Porto Alegre conta com 11 quilombos urbanos, marcados pelas tentativas de reintegração de posse, invasões e a demora da demarcação de seus territórios. Diante do último episódio, ocorrido no Quilombo Alpes, neste final de semana, quando cerca de 20 pessoas invadiram o local, manifestantes e entidades lançaram um manifesto em defesa dos quilombos. Divulgado nesta quinta-feira (1º), o documento é assinado por 30 entidades e movimentos populares.
“O Quilombo dos Alpes é uma comunidade tradicional centenária de Porto Alegre, localizada no bairro Glória/Cascata. Assim como os demais dez territórios quilombolas da cidade, o Quilombo dos Alpes está sob franco ataque de disputas territoriais violentas dadas através de uma relação de forças perversas e desiguais. As lideranças quilombolas têm sido insistentemente acossadas pelo avançar da violência de milícias, grileiros e traficantes que tentam ocupar o território quilombola. A demora do Estado brasileiro em demarcar, proteger e qualificar o bem viver das comunidades quilombolas contribui para esse cenário de extermínio da população quilombola”, destaca o documento.
De acordo com o manifesto, o esgotamento das comunidades frente às violências sistemáticas a que estão sujeitas, apesar de dificultar, não tem impedido a continuidade da luta quilombola pela liberdade e libertação da monocultura do pensamento capitalista. Contudo é muito alto o preço pago na luta por liberdade.
Conforme destacou o advogado da Frente Quilombola RS, Onir Araujo, à reportagem da GZH, dos 11 quilombos urbanos de Porto Alegre, quatro já sofreram tentativas de invasão. São eles:
Quilombo da Família Ouro, na Lomba do Pinheiro - sofreu invasões, repelidas. Há disputa com vizinhos, donos de sítios.
Quilombo Lemos, no bairro Menino Deus - há disputa com vizinhos e a área demarcada sofreu desmatamentos ilegais, segundo os quilombolas. A perda de árvores acarretou inundações no local. Está certificado pela Fundação Cultural Palmares como área de remanescentes de afrodescendentes escravizados.
Quilombo Fidelix, bairro Azenha - ocorreu destruição da horta comunitária por invasores. Advogado dos quilombolas conseguiu na Justiça a manutenção de posse do quilombo. Está certificado pela Fundação Cultural Palmares como área de remanescentes de afrodescendentes escravizados.
Quilombo dos Alpes, no bairro Cascata - sofreu tentativa de invasão de casas dos moradores no último fim de semana. Há alguns anos, duas lideranças quilombolas foram assassinadas numa disputa de terras, mas as investigações apontaram como causa a desavença entre vizinhos e não uma invasão organizada do quilombo. Está certificado pela Fundação Cultural Palmares como área de remanescentes de afrodescendentes escravizados.
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Abaixo o manifesto completo:
Manifesto em defesa dos territórios quilombolas de Porto Alegre - Quem não pode com a formiga, não atiça o formigueiro
O Quilombo dos Alpes é uma comunidade tradicional centenária de Porto Alegre, localizada no bairro Glória/Cascata. Assim como os demais dez territórios quilombolas da cidade, o Quilombo dos Alpes está sob franco ataque de disputas territoriais violentas dadas através de uma relação de forças perversas e desiguais. As lideranças quilombolas têm sido insistentemente acossadas pelo avançar da violência de milícias, grileiros e traficantes que tentam ocupar o território quilombola. A demora do Estado brasileiro em demarcar, proteger e qualificar o bem viver das comunidades quilombolas contribui para esse cenário de extermínio da população quilombola. Na manhã de domingo, 28 de agosto de 2022, as casas do projeto Habitacional Quilombo dos Alpes foram invadidas por cerca de 20 pessoas. No entanto, o grupo logo foi dispersado pela Brigada Militar. Porém, a tensão entre a comunidade quilombola e os invasores seguem atormentando as lideranças do Quilombo dos Alpes que movimentam, junto com a Frente Quilombola do RS a vigília dos sujeitos e o território quilombola.
Em dezembro de 2008, duas das lideranças quilombolas foram assassinadas dentro do território em decorrência de disputas movidas pela especulação imobiliária. O assassino foi condenado a trinta anos de prisão, mas hoje responde em regime de prisão domiciliar. Na ocasião, a atual liderança quilombola também foi baleada, mas conseguiu sobreviver, e hoje segue na luta por melhorias para a comunidade quilombola. Tendo o medo como companhia as lideranças do Quilombo dos Alpes desafiam o Estado Brasileiro a cumprir a necessária reparação histórica e geográfica ao explorado povo negro, indígena e quilombola que muita riqueza gerou na construção deste país.
O projeto Habitacional Quilombo dos Alpes - JV representa o acesso a uma política pública, o programa Minha Casa, Minha Vida-Entidade e é destinada a construção de 50 casas para 50 famílias quilombolas já cadastradas, e que acompanham o projeto desde 2016 quando do início de sua organização. A implementação só se efetivou com acesso ao financiamento em março de 2019 quando após exaustivo processo de judicialização o recurso do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), do atual Ministério do Desenvolvimento Regional, administrado pela Caixa Econômica Federal, foi então liberado. O projeto tem o destacado protagonismo da Associação do Quilombo dos Alpes D. Edwirges enquanto Entidade Organizadora a acessar esse tipo de edital majoritariamente acessado por empreiteiras e agentes do capital imobiliário. O ineditismo da organização do projeto por parte da associação quilombola em âmbito urbano é assessorado pelo Núcleo de Estudos Geografia e Ambiente, do curso de Geografia da UFRGS e atualmente conta com a parceria da Cooperativa de Trabalho Habitação e Consumo Construindo Cidadania COOTRAHAB de São Leopoldo.
Com a pandemia e a paralisia completa das obras, a Associação Quilombola dos Alpes tem feito denúncias ao poder público sobre o abandono e a violência a qual estão submetidos. Desde o início da pandemia a comunidade vem exigindo respeito, reconhecimento, sinalização do território e iluminação pública enquanto medidas diretas de segurança, no entanto a lentidão dos serviços públicos, uma das expressões do racismo institucional que organiza a sociedade brasileira até os dias de hoje reforçam a desigualdades enfrentadas pelos sujeitos quilombolas. O esgotamento das comunidades frente às violências sistemáticas a que estão sujeitas apesar de dificultar, não tem impedido a continuidade da luta quilombola pela liberdade e libertação da monocultura do pensamento capitalista. Contudo é muito alto o preço pago na luta por liberdade. As vidas quilombolas estão em risco permanente, seja no Quilombo dos Alpes, em Porto Alegre, no Maranhão e em todo o Brasil. Responsabilizamos estas violências e as múltiplas escalas de negligência/violência de Estado e sua Colonialidade Permanente. O Estado nos acusa de estressar as suas instituições e institutos , sem reconhecer o quanto as instituições nos massacram.
Nossa luta e nossos apelos não se resolvem a cada eleição, demandam ações diretas, efetivas e continuadas. Nossa luta não é hashtag, é por liberdade, reconhecimento, segurança, titulação e bem viver. Frente a crise civilizatória que enfrentamos, lutamos por outros projetos de sociedade, mais plurais, diversos e menos desiguais. O Quilombo dos Alpes e os Quilombos de Porto Alegre, assim como os amigos e apoiadores convidamos a
compartilhar conosco a prática efetiva do UBUNTU se integrando a vigília no Quilombo dos Alpes que acontece desde o dia 28/08/2022 até 05/09/2022 no território do Quilombo, Estrada dos Alpes, 1300. Toda contribuição financeira ou presencial é bem vinda.
Apoiam este manifesto quilombolas as seguintes entidades:
● Quilombo dos Alpes
● Quilombo dos Machado
● Quilombo da Família Flores
● Quilombo da Família Lemos
● Quilombo da Família de Ouro
● Quilombo da Família Silva
● Quilombo da Família Fidélix
● Quilombo do Areal
● Frente Quilombola do RS
● Núcleo de Estudos Geografia e Ambiente (NEGA/UFRGS)
● Programa de Pós Graduação em Geografia (PósGea/UFRGS)
● Núcleo de Estudos Afro Brasileiros e Indígenas (NEABI/UFRGS)
● Associação de Geógrafos Brasileiros
● Observatório das Metrópoles - Porto Alegre
● Associação Brasileira de Antropologia (ABA) - GT Quilombos
● Cooperativa de Trabalho Habitação e Consumo Construindo Cidadania COOTRAHAB - São Leopoldo/RS
● Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM)
● SINTECT - RS
● GT Emancipação e Pós Abolição - ANPUH/RS
● Emancipação Ecossocialista/PSOL
● Associação Saraí
● Ação Antifascista Social
● Resistência Popular
● Coletivo Raízes Baobá
● Coletivo Soul Papo
● Grupo de capoeira Angola n’Zambi (POA)
● PCB
● UJC
● DCE UFRGS
● DCE UFCSPA
● Quilombo Raça e Classe
● Coluna Vermelha do Inter
● PSTU
● Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia
● ASSUFRGS - Sindicato dos Técnicos Administrativos da UFRGS, UFCSPA e IFRS
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Edição: Katia Marko