O Quilombo dos Alpes tem todo o apoio e solidariedade do Observatório das Metrópoles – Núcleo POA
Hoje em nossa coluna, estaríamos repercutindo o Fórum Local Reforma Urbana e o Direito à Cidade: visões a partir de Porto Alegre, realizado dias 18 e 19 de agosto. Um profícuo Fórum de debates e avaliações sobre o processo de construção do projeto urbano ultraliberal no Brasil e no município de Porto Alegre e suas consequências para a realização da reforma urbana e o exercício pleno do direito à cidade aqui nesta metrópole do Sul.
Nosso fórum reuniu pesquisadoras e pesquisadores locais, nacionais e convidados estrangeiros, além de diversos ativistas, movimentos sociais, estudantes que compartilharam experiências, dialogaram com suas práticas e trouxeram sua visão dos limites e possibilidades da luta por uma cidade menos desigual e excludente que a atual que estamos vivendo e a futura que parece ser a tendência que se está construindo. As mesas do Fórum estão disponíveis em nosso canal do Youtube e retomaremos o mesmo em próxima ocasião.
Entretanto, mas não exatamente fora de nossa arena de discussão, uma questão urgente nos leva a nos manifestar: neste momento, em Porto Alegre, a cidade “inovadora”, a outrora capital da democracia participativa, o Quilombo dos Alpes, uma comunidade quilombola urbana, um território negro, está sendo ameaçado de invasão e seus membros e lideranças estão coagidos fisicamente por grupos armados.
Trata-se de um ataque organizado - já que outras organizações da comunidade negra foram atacadas recentemente - que necessita ser denunciado e rechaçado por toda a sociedade civil, movimentos sociais e populares, sindicatos, organizações sociais, universidades, grupos acadêmicos, coletivos de direitos humanos e cidadãos e cidadãs de Porto Alegre que se opõem à barbárie e defendem a democracia e os direitos sociais e coletivos das populações tradicionais, do nosso povo da periferia.
Os quilombos urbanos de Porto Alegre constituem uma importante, talvez a mais importante, rede de territórios das populações tradicionais no espaço urbano do nosso país. São resultado de um amplo processo de mobilização e luta pelo reconhecimento destas territorialidades tendo em vista a reparação e a consideração do Estado brasileiro, da espoliação que estas populações e seus descendentes sofreram durante o período da escravidão e nos anos e décadas subsequentes, produto do racismo estrutural e estruturante das relações sociais em nossa capenga República.
Mesmo após a Constituição de 1988, que consagrou o direito a estes territórios, persistem todas as dificuldades burocráticas, legais, administrativas e políticas de reconhecimento destas territorialidades, cujo processo é moroso e cheio de armadilhas jurídicas e (mais uma vez) burocráticas para sua conclusão.
Porto Alegre possui nove comunidades quilombolas, territórios negros, em processo de reconhecimento e titulação, segundo o Atlas da Presença Quilombola em Porto Alegre/RS, produzido pelo Núcleo de Estudos Geografia e Ambiente - NEGA da UFRGS, com apoio da Frente Quilombola do RS e do Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombo (IACOREQ-RS). Além de diversas outras comunidades territórios negros e quilombolas que estão em vias de reconhecimento e visibilidade por seus vínculos e identidade com a história da população de raiz e ascendência africana, em termos étnico-raciais, de laços de sociabilidade, cultura e religião.
Entre eles o Quilombo da Família Silva, o primeiro quilombo urbano titulado do país (em 2009), que sofreu toda a sorte de constrangimentos, ameaças e pressões para que não permanecesse ali onde está, em uma área “nobre” da cidade, e o Quilombo dos Alpes, comunidade centenária localizada na zona Sul, certificada em 2005, igualmente localizado em área de interesses imobiliários. Acrescentamos a esta rede, os territórios vinculados aos povos originários, que também lutam por reconhecimento e permanência no espaço da metrópole.
A presença dos territórios quilombolas, dos quilombos urbanos, é importante para a manutenção e sobrevivência destas famílias e comunidades. Além de ter um significado especial na luta por uma cidade mais democrática e menos desigual. A presença dos territórios quilombolas significa para toda a população da periferia porto-alegrense, um sinal de que nem toda a terra urbana deve ser produto de mercantilização e valorização imobiliária. De que é possível construir territórios coletivos e comunitários, onde prevaleça a ideia de cidade como um valor de uso, para a reprodução da vida e não como valor de troca, para a reprodução do capital.
O Quilombo dos Alpes é um dos grupos mais organizados, território certificado e com projeto de moradia em andamento com financiamento do programa Minha Casa Minha Vida Entidades, o que demonstra a potência e a qualidade da organização e da rede de apoio desta comunidade, que se materializa em conquistas sociais e materiais concretas. Trata-se, portanto, de um “mau exemplo” segundo alguns setores reacionários e proto-fascistas que emergiram nos últimos anos na nossa cena política. Esta invasão põe em xeque políticas públicas e corrobora para narrativas antirreconhecimento dos quilombolas disseminadas na sociedade.
Em outra ocasião, lideranças desta comunidade foram cruelmente assassinadas e feridas. Não podemos permitir que a violência e a brutalidade ameacem mais uma vez estas comunidades. O Quilombo dos Alpes tem todo o apoio e solidariedade do Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto Alegre na sua luta por reconhecimento, permanência e reprodução social e cultural como território negro, livre e comunitário na e da metrópole. Lutar é preciso! Resistir é preciso!
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko