A cena é patética. O sujeito que ocupa o cargo de presidente da República, durante a comemoração do bicentenário da Independência do Brasil, profere a frase “procurem uma mulher, uma princesa, se case com ela para serem mais felizes ainda!”. Com uma mão no microfone e a outra sobre o pescoço de sua esposa, a beija.
A multidão de fãs enlouquece. Em resposta, ele agradece o seu deus pela segunda vida e pela missão que lhe foi dada. As pessoas começam a puxar o coro “mito, mito, mito” e para a vergonha alheia de todo e qualquer ser humano que sabe sobre a importância do posto mais alto do executivo o mesmo responde: “imbrochável, imbrochável, imbrochável”.
Poderia ser uma fala em prol de um povo mais unido, mais tolerante com a sua própria diversidade, de que foram as lutas conjuntas que construíram a Independência do Brasil. Mas o mesmo fez o de sempre, um discurso eleitoreiro e vexatório.
Bem, não é surpresa alguma que o recalcado retorne. Explico. O recalque é um dos conceitos fundamentais da psicanálise. No ano de 1915, Freud escreveu de forma detalhada como esse mecanismo psíquico funciona. Em resumo, toda ideia que tem uma incompatibilidade com o Eu, com essa consistência imaginária de quem sou, é enviada para o inconsciente justamente pelo fato de ser insuportável lidar com algo que é estranho em mim mesmo. Mas prestem atenção, a ideia não desaparece. Há todo um gasto de energia psíquica que busca silenciar essa ideia, mas ela volta, ela sempre volta.
E obviamente que as questões referentes à sexualidade estariam na boca do atual presidente da República, como sempre estiveram. Além de ter uma longa história de frases polêmicas relacionadas ao assunto, o mesmo faz questão de constantemente se auto afirmar viril.
O circo constantemente armado na saída do palácio do planalto também foi palco de um momento em que o mesmo disse: "fiquem tranquilos, já falei que sou imorrível, imbrochável e incomível”. Então, o que quer o presidente? Qual sua grande necessidade de afirmar potência? Seria justamente para encobrir a falta da mesma? O que interessa ao povo brasileiro a performance sexual do presidente da República?
Por um infeliz erro de percurso fiquei preso na manifestação em favor do atual presidente. Foi notável o furor de alguns homens que o apoiam. Camisetas com sua imagem, gritos de bravura, mãos em formato de "arminha'' e símbolos que lembram um conhecido objeto fálico de poder. Me pareceu que naquele momento, para alguns, a paixão por um outro homem pode ser realmente expressa.
E é justamente só nessas ocasiões que a idolatria por esse que nos governa pode ser manifestada de uma forma a garantir a tão frágil masculinidade. Talvez para muitos seja a maneira mais segura do insuportável desejo por alguém do mesmo gênero aparecer.
Uma maneira meia bomba, claro. Óbvio que muitos se identificam. Ele é sim o melhor representante! Ou vão me dizer que existe outra pessoa que melhor expresse de forma crua essa estrutura social machista, misógina, homofóbica e racista que vivemos? O mesmo que critica a educação sexual nas escolas é aquele que fala da sua própria performance sexual a todo o povo brasileiro no dia da Independência do Brasil. Enfim, a hipocrisia, enfim, Bolsonaro.
* Graduado em Psicologia Clínica e Ciências Biológicas, mestre em Genética e Biologia Molecular. Atualmente realiza atendimento clínico embasado no referencial teórico e ético de Jacques Lacan.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira