Rio Grande do Sul

Vida das Mulheres

Casa Mirabal terá reunião com prefeitura para tentar impedir a reintegração de posse

Casa de acolhida para mulheres vítimas de violência pode ser desalojada por ação da administração municipal; entenda

Brasil de Fato | Porto Alegre |
A Casa de Referência Mulheres Mirabal ocupa um imóvel há 5 anos na zona Norte de Porto Alegre - Foto: Luiza Castro/Sul21

A Casa de Referência Mulheres Mirabal corre o risco de ser desalojada do imóvel ocupado há 5 anos na zona Norte de Porto Alegre. A Casa, organizada e mantida pelo Movimento de Mulheres Olga Benário, presta um serviço de acolhimento e atendimento para mulheres que são vítimas de violência.

Uma reunião marcada para esta quarta-feira (21) entre representantes da Mirabal e a Procuradoria Geral do Município de Porto Alegre tentará impedir que a reintegração de posse aconteça. O processo movido pela prefeitura para reaver o imóvel tem audiência marcada para o próximo dia 28 de setembro, no Tribunal de Justiça do RS (TJ/RS).

Entenda o caso

O serviço funciona em um prédio ocupado junto à escola Benjamin Constant. A escola está desativada, sendo que o prédio e sua administração pertencem ao governo do estado do RS. Porém, o terreno é da Prefeitura de Porto Alegre. É a administração municipal quem move o processo no TJ/RS pedindo a reintegração de posse do imóvel.

Conforme explica Priscila Voigt, integrante do Movimento Olga Benário e uma das fundadoras da Casa, houve uma negociação entre estado e Prefeitura de Porto Alegre para impedir despejo. "Fizemos uma mesa de negociação onde o estado cedeu o uso para a prefeitura, sem ônus, para que fosse destinado às políticas de combate à violência contra a mulher, que é o nosso trabalho. Quando a prefeitura pegou a chave, voltou atrás", explicou.

:: Reintegração de posse ameaça funcionamento da Casa Mirabal ::

O objetivo do movimento agora é pressionar para que a administração municipal assine um Termo de Permissão de Uso (TPU), para que a prefeitura permita o funcionamento regular da Casa de acolhida. A Mirabal tem sido assistida pela Defensoria Pública, nos trâmites com a gestão Melo e na elaboração do TPU.

"Já temos o Alvará de funcionamento, a gente batalhou muito para conseguir todos os documentos que foram pedidos. Queremos que a administração assine esse Termo e suspenda o processo de reintegração de posse", afirmou Priscila.

No primeiro grau, o Juizado decidiu a favor da Casa Mirabal, contra a reintegração de posse. Agora, com a audiência levada para o TJ, uma decisão judicial pode determinar que o imóvel seja desocupado, interrompendo uma trajetória de mais de 600 mulheres atendidas pelo serviço.

Casa Mirabal presta um serviço diferenciado

A integrante do Movimento Olga Benário ressalta que o serviço prestado pela Casa é uma política pública prestada "mesmo sem receber um real da prefeitura, o mínimo seria eles cederem o espaço, algo que já foi acordado".

Reafirma que o trabalho é essencial na cidade, pois já são mais de 600 mulheres atendidas, muitas delas encaminhadas pela própria rede de enfrentamento à violência do município. Priscila afirma ainda que há uma espécie de "pressão" sobre os trabalhadores da rede, para que estes não encaminhem as mulheres vítimas de violência para a Mirabal. Porém, ela alerta que não há como evitar o encaminhamento, visto que os equipamentos da rede de proteção não têm vagas suficientes para todas as mulheres.

"A Casa de Apoio Viva Maria tem 11 vagas, e é somente para as mulheres que estão em risco iminente de serem mortas. E as outras? As que são agredidas em casa, que sofrem violência, mas que não necessariamente estão em risco de morte. É uma limitação muito grande", explica.

:: Casa Mirabal teve luz cortada e ficou dois meses sem energia elétrica ::

Cleo Marcia, por exemplo, é uma das mulheres que já passou pela Casa. "Eu fui pra Casa Mirabal depois de uma tentativa de feminicídio, quando levei quatro facadas e fiquei internada durante um bom tempo. Depois, eu fui acolhida na Mirabal, fiquei quase um ano", relata.

Depois de retomar sua vida, Cleo segue sendo assistida pelos serviços da Casa, em relação ao cuidado com suas crianças. No tempo em que esteve acolhida na Casa foi assistida por psicólogas e criou amizades. "Nos primeiros três meses, eu fiquei de cama, desde o banho até a comida era com as meninas da Mirabal. As gurias fazem o que o Estado não faz", disse.

Cleo relata que a Casa ajudou no seu crescimento pessoal, naquele momento difícil, mas também fez a diferença na vida de seus filhos, pois estes puderam ficar com ela, diferente de outros abrigos em que as mães são separadas de suas crianças.

Atendimento intermediário

Priscila considera que a Mirabal é um "equipamento intermediário", funcionando para as mulheres que não estão em risco iminente, mas que precisam sair de casa para não correr esse risco. "Muitas saem de casa com os filhos nos braços, com uma mochila nas costas, muitas vezes sem a Medida Protetiva ou um Boletim de Ocorrência ainda."

:: Dados revelam o desmonte das políticas de enfrentamento à violência contra a mulher ::

Relata que a Casa atende mulheres imigrantes e constrói um processo de geração de renda, para que as mulheres possam construir a sua independência. Além disso, o prazo de permanência na Mirabal é construído junto com as mulheres atendidas. Também é oferecido apoio psicológico, advindo de psicólogas voluntárias, além de acompanhamento jurídico, seja para registro de Boletim de Ocorrência ou pedido de Medidas Protetivas.

"É uma luta complexa, algumas precisam de uma casa, outras de creche para poder trabalhar. É um trabalho diferenciado que realizamos, envolve outras coisas além do abrigo", relata Priscila.


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Edição: Katia Marko