalizadas estruturalmente pelo racismo e pela desigualdade de gênero.

Esse PPG formou, até o momento desta escrita, 465 mestres e 186 doutores, totalizando 651 titulações. Somam-se, ainda, os inúmeros assistentes sociais, que, desde 1945, foram formados por esta instituição. Para muito além dos títulos, são vidas que ao se transformarem, através do pensamento crítico e reflexivo, também contribuem para a construção teórica e prática do Serviço Social no Brasil e no mundo.

Esses e essas se encontram atuando em diferentes frentes de lutas e militância e fazem do Serviço Social da PUCRS uma referência nacional e internacional em produção do conhecimento da área. Com pesquisas relevantes e na formação qualificada de profissionais que atuam na defesa e garantia de direitos, nas mais diversas regiões do Brasil, em seu compromisso com a transformação social, com a solidariedade dos povos, e que colocam o ser humano e o mundo em que se vive como centro de suas pesquisas e atuações.

A descontinuidade desse Programa, único exclusivamente em Serviço Social do Sul do Brasil, corrobora com o ataque sistemático que às Ciências Sociais e o pensamento crítico vêm sofrendo no país. Confirma o processo de alienação incutido pelo constante desmonte de espaços significativos de educação, um recado explícito para a classe trabalhadora de que este espaço fértil em ideias, vida e possibilidades de mudança, não é seu espaço.

Quando a classe trabalhadora chega aos bancos das universidades, leva consigo suas questões, expressões e dores. Leva consigo as desigualdades e as duras oportunidades que os/as trouxe até ali e passa a ver as teorias vislumbrando as possibilidades de ampliar direitos, de ampliar políticas públicas e sociais. Passa a planejar e refletir sobre a práxis de possibilidades e de transformação.

Ora, nesta atual conjuntura brasileira, onde o país volta ao mapa da fome, a níveis alarmantes de violências, segregação de comunidades, juvenicídio, violência contra os povos do campo, das águas e das florestas, destruição ainda mais feroz do meio ambiente e ataque sistemático à ciência, seria o momento de extinguir uma graduação e uma pós-graduação com excelência e com uma atuação direta nas comunidades de maior vulnerabilidade e risco social no Brasil?

Seria coerente extinguir uma formação que auxilia na qualificação das políticas sociais no país, políticas estas que beneficiam e beneficiariam a maioria da população?

Ao ser indagada por estes e outros questionamento a PUCRS responde:

"A PUCRS possui várias políticas de apoio e de subsídio aos seus estudantes de graduação. Em alguns cursos, este apoio tem sido, infelizmente, insuficiente para garantir uma demanda mínima que nos permita a abertura de novas turmas.

No caso do curso de Serviço Social, os dados do Estado do Rio Grande do Sul mostram uma queda significativa de matrículas na modalidade presencial durante a última década, acompanhada de um crescimento rápido das matrículas no modelo à distância. Diante deste cenário, houve a necessidade de uma revisão da estrutura de pós-graduação stricto sensu oferecida pela Universidade."

Há anos viemos denunciando o impacto na formação de uma graduação que anda distante da pesquisa e da extensão. Outrossim, os passos largos desse distanciamento caminham conjuntamente com o alto custo de vida, o desemprego, a superexploração da força de trabalho e o desmonte das políticas públicas de inclusão ao ensino superior nesse país.

Alguns dirão que nem todos e todas que acessam o ensino superior, mestrado e doutorado desejam transformar essa realidade excludente que vivemos. Porém refletimos e, frente ao exposto e aos fatos concretos de uma história construída coletivamente, afirmamos que, de fato, nem todos/as.

Todavia, os e as que acessam o PPGSS da PUCRS, programa de excelência e nível internacional, esses, meus caros e caras, lutam contra a desalienação, contra as relações sociais determinadas pelo capital, pesquisam e estudam muito para que essa transformação aconteça!

E... que perigo um povo conscientizado!

Pensemos juntos e juntas então, busquemos soluções coletivas que não perpassem pela descontinuidade de algo tão importante para o Rio Grande do Sul, o Brasil e a nossa América Latina. Esperancemos e coletivamente busquemos soluções viáveis para esta continuidade.

Não se faz uma universidade de excelência com decisões unilaterais. Que possamos valorizar toda a história construída. Conjunturas mudam, porém a precipitação pode causar um dano incalculável para as Ciências Sociais. O Serviço Social nunca foi tão necessário como é nestes tempos bárbaros. Que a PUCRS esteja do lado certo da história, ainda há tempo.

Esperancemos e lutemos!

#ResistePPGSSPUCRS

... já que nos sobram poucas esperanças e dívidas, perdoa-nos se puderes nossas dívidas, mas não nos perdoe a esperança, não nos perdoe nunca nossos créditos

no mais tardar amanhã sairemos a cobrar aos fajutos tangíveis e sorridentes foragidos aos que têm garras para a harpa e um pan-americano tremor com que enxugam a última cuspida que escorre do seu rosto

pouco importa que nossos credores perdoem assim como nós uma vez por erro perdoamos os nossos devedores,

ainda nos devem quase um século de insônias e garrote quase três mil quilômetros de injúrias, quase vinte medalhas a Somoza quase uma só Guatemala morta,

não nos deixe cair na tentação de esquecer ou vender este passado ou arrendar um só hectare de seu esquecimento, agora que é a hora de saber quem somos

e hão de cruzar o rio o dólar e seu amor contra-reembolso

arranca-nos da alma o último mendigo e livra-nos de todo mal de consciência, amém".

(Pão Nosso, Latino-Americano, Mario Benedetti, 1960)

* Letícia Chimini é Doutora em Serviço Social pela PUCRS, militante do MPA, Professora Substituta do Curso de Serviço Social da UFSM.

* Patrícia Reis é Doutora, Mestre e Graduada pela PUCRS, militante social, Gestora da AMURT-AMURTEL.

** Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira