Rio Grande do Sul

INSPIRAÇÃO

“O que a gente construiu com o Afro-Sul nesses 50 anos não tem preço”, afirma Paulo Romeu

Multiartista conta sua trajetória e revela a filosofia de resistência artística, social e antirracista do Odomode

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Paulo Romeu é mestre de bateria, compositor, diretor musical do Grupo de Música e Dança Afro-Sul e coordenador do Instituto Sociocultural Afro-Sul Odomode - Foto: Maciel Goelzer

O entendimento de que a música podia ser, para além de expressão artística, uma ferramenta de transformação, já veio no DNA do Mestre Paulo Romeu. Contudo, a manifestação dessa história, que hoje mistura-se com a relevante trajetória do Afro-Sul Odomode para a cultura negra e brasileira em Porto Alegre, foi construída no encontro com muitas pessoas e com base na ancestralidade.

Conhecido pelos mais íntimos como Paulinho, Paulo Romeu Deodoro é mestre de bateria e diretor musical do Grupo de Música e Dança Afro-Sul e coordenador do Instituto Sociocultural Afro-Sul Odomode há quase 50 anos, junto com Iara Deodoro, sua companheira, que é bailarina, coreógrafa, fundadora e diretora do grupo de dança Afro-Sul. É licenciado em Música pelo Centro Universitário Metodista IPA e desenvolve trabalhos de pesquisador e divulgador da cultura afro-gaúcha, atuando nas áreas de composição, canto e percussão e também como violonista e contrabaixista. Tem dois discos gravados com o Afro-Sul, um individual com a Banda Okutá, e ainda um terceiro com o Mestre Griot Paraquedas.

O Odomode, localizado na Avenida Ipiranga, é um ponto de cultura reconhecido nacional e internacionalmente. Por lá passaram feras da música. Muitos outros lá se formaram e hoje carregam essa vivência em suas trajetórias. Preserva valores, produz arte e fomenta reflexão sobre a história e a memória afro-gaúcha através de atividades educacionais e culturais realizadas diariamente.

No Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha de 2022, Paulo Romeu lançou a música e o videoclipe de uma nova canção sua, a “Morro da Cruz”. A letra fala do apagamento da história do povo negro nos morros de Porto Alegre, em um paralelo da história de Jesus com o apagamento dos traços. Foi a oportunidade para entrevistá-lo, para falar desta música e registrar sua história e do Afro-Sul Odomode.

A entrevista foi no Odomode, numa tarde ensolarada do inverno gaúcho. Ao chegar lá, acompanhado do fotógrafo Maciel Goelzer, já conhecido pelo pessoal – integrante do Maracatu Truvão, grupo que ensaia ali nas noites de segunda-feira –, estava Dona Iara e outras mulheres costurando roupas do grupo. Recepção calorosa. Do lado de fora, secavam ao sol chapéus recém pintados. O espaço estava em preparação porque no domingo que se aproximava aconteceria a festa de lançamento da música.


Entrevista foi realizada em meio aos tambores do Afro-Sul Odomode / Foto: Maciel Goelzer

Quando Paulo Romeu chega, todos se aproximam e forma uma roda que canta um “parabéns a você”. Minhas primeiras palavras com o entrevistado foram felicitações pelos seus 65 anos de idade, indicando que não seria uma entrevista comum. O que, de fato, se confirmou. O roteiro de perguntas foi abandonado quando, por mais de uma hora e meia, sentado em frente ao Paulinho em seu escritório, rodeado de tambores que recém tinham recebido novas peles de suas próprias mãos e acompanhado do fotógrafo e dos produtores Pedro Roots e Tamiris Duarte, a entrevista se transformou numa viagem por suas memórias. Oralidade carregada de afetos, risadas e seriedade sobre o passado e o presente, marcada por perspectivas antirracistas.

"Sou filho de músico"

Ao falar da arte como ferramenta de transformação social, Paulinho começa chamando a ancestralidade. “Sou filho de músico, tá mostrando ali a foto do meu pai, Paulo Santos Deodoro, músico muito conhecido na época em Porto Alegre, violão 5 estrelas ele era chamado, porque tocou muito tempo no Plaza São Rafael, hotel 5 estrelas, então era o violão 5 estrelas”, conta, apontando para o quadro pendurado na parede do seu escritório.


Na parede do escritório está o retrato de seu pai, que foi conhecido na capital gaúcha como "o violão 5 estrelas" / Foto: Maciel Goelzer

“Acho que desde a barriga da minha mãe eu já vinha com essa coisa, com esse DNA e com essa missão, mas eu tinha uma outra visão quando moleque, de ver os músicos viajando pra lá e pra cá, andando em caravana, eu achava muito legal essa vida. Eu tinha essa vontade e aí acabei indo pra São Paulo com a Afro-Sul em 1977, com 19 anos”, prossegue.

Ressalta que, como percussionista, é cria de Neri Caveira, mestre-de-bateria da Imperadores do Samba por vários anos. Quando tinha 15 anos, Neri o colocou como mestre de uma bateria de adultos, o que na época foi um desafio, mas abriu caminhos. “A maioria dos mestres que tem aí passaram aqui na nossa bateria dos garotos, eram moleques aqui, tomavam baquetada que eu atirava, eu ficava em cima de um caixote com um monte de baquetas no bolso, ficava com preguiça de ficar descendo lá pra falar com um por um toda hora, então eu só tocava baqueta”, diverte-se.

Lança mais elogios ao Mestre Neri Caveira, que o inspira por não se prender a estilos. “Ele tocava com a escola de samba, com os roqueiros, no festival nativista, com o pessoal do reggae, era um arranjador, verdadeiro maestro. Aprendi com ele muito essa coisa de poder transitar em vários gêneros também, não ficar preso a um só gênero”, comenta.

Vivendo o showbusiness em São Paulo


Sorrisos e recordações afetuosas das parcerias e amizades do período em que Paulo Romeu viveu em São Paulo / Foto: Maciel Goelzer

Com vinte e poucos anos de idade, entre 1977 e 1981, Paulo Romeu viveu em São Paulo com o grupo Afro-Sul. Lá, integrou o grupo Pau Brasil, ao lado de seu amigo, o ícone do samba-rock Bedeu. Também era próximo de Luis Vagner Guitarreiro. Recorda de ambos, hoje já falecidos, com admiração. “Meu compadre Bedeu, onde estiver, já sabe que estamos sempre juntos, o Luis Vagner também, são duas referências pra mim, maior honra.”

Os três gaúchos, na época, eram aconselhados a ir morar no Rio de Janeiro, por outro amigo, o percussionista Filó, mas não deram ouvidos. “A gente gostava muito de São Paulo, e porque a gente morava em Santa Cecília, o Vagner com a banda dele, o Bedeu com o Pau Brasil e nós com o Afro-Sul, tudo em Santa Cecília, dominamos o bairro e na época, a gente conhecia todo mundo nas casas noturnas.”

Era uma cena efervescente, “showbusiness”, nas suas palavras. “Eu estive junto com os caras no início do bagulho, quando eles estavam chegando, a maioria chegando em São Paulo, dos nossos ídolos, Djavan de cabelinho bem baixinho, blackzinho, humilde como ele é até hoje, tocando muito, tocando na noite”, lembra.

Até que bateu a saudade em alguns integrantes da banda e a Afro-Sul voltou para Porto Alegre. Mas Paulo Romeu, junto do Marquinhos, que é maestro, ficou acompanhando a Pau Brasil. Entre muitas viagens veio a gravação do segundo disco. Contrato com a gravadora Continental. “Tava no auge, também ia gravar um disco meu solo, a gente andava lá de limusine com o cara pra lá e pra cá, o cara tomava whisky, o dono da gravadora, na época eu era moleque com 20 anos”, lembra, achando graça.

O contato da Pau Brasil com a gravadora foi através do produtor Manuel Barende e veio pelos Originais do Samba, especialmente Muçum, que “ficou louco” com as músicas e abriu caminhos para mostrarem o trabalho. No dia da audição, ele lembra: “No meio da música eles disseram: ‘para, para, pode parar, daqui um mês no máximo vamos começar a gravar’. Só que ele mexeu na formação do grupo, era uma banda de seis cabeças, ele chegou: ‘os três compositores, mais conhecidos, vocês vão ficar na frente, e os outros três nós vamos montar com mais uma banda de base, com outros músicos fera’”.

Retorno ao Sul e início do trabalho social


"O social, o cultural sempre foi o mais importante" / Foto: Maciel Goelzer

Foi aí que veio a sacada de que “era hora de saltar”, já que tinha tantos outros amigos que poderiam estar no seu lugar. Em Porto Alegre estavam os seus, estava sua filha por quem morria de saudades, estava o Afro-Sul, que dependia dele na parte da música. Voltou, deixando um amigo para gravar os baixos que ele já tinha feito o arranjo.

“No retorno eu me liguei de uma coisa mais social. Tirei o salto alto, desci aqui na Cruzeiro pra trabalhar como instrutor de percussão, fiquei ali, trabalhei um ano, dois anos, já me adaptei muito bem, comecei a me achar no que eu queria de cabeça”, reflete.

Percebeu então que sua coisa era formação e entende que isso está escrito na história de tudo o que se tornou o Afro-Sul em cinco décadas. “O social, o cultural sempre foi o mais importante. A gente podia chegar e mergulhar mais no artístico e deixar o social, e pensar mais no nosso umbigo, a gente teria mais coisas, materialmente falando. Mas tudo que a gente construiu de filosofia com o Afro-Sul nesses 50 anos, as gerações que passaram aqui, que estão espalhadas pelo mundo inteiro, que são embaixadores nossos em qualquer lugar do mundo que eles estão, isso aí não tem preço.”

Mestre Paraquedas e as origens do Odomode

Relembrando dessa história e de como, logo em seguida ao seu retorno, aquela formação da Pau Brasil acabou não funcionando, conta que o Bedeu, ao sair do grupo, lançou seu primeiro disco solo. A música “África no Fundo de Quintal”, que dá nome ao disco do Bedeu, é uma composição de Paulinho. “E dali surgiram tantas coisas”, comenta. Uma delas foi o grupo Fundo de Quintal no Rio de Janeiro, nome que inicialmente pegou estranho. “Mas legal também, pra nós o importante era a coisa andar”, afirma, lembrando que um dos fundadores do Fundo de Quintal, o Almir Guineto, era muito amigo.

Também carioca, seu amigo Serginho Meriti, outro “fera do samba que mandava no bagulho”, já fez parcerias com vários ícones do samba, entre eles Zeca Pagodinho. Dessa amizade nasceu a ideia, mais recentemente, de mostrar as músicas do Mestre Paraquedas para Pagodinho, a fim de colocá-lo no evento que Zeca realiza, o Quintal do Pagodinho, projeto que busca dar visibilidade a compositores. Paulinho ressalta o que Serginho lhe diz: “Ele ia ficar de cara porque eles não esperam que tenha aqui gente que seja compositor do nível de Cartola, do nível de Nelson Cavaquinho”. E comenta: “o Mestre Paraquedas além de fazer samba de raiz do nível desses mestres do samba de raiz, ele faz um reggae de raiz, ele faz rap de raiz, ele faz funk de raiz”.


Também está pendurada na parede, em forma de homenagem à ancestralidade, a foto do Mestre Paraquedas, ao lado do Mestre Borel / Foto: Maciel Goelzer

Eugênio da Silva Alencar, conhecido como Mestre Paraquedas, hoje tem 85 anos e é um mestre griot. Músico, compositor, poeta, desenhista e contador de histórias, repassa para as novas gerações a cultura do povo negro. Assim como Paulo Romeu, morou na Areal da Baronesa, local onde hoje fica a Cidade Baixa e que guarda marcas de quando, habitado por descendentes de africanos, era reduto de músicos e carnavalescos. Hoje, depois das diversas intervenções higienistas que retiraram o povo negro da região durante o século XX, a Areal da Baronesa é reconhecido como Quilombo urbano de Porto Alegre.

Paulinho destaca a relevância do Mestre para o Afro-Sul. “Uma importância muito grande, é como se ele fosse uma biblioteca de Alexandria, se a gente foi lá e entrou no Egito em Alexandria, ele é o Alexandria que entrou no Afro-Sul Odomode, com todo o conhecimento dele, com toda a simplicidade, com uma história muito linda, muito rica.”

Conta que o apelido é porque foi paraquedista de verdade e recorda de sua história, que se confunde com a história do povo negro em Porto Alegre. “O pai dele era policial civil e ele se criou ali na Areal da Baronesa, então ele conhecia muito a questão negra, acho que quando era pequeno pegou o príncipe Custódio vivo ainda lá”, diz, trazendo a memória de Osuanlele Okizi Erupê, que se refugiou no Brasil e veio morar em Porto Alegre em 1901, adotando o nome Custódio Joaquim de Almeida, príncipe de Ajudá. Paulinho segue em frente pontuando que Mestre Paraquedas foi um dos fundadores dos Comanches, tribo carnavalesca ainda ativa na capital gaúcha, e compôs vários sambas-enredos para diferentes escolas de samba.

“A nossa história do Afro-Sul começa lá, mais ou menos no príncipe Custódio, pra não começar antes, porque aí antropologicamente ainda não estamos com toda essa perna, mas a gente tá chegando, antes do príncipe Custódio ainda lá na Areal. Mas a gente vem dele pra cá, então já vem ali o mestre Paraquedas, Lupicínio Rodrigues, que o meu pai tocava com ele, eu era moleque e já andava junto, conhecia os músicos da época, altas feras que tocavam e ensaiavam lá em casa. Pude conviver, ter esse privilégio, nascido e criado na Areal da Baronesa também”, prosseguiu.

“Quantos Jesus têm ali na comunidade?”

Hoje, Mestre Paraquedas mora no Morro da Cruz, local que tem uma vista de grande parte da cidade de Porto Alegre. Morro da Cruz é também o nome da música mais recente lançada por Paulo Romeu. Um samba-jazz que faz um paralelo entre a história de Jesus - em suas versões e contradições contadas pelos diversos povos ao longo dos séculos - e o apagamento da história real dos povos originários dos morros da cidade de Porto Alegre em nome do progresso.

 

Segundo Paulinho, a mensagem que essa música quer passar está relacionada com a espiritualidade, como é a música para ele, “muita coisa que a gente recebe”. Foi juntando pedaços de histórias contadas pelo Mestre Paraquedas, que mora na subida do Morro da Cruz. Também dos moradores da comunidade e da tribo Comanches.

“A gente às vezes estava por ali participando e tentando entender um pouco desse processo. Hoje em dia só resta essa tribo em Porto Alegre, ali do São José, da subida do morro. Tá lá resistindo ainda enquanto coisa cultural da fusão da cultura africana com a cultura indígena e tal, coisa brasileira mesmo. Então isso aí tá ali na música, a moçada que eu conheci da antiga tá ali, heróis da comunidade que não morreram de overdose, mas morreram assassinados e classificados como traficantes”, explica.

Também lhe inspirou a tradicional procissão da Paixão de Cristo que é realizada anualmente no período da Páscoa no Morro da Cruz. “Também isso foi uma coisa que, quando eu fazia a música, vinha na minha cabeça, aquela coisa do Cristo ali apanhando, descendo com a cruz. E tem essa coisa de desmistificar o Cristo de olhos verdes, olhos azuis, cabelo liso”, prossegue, quando então traz uma questão: “Quantos Jesus têm ali na comunidade, esses próprios que estão citados ali na música, que morreram ali e tal?”. Segundo Paulinho, a criminalidade é algo muito presente na vida dos seus alunos nas comunidades. Contudo, conta que sempre foi respeitado, “não tinha encrenca”.

Os heróis morrem assassinados


"Minha geração toda já foi antes, não morreram de overdose, mas morreram assassinados" / Foto: Maciel Goelzer

Paulinho diz sentir-se realizado com sua trajetória e ressalta a importância de fazer acontecer, de gravar músicas e lançar trabalhos, algo tão difícil. Ainda mais no Rio Grande do Sul, local que considera desvalorizar a música popular “e a música negra ainda mais”. Aponta que tem tanta gente com um ótimo trabalho autoral que fica nas periferias, muitos deles passam pelo Odomode, mas ninguém nunca viu porque nem mesmo os bares de Porto Alegre abrem espaço para a arte produzida por aqui.

“Tô com 65 fazendo hoje, mas se eu chegar aos 70, pra mim, bah, tô realizado porque a minha geração toda já foi antes, não morreram de overdose, mas morreram assassinados”, comenta. “Diferente do Cazuza, nossos heróis morreram a maioria assassinados: Zumbi, Marielle Franco, o Moa do Katendê, meu irmão, meu compadre, meu parceiro de música”, complementa, recordando com emoção do impacto da perda do amigo.

“Entendi o que que nós ia passar nesses quatro anos de governo Bolsonaro, que a gente passou e tá passando ainda. A gente já entendia, claro, a gente tava lutando contra, mas aquilo veio como um negócio que não foi só nele. Vejam o documentário Mestre Moa do Katendê – A primeira vítima, já tá no YouTube, todo mundo falando ali. Agora que os caras tão sentindo a força dele, alguns já estavam mais ligados, tipo Caetano, mas a maioria tá sentindo agora, o Carlinhos Brown, o pessoal do Olodum, eles mesmos falando: ‘agora a gente tá sentindo que isso aí foi pra nós todos, não foi só ele, é pra nós’. Isso aí agora vai ser uma coisa constante, é matança, matança e matança. Já morrem tantos jovens negros por minuto no Brasil, agora então nem se fala”, lamenta. 

Paulo Romeu entende que o atual momento é de todos estarem juntos, “mídia, intelectuais, pobres, índios, LGBT, cada um contribuindo com a sua arte, tu com a tua escrita, ele com a foto, ela com o baixo, ele lá com tudo que pode fazer”. Para ele, cantar, tocar e dançar são a sua resistência. Mas ressalta a importância do período eleitoral: “É importantíssimo eleger o Lula, não sou do PT, não sou lulista também, mas vejo a coisa pela questão política de onde puder ter uma tábua pra se agarrar, pra poder retomar o diálogo”.

Empoderamento das novas gerações


"Às vezes o avanço é meio lento, em certas gerações, mas a coisa está sempre avançando" / Foto: Maciel Goelzer

Entusiasta das novas gerações, Paulinho nota que os jovens negros estão mais conscientes que a sua geração, “que foi mais subserviente no sentido de engolir coisas, porque até queria, mas ficava com medo de acabarem contigo e com os teus”. Para ele, sempre há avanço. “Às vezes o avanço é meio lento, em certas gerações, mas a coisa está sempre avançando, eu acho que isso se deve ao movimento do mundo mesmo, à educação, por isso que está superada essa educação de um atrás do outro e olhando a nuca do outro, e o professor lá na frente falando enquanto eu tô aqui atrás com meu celular”, comenta, destacando ainda a questão tecnológica. Atribui também esse avanço às famílias que preservam o respeito.

Ressalta, por exemplo, a conquista inédita de uma bancada de vereadores e vereadoras negros e negras na capital gaúcha. Lembra que há pouco tempo não se falava dos lanceiros negros, citando historiadores que se negavam a aprofundar o tema e hoje mudaram o discurso. Cita o trabalho de intelectuais negros, contribuindo para esse cenário de empoderamento, em especial de Katiuscia Ribeiro, “uma filósofa muito forte” que ele conheceu quando era criança.

Odomode promovendo cultura e consciência

A programação cultural do Odomode está retornando com tudo após a pior fase da pandemia da covid-19. Todos os dias da semana alguma atividade é desenvolvida e novos projetos estão a caminho, conta Paulinho. Uma das atividades que contribui para essa mudança de consciência é o Nossa Identidade, projeto de educação antirracista com metodologia afro-afetiva voltado a crianças de quatro a 12 anos, que visa estimular os pequenos a reconhecer, construir e valorizar sua identidade étnico-racial. Através de atividades lúdicas de arte e cultura afro-brasileira e africana, busca despertar o desenvolvimento da autoestima, o respeito à diversidade e a formação de crianças protagonistas.


Trabalho com as crianças é um dos atuais projetos mais destacados por Paulo Romeu / Foto: Maciel Goelzer

“Tem a criança branca, a criança negra, a criança sarará, a criança que é albina, a criança que é indígena, a criança que é não sei o que, tem uma criança que é tudo isso junto só nela. Aí como tu vai separar esse pra cá, esse pra lá? É tudo brasileiro, cada um com a sua ancestralidade, mas tudo brasileiro. Então a cultura brasileira tem a força da cultura afro, tá em qualquer brasileiro, tá mais forte no negro porque tá mais perto do DNA africano que ele pegou, mas o brasileiro tem, não importa a cor, ele tem o samba na raiz, ele tem o batuque, ele tem o bagulho na veia”, explica. “Tudo isso da metodologia afro-gaúcha que mostra bem o nosso jeito, diferente do jeito afro-carioca ou do jeito afro-baiano. Nós temos outra história, a nossa história aqui é outra, é os lanceiros negros, saci Pererê. Tem os lanceirinhos, é muito legal, as crianças fazem umas apresentações com as roupas de lanceiros”, prossegue.

Paulinho também destaca o curso de dança afro-gaúcha, coordenado por sua esposa, a Dona Iara, bem como os cursos de maracatu e capoeira e sua clínica de percussão. “Em relação à aula que eu dou aqui, cada aluno meu que vem já é mais um do Afro-Sul, um já é advogado, outro é sanitarista. Então o mais importante pra nós é essa troca. A gente é prova disso, nesse trabalho do EP e do Single da música Morro da Cruz, a gente tá fazendo assim, juntos direto, um gravando com o outro, aí outro vem e grava comigo, eu vou lá e gravo com ele”, conta.

Segundo ele, é dessa forma que o projeto segue funcionando, agora prestes a completar cinco décadas de resistência cultural, enquanto não consegue um apoio ou patrocínio de peso. Conta ainda com suas tradicionais festas, shows e rodas de samba, para bancar as despesas e projetos. Entre os próximos passos, está o plano de conseguir a regularização definitiva do terreno, que foi cedido pela Prefeitura de Porto Alegre.


"A cultura brasileira tem a força da cultura afro, tá em qualquer brasileiro" / Foto: Maciel Goelzer

Invasão da sede e campanha de apoio

No final de agosto, entre a realização da entrevista e a publicação, a sede do Afro-Sul Odomode foi invadida e foram roubados objetos como caixas de som, notebook, projetor, micro-ondas, botijão de gás, cervejas em estoque para eventos, bicicleta e outros itens menores.

Nas redes sociais, o Odomode afirma que a Brigada Militar e a Polícia Civil estiveram no local e estão investigando. “Estamos na tentativa de reaver a parte material, que foi conquistada através de muito trabalho e dedicação. Vocês que nos acompanham, sabem disso. Por isso, pedimos que fiquem atentos a possível venda desses objetos e qualquer coisa, nos comuniquem”, frisa.

Para contribuir com o Afro-Sul Odomode, você pode doar qualquer valor através de uma campanha no site Benfeitoria, disponível neste link.

Atividades oferecidas

Capoeira: terças e quintas das 19h às 21h

Dança: quartas-feiras das 19h às 21h

Maracatu: sextas-feiras das 19h às 21h

Percussão: aulas individuais com o Mestre Paulo Romeu

Projeto Infantil Nossa Identidade e Grupo Afro + (com idosos): aos sábados pela manhã e tarde

Conheça mais sobre o Afro-Sul Odomode em suas redes sociais:
Youtube | Instagram | Facebook.


:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato RS no seu Whatsapp ::

Edição: Katia Marko