O Parlamento gaúcho historicamente é dominado por homens brancos, tendo baixíssima participação das mulheres, mesmo elas sendo metade do eleitorado. Da mesma forma, chama atenção a ausência de negros e negras no Legislativo estadual.
A situação gaúcha é um reflexo do que acontece no resto do país. Atualmente a Assembleia Legislativa do RS tem 55 legisladores, sendo 45 homens e somente 10 mulheres. Pelo quadro das candidaturas do pleito de 2022 a realidade tende a alterar pouco.
De acordo com especialistas ouvidas pelo Brasil de Fato RS isso se deve a um efeito histórico e estrutural do machismo e do patriarcado, assim como perpassa questões de financiamento.
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, no Rio Grande do Sul, cerca de 8,5 milhões de pessoas estão aptas votar nas eleições de 2022, sendo que pouco mais de 52% são mulheres. Em 2018 eram 8,3 milhões de eleitores aptos. O estado é o 5º maior colégio eleitoral do país.
Na configuração atual da Assembleia Legislativa, dos 45 deputados homens, apenas Airton Lima (Podemos) não se autodeclara branco. Lima é o quarto não-branco a assumir como deputado estadual em 83 anos de história da Assembleia. O estado nunca elegeu uma mulher negra em toda sua história.
Algumas novidades para 2022
Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), houve aumento de candidatos ao cargo de deputado federal neste pleito. Em 2018, foram cerca de 8500. Até o momento, são 10289 candidatos que vão disputar as 513 cadeiras da Câmara dos Deputados. Isso representa crescimento de 1.701, um acréscimo de 4% no total de candidaturas. No Senado Federal, comparado ao pleito de 2014, quando 1/3 das 81 cadeiras foram renovadas, também teve aumento: de 185 para 235 postulantes ao cargo.
Conforme noticiou a Agência Câmara de Notícias, em 5 de abril deste ano, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional 117 (originária da PEC 18/21), que obriga os partidos políticos a destinar no mínimo 30% dos recursos públicos para campanha eleitoral às candidaturas femininas. A distribuição deve ser proporcional ao número de candidatas. A cota vale tanto para o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido como Fundo Eleitoral, como para recursos do Fundo Partidário direcionados a campanhas. Os partidos também devem reservar no mínimo 30% do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão às mulheres.
Em 2022, o Fundo Eleitoral será de R$ 4,9 bilhões, enquanto o Fundo Partidário terá à disposição R$ 1,1 bilhão. A nova emenda constitucional ainda destina 5% do Fundo Partidário para criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, de acordo com os interesses intrapartidários. Neste ano, isso seria o equivalente a R$ 55,4 milhões.
Candidaturas gaúchas para as eleições em 2022
Nestas eleições de 2022, o RS apresenta para as eleições 1398 candidatos: 12 para o cargo de governador e 11 para o Senado (6 homens, 5 mulheres). Além destes, 544 concorrem para a Câmara dos Deputados (357 homens/187 mulheres). Apenas uma mulher concorre ao governo do estado. A participação das mulheres para este ano é de 33%; em 2018, era de 32%.
Para o Parlamento gaúcho, do total de 826 candidaturas a predominância também é masculina: são 556 homens (67,3%) e apenas 268 são mulheres (32,4%).
Repetindo 2018, em 2022 a maioria das candidaturas à Assembleia Legislativa do Estado (ALRS) é composto por brancos (674 candidatos, cerca de 59%). Houve um pequeno avanço de candidatos negros, aumentando de 70 para 87; e também de indígenas que foram de dois na eleição de 2018 para cinco, este ano.
Na busca por representatividade
Entre todos os candidatos registrados no RS, cerca de 79,9% (1140) se autodeclaram brancos. 783 são homens, 357 são mulheres. Autodeclarados negros são menos de 12% do total (159 candidatos), sendo 78 masculinas e 81 femininas. Aqueles que se declaram pardos são apenas 8,2% do total (117), sendo 82 homens e 35 mulheres. Ou seja, temos cerca de 20% de candidatos não-brancos.
Com relação às eleições de 2018, estes números representam um acréscimo de aproximadamente 8%.
Candidaturas indígenas e mandatos coletivos buscam espaço
Em relação às candidaturas indígenas, são apenas sete no estado, sendo cinco homens e duas mulheres. Além disso, no pleito deste ano três candidatos declaram nome social, duas para à Câmara e uma para a Assembleia.
Já em relação a candidaturas coletivas, de acordo com levantamento do GZH, foram registrados uma vaga ao Senado (Olívio Dutra/PT, Roberto Robaina/PSOL e Fátima Maria/PT), duas à Câmara (Coletivo Negro e Coletivo Mãos Dadas, ambas do PSOL) e quatro à ALRS (Coletivo Ivonete Carvalho e o Coletivo NegrAtividade, representados na urna por Ivonete Carvalho e Ìyá Sandrali ambas do PT, e os coletivos Bolsonaro Nunca Mais e Nós Coletivo, os dois do PSOL).
Iniciativas para impulsionar a representatividade
Entre as iniciativas para que haja uma maior participação de negros/negras e também de mandatos coletivos, foi criado o Quilombo nos Parlamentos, uma iniciativa da Coalizão Negra Por Direitos. De acordo com a organização há, nas eleições deste ano, ao todo, 120 candidaturas de homens e mulheres ligadas ao movimento negro. O objetivo da ação é reduzir o hiato de representatividade no Poder Legislativo e contribuir para um projeto de país mais justo para todas e todos, alinhado à luta contra o racismo.
Também atua nesta eleição a Frente Nacional de Mandatas e Mandatos Coletivos, que recentemente divulgou um manifesto sobre sua atuação e objetivos. “A democracia representativa vive uma crise no país e em alguns lugares no mundo. Esse momento é constatado quando observamos os altos índices de abstenção tanto de participação da sociedade nas decisões políticas, como no próprio ato de votar. Essa é uma demonstração do desgaste pelo qual passam os sistemas políticos e de poder no país”, destaca o documento.
De acordo com a organização, no período 2018-2020 foram mapeadas 28 experiências coletivas eleitas, sendo duas para mandatos em assembleias legislativas (Pernambuco e São Paulo) e 26 coletivos eleitos dentre as cerca de 250 candidaturas apresentadas com este formato nas eleições municipais de 2020. Juntos, os mandatos coletivos eleitos reúnem mais de 300 mil votos válidos nos pleitos que concorreram.
Segundo pesquisa da doutora em Ciência Política Bárbara Lopes e da mestranda em Direito Eleitoral Mariane Costa, com base na Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o país tem para essas eleições 213 candidaturas coletivas, sendo três ao Senado e as demais à Câmara e às Assembleias.
Representatividade é importante, mas não basta
Para a professora Julice Salvagni, do programa de pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a baixa representação das mulheres nos parlamentos é um efeito histórico e estrutural do machismo e do patriarcado.
“Nós temos a inclusão de mulheres, nesses últimos anos, sobretudo nas funções que têm relação com o cuidado: na educação e na saúde, por exemplo. Porém, nessas áreas que ainda há uma marca social de ser masculina, como é o caso da política, essa representação fica muito baixo do que se gostaria”, opina.
Ela enfatiza que a representatividade é importante, seja ela de mulheres, de pessoas negras ou indígenas, mas, além disso, importa que as pautas sejam representadas. “Eu digo isso, pois, muitas vezes, temos mulheres que têm participação na política, mas não carregam consigo as bandeiras da luta feminista ou as questões da luta de classes”, afirma.
Na sua opinião, a representatividade é importante, porém ressalta que não basta só incluir as mulheres nos cargos decisórios, mas também que as pessoas que são parte dessa representação tenham a clareza de levar adiante as pautas dos extratos sociais que representam. Ainda assim a professora enxerga que as bancadas devem ser representativas do ponto de vista da sociedade.
Baixa representatividade não é por acaso
Para a professora Maria Lucia Moritz, do Departamento de Ciência Política da UFRGS, a baixa representatividade que observamos nos parlamentos tem vários motivos, estruturais e institucionais.
"Tradicionalmente, a gente identifica que as mulheres são uma minoria política, que estão à margem das esferas de poder e dos espaços de representação política. Mesmo que esse ano se tenha 33% de mulheres candidatas, pode-se ver que esse valor é apenas um pouco acima do mínimo exigido por lei, que é de 30%", assevera.
A professora reitera que esse marco só foi alcançado a partir do momento em que os partidos passaram a ter a obrigatoriedade de obedecer a essa proporcionalidade mínima. Mesmo assim, essas normativas não têm sido efetivas o suficiente para reverter essa desvantagem política de gênero.
"Nós temos razões bem consolidadas que explicam a desvantagem das mulheres na política. Tem a ver com o nosso desenho institucional, com o financiamento de campanha e com o tempo livre, ou seja, as mulheres, em função de suas duplas ou triplas jornadas de trabalho ficam sem condições de se dedicar à atividade político-partidária".
Barreiras são conhecidas
Segundo a professora, a desigualdade na divisão sexual do trabalho faz com que as mulheres fiquem sobrecarregadas, de forma que têm muito menos tempo para se dedicar à vivência partidária.
"A gente tem visto esse percentual de 30% de candidaturas de mulheres, mas na hora da eleição tem um ‘filtro’ nas urnas, um obstáculo que derruba as mulheres, entre a candidatura e o mandato efetivo. Acaba que temos, por exemplo, na Câmara federal, apenas 15% dos assentos ocupados por mulheres."
Nesse sentido, a professora elenca uma série de barreiras impostas ao desafio de aumentar a representatividade feminina nas posições elegíveis. É uma dificuldade que outras minorias políticas também têm, como o caso dos negros e negras, que são atingidos pelo racismo estrutural, explica a professora, ressaltando que as mulheres negras têm mais dificuldade ainda de estarem nas listas partidárias e se elegerem.
A professora redobra a atenção sobre a questão do financiamento eleitoral: fazer campanha sem recurso é muito difícil para as pessoas que estão afastadas da esfera da disputa política-eleitoral, afirma. Além disso, temos o problema das candidaturas "laranjas", usadas para receber o fundo eleitoral e usar em outras lideranças partidárias.
Sub-representação é ruim para a democracia
A professora de ciência política acredita que a sub-representação é um problema para a democracia. Em sentido contrário, a inclusão de grupos sub-representados contribui para um sistema político mais plural e representativo.
"É uma questão de justiça a participação de grupos sub-representados na disputa eleitoral e se sua presença nas esferas políticas de decisão, com a conquista de mandatos. Isso é importante para que a democracia seja plural e tenha uma diversidade de olhares sobre a agenda política e na construção de seus interesses."
No Brasil, segundo a professora, os partidos são dominados por homens, brancos, endinheirados, que não querem abrir espaço para esses grupos nas instâncias de representação e decisão, para evitar a perda da hegemonia desses espaços.
"As minorias que vierem reivindicar entrar nesse espaço vão estar incomodando esses grupos que dominam. Os partidos acabam por dificultar a vida dessas pessoas. Nós vemos constantemente mulheres apontando que sofrem violência política de gênero de adversários políticos, mas também dentro da própria bancada."
Para Maria Lucia, para reverter esse quadro é necessário pressão social, para que os partidos mudem seu funcionamento internamente, mas também do ponto de vista institucional, criando estímulos para acolher todas esses diferentes segmentos.
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Edição: Katia Marko